Reflexões do Leopardo

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Reflexões do Leopardo

sexta-feira, 7 de julho de 2017

Moçambique frenético

O Festival de Almada apresentou ontem a peça "Moçambique" da Companhia Mala Voadora , a partir de um texto e da direcção de Jorge Andrade. E, se não a viram, percam a esperança de a ver este ano, pois o espectáculo foi filho único.
A peça tem um ritmo frenético, onde os curtos diálogos alternam com danças de ritmos martelados, exaustivos, e canções de uma magnifica voz ( ambas da responsabilidade de Bruno Huca ) , projecção de imagens e filmes da época, tudo enfarpelado num vestuário muito criativo ( responsabilidade de José Capela ).
Em 1 hora e 20 minutos, o espectáculo narra-nos pedaços de estórias reais onde a autonomia de um território se cruza e entrelaça com vidas e carreiras profissionais, controvérsias ideológicas (pró-soviéticas, pró-maoistas, pró-revisionistas, pró-capitalistas, pró-russas, racistas), questões de poder, de propriedade, de estatuto. O que vai acontecendo e o que cada um desejaria que acontecesse. As tranquibérnias económicas, políticas, bélicas, ideológicas que comandam o "real" aparente.

Para além dos actores e criadores já mencionados, destaco ainda os actores/actrizes Isabél Zuaa , Jani Zhao , Matamba Joaquim , Tânia Alves , Welket Bungué que verteram nas tábuas do palco grande da Escola Don António da Costa o seu suor e o seu entusiasmo. A paleta dos seus nomes e os matizes das suas epidermes contribuíram para esclarecer intuitivamente os personagens que interpretavam. 

A estória real que deu origem à narrativa contada era de uma simplicidade estonteante ... e excruciante para uma mentalidade europeia: um casal dono de uma propriedade com 4.000 hectares, produtora de tomate (para se ter um termo de comparação, em Portugal continental talvez a antiga Companhia das Lezírias atingisse os 1.000 hectares e era o maior latifúndio continental...) , perde subitamente os dois filhos que tinha e propõe à sua irmã da "metrópole" que lhe ceda, por compaixão, um dos filhos, filho que virá a ser o herdeiro dos milhares de hectares de tomate. 
A estória real ultrapassou a fantasia - com o filho cedido por compaixão, sempre a asseverar que só lhe interessava o Teatro, que espatifaria a herança até ao último tomate em realizações cénicas - dado que, uns anos após, o latifúndio dos tomates foi todo destruído pelo maior furacão ocorrido em Moçambique no século XX, ficando reduzido a um monte de sucata sem préstimo e sem valor fiduciário. 

Julgo que é uma obra teatral merecedora de ser vista e reflectida com tranquilidade. A ironia começa na Natureza ou nos olhos que interrogam a Natureza ? A estabilidade faz parte da Natureza ou é uma mera aspiração humana ? Uma determinada relação causal entre os factos existe mesmo ou é uma construção mental para sossego humano ?

O público que assistiu ao espectáculo acolheu-o calorosamente com risos e aplausos, mas não duvido que certos "puristas" o rejeitarão, acusando-o de "kitch", de que nenhum popular moçambicano veste com a elegância sofisticada dos actores, que as "marrabentas" bailadas nas calçadas do Maputo , da Beira, no meio das florestas do planalto dos Macondes, nas clareiras à beira do Lago Niassa pouco têm a ver com o que é dançado no palco para além do vigor que todas empregam.
É verdade que qualquer miúdo do Maputo ou da Beira dá dez a zero aos bailarinos da Mala Voadora em saltos e reviravoltas ritmadas, explícitas no erotismo e na pornografia ( putos de pernas tortas, putos que não beberam leite suficiente na infância e que a passaram escarranchados às costas das mães, enconchados nas capulanas ) , que as danças litúrgicas dos macondes ou dos nyanjas ( habitantes do Lago Niassa ) , tudo populaça que só usava chinelos de borracha e t-shirt's de algodão porque as autoridades coloniais os obrigavam.
Todavia, o que é criativo na Companhia da Mala Voadora é que, sem os copiarem, os evocam, os tornam presentes no nosso imaginário.
O genial Aristóteles, há 2 mil e trezentos anos atrás, definiu a Arte como "mimesis", termo grego que significa "reflexo". 23 séculos após, as contribuições de Tomás de Aquino, Kant, Marx, Lenine, Gramsci  empurraram o conceito de "reflexo" para novos planos e, hoje, perguntamo-nos o que "reflecte" a Arte ? O real concreto, exterior ao sujeito que observa? Ou reflecte a estrutura interna do sujeito que observa ? Ou reflecte a ordem social da classe que observa a Natureza e a Sociedade na qual se insere ? Ou reflecte a acção humana necessária para transformar a Sociedade e a Natureza a favor da Humanidade ? Ou reflecte, dentro de cada classe, a visão de sub-líderes determinados pelos seus trabalhos profissionais ? 
Quero eu, Leopardo, com esta discursata epistemológica, justificar que a Mala Voadora possui todo o direito artístico de reintrepertar no vestuário e na música o riquíssimo património artístico, ancestral, moçambicano, desde que nos ajude a penetrar na compreensão do que é Moçambique.

A nível planetário foi inesperado saber pelo noticiário que a primeira-ministra da Polónia, Beata Szydlo se recusou a apertar a mão a Donald Trampas . Além de inesperado foi divertido, pois Beata Szydlo pertence ao Partido Nacionalista "Lei e Justiça" , partido de extrema-direita , que ganhou folgadamente as eleições em 2015 e que se definem como "euro-cépticos", "anti-refugiados", "anti-Rússia" e que reclamam uma base permanente da NATO dentro do seu País.
É caso para comentar "como são estranhos estes polacos... vá-se lá entendê-los !..." Todavia, enquanto se zangam as comadres, aprendem-se umas verdades...


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Hoje, fico-me por aqui, 

confiante e sorridente,

Leopardamente 

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