Reflexões do Leopardo

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domingo, 2 de julho de 2017

A Caçadora e a Águia

O título desta reflexão é igualmente o título do filme "A Caçadora e a Águia" em cartaz nos cinemas de Lisboa. Afirmando-se inspirado numa estória verídica, a película relata-nos em detalhes preciosos uma parte da vida de uma adolescente mongol, Aisholpan Nurgaiv, criada nas altas e geladas montanhas Altai,  - sujeitas a ventos selvagens, tempestades de neve e gelo súbitas, temperaturas muito abaixo dos zero graus centígrados - , rapariga que desde mui tenra idade manifesta uma atracção irresistível para se dedicar à caça com águia - de raposas, coelhos, cabritos selvagens, ovelhas desgarradas, enfim tudo o que possa fornecer proteínas e gordura que ajudem os seres humanos a sobreviver naquelas paragens inóspitas ( donde partiu o lendário Gengis Khan ) .

O insólito do caso, é que Aisholpan pertence a uma típica família nómada de mongóis , com vários filhos e filhas, famílias nas quais os papeis sociais estão distribuídos desde a nascença : os rapazes são caçadores (com armas de fogo, arcos e flechas ou com águias - a mais honrosa de todas) ; as raparigas limpam as tendas ou as casas de adobe - possuem duas residências, conforme as alturas do ano - , fazem a comida, o chá, as panquecas, tratam das peles que lhes forram o vestuário vistoso, colorido, onde os kispos de penas, as camisolas, casacos de lã, cachecóis , enormes gorros em pele se misturam sem preconceitos. Ah, claro, as raparigas estão destinadas a casarem bastante cedo com parceiros negociados pelos pais.
Mas, as raparigas não podem caçar, muito menos com águias, tipo de caça que exige coragem, força física, longa aprendizagem, uma ausência prática do medo, grande resistência - chegam a ter de cavalgar 150 quilómetros num dia de tempestade, com uma águia de 7 quilos apoiada num braço !

No caso de Aisholpan foi-lhe possível seguir a sua inclinação porque o pai, Rys Nurgaiv (muito
provavelmente seu pai na vida real) lhe reconhece as qualidades necessárias e a forte determinação - mais que aos irmãos do sexo masculino - e a mãe, silenciosamente, não contraria a vontade da filha, pois pensa que ela sai ao pai e não a si, além disso gostaria de saber a filha feliz.
O problema é levado a sério, de tal forma que é colocado ao Conselho Familiar -  onde os mais velhos detêm uma ponderação maior - e este opõe-se. Consideram que a rapariga não é capaz, sobretudo caçar com águia, e, acima de tudo, vêem na pretensão uma ameaça à ordem social estabelecida. Imagine-se, caso excepcional, que a Aisholpan consegue ? Imediatamente se converteria numa heroína para a comunidade mongol feminina, e ele era ver surdir debaixo das pedras uma fila de pequenas "aisholpans".

A ameaça à ordem social estabelecida é levada tão a sério que o Conselho Familiar encaminha a coisa para o Conselho do Clã. E o julgamento é idêntico. O pai Rys Nurgaiv deve dar um NÃO absoluto e definitivo à pretensão da filha. Mas, a  responsabilidade última do "Não" será do pai (o qual demonstra pela pretensão da filha que não a educou muito bem...).

Rys Nurgaiv matuta mongolmente no caso durante duas semanas. E decide inesperadamente, contra tudo e todos, que submeterá a filha a provas.
Assistimos então a essas provas. A adolescente sustenta uma águia no braço, protegido por uma luva, com uma das asas da águia por cima do seu ombro. Tira-lhe o carapuço de cabedal que lhe venda os enormes olhos e vai-lhe dando a comer pequenos pedaços de carne crua - operação que lhe pode custar a perda de um dedo, se manifestar medo . Aisholpan executa tudo isso com alegria, enquanto fala doce e ininterruptamente com a ave, interpretando-lhe os sentimentos. 
Depois passa ao treino longo, paciente, de habituar a águia à sua voz e a perseguir um coelho na planura, de um morro elevado, por fim a perseguir um simulacro de raposa. Treino que implica falhanços e a superação dos falhanços tanto para a ave como para a caçadora.

Aisholpan é ambiciosa - uma verdadeira Cristiana Ronaldo dos caçadores com águia - e propõe ao pai Rys entrar no mais famoso concurso de caçadores que se realiza todos os anos e que atrai ao planalto mongóis de todas as partes - esta Mongólia confina com a Mongólia Chinesa - e turistas estrangeiros, gentes que são uma fonte económica valiosa.
O pai Rys avalia a proposta, o escasso tempo de preparação, a necessidade de ir roubar uma cria de águia aos cumes xistosos, gelados das montanhas Altai, de onde provêem as águias com mais garantias de sucesso.

Resumindo e arredondando ( que a pachorra dos meus leitores é menor que a dos mongóis ... ) , contra todas as expectativas a adolescente Aisholpan, ser humano do sexo feminino vence todas as provas, vence o Concurso de Caçadores, mesmo os mais experimentados, alguns que averbam várias vitórias.

Pode extrair-se do filme uma apologia óbvia à causa do feminismo - o proletariado sempre pior pago e com menos direitos na História Humana - , mas também se pode fazer a leitura de que, por mais altos, gelados e agrestes que sejam os Altais, o mundo dos proletas, dos patuleias triunfará mais cedo que tarde.

Embora "A Caçadora e a Águia" já tenha ganho uns prémios e seja candidato não sei a que famoso festival, não estou seguro se marcará a História do Cinema. A minha memória responderá por mim daqui a uns anos...

Em todo o caso sempre é melhor reflectir sobre ele do que sobre as intrigalhadas que envolvem o "futebolês" luso, que até já bruxarias chamam à baila. Ou sobre as sucessivas "gaffes" e mentirolas do sr. Passaralhos Coelho que surde mais vezes nas rádios e "pantalhas" do que o  oleoso chefe Costa . 

E talvez o filme nos ensine mais sobre a Administração Trampesca e as outras Administrações "cowboys"  do que pode parecer... 









Saudações confiantes

na luta colectiva, organizada, debatida 

do Leopardo

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