Reflexões do Leopardo

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Reflexões do Leopardo

segunda-feira, 30 de maio de 2016

Verdi versus Wagner & muita Merda Excelente

Escolhi opor Verdi a Wagner  não porque um seja um génio musical e o outro o não seja, não porque ambos não tenham provocado uma revolução no mundo da Ópera. Ambos foram génios musicais, ambos provocaram rupturas radicais na forma de entender "i drami per musica", mas porque, para mim, simples melómano que não separa os músicos das posturas sociais que que assumem, foram de facto seres humanos profundamente diferentes: Verdi centrado na contributo progressista que a sua obra musical poderia ter na sociedade e na influência moral da sua intervenção de cidadão; Wagner centrado acima de tudo nele próprio e na imagem que projectava e que gostaria perdurasse para a História.

Wilhelm Richard Wagner nasceu em Leipzig (cidade com grandes tradições na cultura germânica), a 22 de Maio.1813, morreu em Veneza, a 13 de Fevereiro1883 (com 70 anos) de um súbito ataque de coração. 
Filho de um polícia e de uma mãe cujo pai era padeiro, Wagner de facto não conheceu o pai biológico, pois ele faleceu quando o bébé tinha 6 meses. A mãe casou-se com um dramaturgo e actor ( que Wagner terá imaginado durante muitos anos ser o seu pai biológico ) e a família mudou-se para Dresden ( outra das cidades alemãs com uma herança cultural de relevo e, tal como Leipzig, arrasada pela aviação inglesa durante a 2ª guerra mundial). Duas irmãs de Wagner eram actrizes e uma delas também cantora de Ópera.

Desde cedo Wagner revela talentos acima do vulgar. Aos 13 anos traduz doze volumes da Odisseia a partir do grego antigo. Em 1827, com 14 anos, ouve música de Ludwig van Beethoven, pela qual se apaixona, em especial pela 7ª Sinfonia, e em 1929 (com 16 anos) ao ouvir a Ópera de Beethoven, ficou fascinado e obsecado pela "soprano drammatica" Wilhelmine Schröder-Devriant, escrevendo-lhe uma carta.

Como se sabe, Beethoven só compôs a Ópera "Fidelio" - à qual tencionava dar o nome de "Leonora", título do qual desistiu para não expor a pessoa que amava. Aliás, Beethoven não voltou a escrever Óperas por se achar sem talento para tal.
Provavelmente Beethoven tinha razão. Não será por acaso que o conhecemos pelas suas Sinfonias - deixou igualmente uma "Missa Funebris" notável. Porém, cá o simplérrimo Leopardo, que gosta bastante do "Fidelio" , lamenta que o Mestre não tenha feito mais nenhuma incursão no mundo da Ópera lírica ... podia ser que ganhasse balanço e coragem... Mas quem sou eu para me pôr a discutir ( e fora dos tempos, num diálogo além-túmulo ) com o Grande Mestre ??! Tal está o atrevimento!.. Ou será apenas mais um elogio disfarçado... 

Apadrinhado por Giacomo Meyerbeer - que dominava os meios musicais nos territórios alemães - Wagner consegue o lugar de regente de orquestra em Magdeburgo (em 1834; tem 21 anos; o cargo é bem remunerado e, em princípio, estável). Wagner dirige o "Don Giovanni" de Mozart e arrebata o público. O mesmo acontecendo com as 7ª e 9º Sinfonias de Beethoven (a 9ª Sinfonia era considerada uma obra superior, impossível de ser dirigida, posta à margem; é Wagner o responsável por a pôr de novo em destaque).

Wagner dirige com grande rigor e entusiasmo, transmitindo esse fogo artístico à orquestra e ao público. As características de grande regente de orquestra mantê-las-à pela vida fora e é uma das razões porque não confia as suas próprias obras a outros maestros.
O seu método de trabalho quando compunha não variava: fazia primeiro o libreto em prosa, depois passava-o a versos (não sentia em si alma poética de escritor) e, por fim,  deixava escorrer a partitura. Afirmam os especialistas que Wagner usava texturas musicais complexas, de harmonias ricas, com grandes recursos orquestrais, e  lançava mão com  frequência  de "leitemotiv's", isto é, empregava temas musicais motores, associados a caracteres individuais, lugares e ideias.
  
Escrevi atrás que o cargo de Wagner em princípio, era estável, não fora uma série de características que também sempre acompanharam o genial músico pela vida fora: o vício do jogo (onde perdia somas exorbitantes), o feitio esbanjador em festas que organizava, a paixão por roupas, perfumes, carruagens, palacetes onde se hospedava, tudo muito acima dos seus rendimentos. O que determinou que passasse a vida a saltar de uma cidade para outra, de um país para outro, de um cargo para outro a fim de fugir aos credores e não ser preso. Em Paris chegaram a caçar-lhe o passaporte num hotel para o poderem prender por dívidas quando tentasse atravessar a fronteira.

A sua vida amorosa - ou, deverei dizer, experiências eroticó-afectivas? - correspondeu à extravagante vida do músico (extraordinário seria se assim não tivesse sido).
Em 1836 casou com Christine Wilhelmine "Minna"Planer, actriz modesta, e a ligação revelou-se infeliz, espaçada por separações derivadas dos compromissos profissionais, ameaçada por intentos de divórcio ora de um lado ora do outro. Em todo o caso durou até 1860, altura em que "Minna" obtém a prova irrefutável da ligação entre Wagner e Mathilde Wesendonk, esposa de Otto Wesendonk, um rico empresário, que consentia na relação da mulher com o Maestro e financiava Wagner a fundo perdido. Porém, "Minna" tinha outra opinião. Armou uma escandaleira de berros e esfregou, no sentido literal do termo, a prova - uma carta - na cara dos Wesendonk. O divórcio dos Wagner tornou-se inevitável. Separaram-se definitivamente. Richard vai sozinho para Veneza e depois para Zurique. Além da traição eroticó-afectiva, "Minna" nunca perdoara ao marido a sua intromissão muito activa na vida política, que ocasionara a sua expulsão de Dresden, cidade de "Minna" e do seu sonho de uma vida financeira estável.

Efectivamente ("e sem moralizar"), após apanhar a febre tifóide em Riga (Polónia), ser preso em Paris, sempre perseguido pelos credores, Wagner, apadrinhado por Giacomo Meyerbeer, tinha conseguido (1841) ser nomeado Kappellmeister em Dresden, isto é, director artístico e regente do teatro da cidade. O cargo era bem pago e vitalício.

Ora, Wagner empossado no prestigioso e bem remunerado cargo de Kappellmeister, sob a influência dos ventos e tempestades, de sentidos desencontrados, desencadeados pela grande Revolução Francesa, sob a influência da sua amizade pessoal com o anarquista russo Mikhail Bakunin, vai-se progressivamente aproximando de ideais revolucionários, publicando, sob anonimato, poemas e artigos revolucionários, mas escritos que todos reconhecem como provindos da sua pena. Para evidenciar ainda mais este empenhamento político, quando Wagner regia a 9ª Sinfonia (1.Abril.1849), Bakunin levantou-se no meio da plateia, apertou a mão de Wagner e afirmou alto e bom som que se toda a música desaparecesse numa guerra mundial, a 9ª Sinfonia devia ser salva.

O envolvimento revolucionário subiu ao ponto de Wagner emergir como um dos líderes - juntamente com Bakunin e outras personalidades anarquistas - da revolta armada da cidade de Dresden. A Revolta foi esmagada a canhonaços pelas tropas prussianas  . Bakunine e os outros líderes anarquistas fugiram, abandonaram a população à violência, aos roubos, às sevícias da soldadesca prussiana , porém Wagner (honra lhe seja feita), pôs "Minna" a salvo noutra cidade, e retornou a Dresden, resistindo com a sua população até ao fim.
Os prussianos vencedores, condenaram os líderes da Revolta à morte (se  e quando fossem apanhados). O nome de Wagner estava incluído nos cabecilhas condenados à morte. Condenação que, posteriormente, Bismark comutou para prisão perpétua.

Nos entretantos, Wagner ia compondo "Der fliegend Holländer" - cujo nome passou a "Le Vaisseeau Fantôme" para retornar ao "Holandês Voador" germânico, conforme Wagner espreitava oportunidade de a obra ser tocada em França ou na Alemanha. Eu, ouvi-a garoto, nos idos de 1952, no ginásio do Liceu Camões, sob o nome d' "O Navio Fantasma" e sob a batuta do maestro que apodavamos de Pedro de Freitas Amarelo para que não fosse confundido com o prestigiado pedagogo musical e democrata Pedro de Freitas Branco.
Compunha Wagner a "Tannhäuser" (grande ópera em 3 actos, elaborada e reelaborada entre 42-45 e 61) -  que Napoleão III o convidava a montar em Paris - , dava à luz "Lohengrin" (45-48, ópera romântica em 3 actos)redigia partes do "Anel dos Nibelungos" ( "Der Ring der Nibelungen", tetralogia composta de "O Ouro do Reno", "A Valquíria", "Siegfried" e "Crepúsculo dos Deuses", de 48 a 74) , "Os Mestres Cantores de Nurembergue" (ópera em 3 actos, redigida entre 45 e 67), que ficará como um marco pela introdução da mitologia germânica em prejuízo da mitologia greco-romana e pelo assentar de arraiais na língua alemã , acabava "Tristão e Isolda" (ópera em 3 actos, composta entre 57 e 59). 

Em 1860 Wagner foi amnistiado e voltou à Alemanha. Travou conhecimento com Luís II, rei da Baviera , o qual obviamente se encantou com a música de Wagner e com o músico, construindo-lhe uma faustosa residência dentro das suas propriedades reais, na Floresta Negra, Villa Pellet, concedendo-lhe uma pensão suficiente para Wagner viver luxuosamente (porém, já sabemos que nunca haveria dinheiro bastante para satisfazer o egocentrismo e o narcisismo de Wagner).
Luís II era assumidamente homossexual e o grande realizadocinematográfico e encenador teatral do século XX, amante de Ópera, Luchino Visconti (autor de filmes-arquétipo como "La Terra Trema", "Senso", "O Leopardo", "Morte em Veneza") afirmou que as relações entre Luís II e Wagner não se limitaram a uma admiração platónica do rei pelo músico, tendo-se consumado numa relação sexual concreta, a qual não seria alheia ao posterior enlouquecimento do rei e ao seu afogamento numa lagoa da Villa Pellet.

Tenha acontecido o que tenha acontecido, a vida de Richard Wagner foi uma montanha russa a girar a velocidades de bólides fórmula 1, Le Mans.
 Em 1864, Hans von Büllow com a esposa Cosima (filha do grande compositor e pianista Franz Liszt) chegam à Villa Pellet e os serões conhecem uma animação nova com o convívio e as conversas animadas entre Wagner e os von Büllow. A filha de Liszt toca igualmente piano e é uma mulher com uma cultura musical, artística, intelectual superior, possui ideias avançadas. Sensivelmente um ano depois Cosima está grávida de Wagner. Os von Büllow acabam por se divorciar e Cosima casa com Wagner em 1870. Tiveram três filhos: Isolde, Eva e Siegfried (nomes que vêm a aparecer nas personagens das óperas do Mestre). Cosima ia tendo conhecimento e tolerava as inúmeras relações extra-conjugais do marido. Já agora vale a pena deixar dito que Liszt nunca aprovou o casamento da filha, embora fosse assistindo aos espectáculos do genro.

Em 1866, Bismark - qe será cognominado de "Chanceler de Ferro - unificará a Alemanha sob a sua égide e vai permitir, habilmente, que Luís II continue rei da Baviera.
Nessa altura, Luís II propôs a Wagner abandonar o reino e ir viver com ele. Wagner dissuade-o, fala-lhe nas responsabilidades de um rei para com o seu povo, sublinha-lhe que se o fizesse não poderia continuar a sustentá-lo a ele, Wagner, com a generosa tença anual, e consegue que Luís II lhe ofereça a pequena cidade de Bayreuth no centro da Baviera e no centro da Alemanha ,  para a realização de um Festival , que deveio o famoso Festival de Bayreuth para onde convergem anualmente wagnerianos de todo o mundo (a cidade há décadas que vive desse turismo melómano).

Entre 1865 e 1882, Wagner compõe a ópera "Parsifal", definida como um "festival cénico sagrado", na qual muitos wagnerianos vêem a cúpula do seu magistério.
Em 1868, trava amizade com o filósofo (e filólogo, crítico cultural, poeta, compositor) Friedrich Nietzsche, amizade que finda por decepcionar ambos.

A 13 de Agosto.1876, Wagner dá inicio finalmente ao primeiro Festival de Bayreuth. Afluíram personalidades de todo o mundo: o imperador da Alemanha, o imperador do Brasil (D.Pedro II), Nietzsche, Franz Liszt, Anton Brukner, Piotr Ilitch Tchaikovsky.

A partir de 1882, Wagner começou a ter problemas cardíacos e a viajar para Itália
sempre que podia. Detestava o clima quase sempre chuvoso de Bayreuth e preferia as belas cidades ensolaradas italianas e as suas magníficas "piazze".  A 13 de Fevereiro.1883, em Veneza , Wagner morreu subitamente de um ataque cardíaco.
O funeral foi em Bayreuth e, de acordo com as instruções expressas do compositor, a pedra tumular é rasa, não contem qualquer inscrição, pois o Mestre deixara dito que não era preciso, todos os visitantes saberiam quem era exactamente que repousava por baixo (sic!)... 

O Festival de Bayreuth , por vezes, é associado indevidamente ao Nazismo . Após a morte de Wagner, o Festival passou a ser dirigido pela viúva Cosima e quando ela delegou o cargo, em 1906, pelo filho Siegfried . Foi a viúva do filho, militante nazi , que entregou o Festival às garras dos hitlerianos de tal forma que só após o fim da 2ª guerra mundial e o julgamento de Nuremberga  o Festival foi limpo dessa tremenda mancha.

Wagner terá composto ao todo 113 obras (a última em 1880, o "lied" "Ihr kinder, geschwinde, geschwinde") - óperas líricas, "lieds", música de câmera, sinfonias, músicas religiosas ou fúnebres, escrito libretos e ensaios teóricos sobre ópera lírica - estando eu, vulgar leopardo, de acordo com a sua concepção de que a "i drami per musica" são um espectáculo global, em que todos os artistas nela intervenientes se devem subordinar à concepção do compositor (e não improvisarem a seu talante, enquanto lhes batessem palmas, como era usual os "divos" e as "divas" fazerem patrásmente) a questão naturalmente que se coloca é porque carga de água prefiro eu, atrevido leopardo, Verdi a Wagner. Verdi não terá produzido em tal quantidade, não redigiu libretos, não definiu teoria com tal precisão e concisão. Mas antes de Wagner, Verdi subordinou a Ópera aos mesmos princípios, com o mesmo rigor, com uma precisão de notas práticas explicativas de oceano, sem lhe retirar a alegria, a leveza  e a subtileza saltitante, a convivialidade. Verdi que produziu "o coro dos escravos" da Ópera "Nabucco" que chegou a ser cantado como o hino italiano contra o opressor austríaco.

A minha resposta, com toda a carga de subjectividade que assumo, dei-a parcialmente no início. Mais acrescento: sinto sempre em Wagner um sinfonista que se enganou e compôs Óperas; as suas árias são longos monólogos sinfónicos em que se perde a controvérsia própria dos diálogos operísticos; depois sempre em dodecassílabos (como se estivesse sempre na peugada de Leopardi,  Petrarca,  o Dante da "Divina Comédia" ou o Camões dos "Lusíadas"); nunca saímos dos cenários pesados, de escadarias intermináveis de palácios reais; ósdepois aquela maldita mitologia germânica com as espadas e os machados sempre a baterem nos escudos !; "and last but not the least", as tonitruâncias e as asperesas daquele linguajar bárbaro que é o "tedesco".
Existem belíssimas páginas de música nas Óperas de Wagner ? Existem sim senhora... pena que não tenham sido canalizadas, para sinfonias, música litúrgica, "lieds".

Mas é a diferença entre ser enterrado sob uma lage  sem qualquer inscrição no campo sagrado de Baireuth , e ser enterrado num pequeno cemitério perto de Sant'Agata, onde tinha a casa em que viveu até morrer.

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Lastimo, porém hoje já não estou em condições de meter as mãos na Merda

Amplexos confiantes e "pulite" do

Leopardo     

                        






domingo, 22 de maio de 2016

Requiens, Questionamentos e Diálogo - Partitura I

Confesso que fui surpreendido, a edição anterior do blogue desencadeou uma verdadeira explosão de comentários, um Vesúvio em erupção: dez, dez, 10 !, quase tantas como as visualizações! É bem verdade que esses comentários provinham de duas/três cabeças a escaldar. Em todo o caso é um extraordinário que merece registo.
Por outro lado confesso igualmente que este Leopardo, que se imagina a dirigir-se ao supra-sumo da intelectualidade artística e literária da cultura portuguesa, ficou um um pouco surpreso com a natureza miúda, mesmo brejeirota, das interrogações ou curiosidades esboçadas: "nas afectuosidades entre o Mozart e a mana Nannerl havia suspeitas de incesto?; o Mozart e a esposa legítima atraiçoavam-se mutuamente? etcetera, etcetera.
Confesso que esperava mais elevação, outro nível de questionamentos, mais elegância da parte de intelectualidade tão subida. Mas, a natureza é o que é, o sangue que nos corre nas veias e as descargas eléctricas que saltam nas sinapses do nosso córtex cerebral, no essencial, não diferem das do Zé Povinho. E ainda óptimo, senão como se faria o diálogo?!...

Então, nesta Partitura I, vamos ao Mozart que é o que promete mais pasto para essas "curiosità".
Primeiros, o Joannes Chrysostomus Wolfgangus Theophilus Mozart, nome de baptismo, nasceu em Salzburgo, cidade que, então (27.Jan.1756), pertencia à Áustria, sendo, portanto, austríaco e não "tedesco" como vulgarmente se supõe. O próprio Mozart, por razões de sobrevivência financeira, fez questão de acentuar uma suposta veia "tedesca", pois era um irreprimível perdulário e as autênticas fortunas que foi ganhando eram sempre inferiores às dívidas contraídas - em palacetes, carruagens, "valets de chambre/cocheiros", acima das suas posses.

Repararam naquele "Chrysostomus", termo grego que significa "boca de ouro" e  no "Theophilus" , termo igualmente grego significando "amigo ou amado de deus". Um espertalhão, o pai de Mozart - Leopold Mozart - que, ao contrário do que é habitualmente concebido, não foi apenas um explorador do talento genial do filho, mas foi também um excelente professor dele, abdicando de uma carreira pessoal, para se dedicar a proporcionar-lhe uma educação de luxo e uma carreira de sucesso. Tê-lo-à feito estudar - além da música clássica, naturalmente - francês, italiano, latim, aritmética e exercícios físicos ao ar livre ( uma novidade absoluta). Também, nas constantes digressões que fizeram pela Europa, algumas das cidades onde se exibiam - e das quais retiravam o seu sustento - foram escolhidas por oferecerem a possibilidade de o jovem génio conviver com músicos famosos.

Sim, Leopold Mozart foi um violinista famoso que, inclusive, escreveu um tratado sobre como tocar violino, que fez época, e que permanece como obra de referência onde se espelham as concepções musicais do seu tempo.
Leopold, que subordinava o exercício da música a uma pedagogia religiosa austera, impôs aos filhos - Maria Anna, a Nannerl, e a J.C.W.T.Mozart uma disciplina de trabalho diário pesada, da qual ambos bastante beneficiaram pela vida fora. Nos seus breves 35 anos de existência, Wolfgang Amadeus Mozart com frequência laborava horas a fio, barafundava as horas das refeições, o que é uma parte da explicação para as cerca de 600 obras que compôs - sinfonias, concertos, óperas, corais, músicas para piano e câmera - , não se excluindo ainda hoje a possibilidade de aparecerem partituras caídas em mãos de particulares que as pretendam fazer render. 

Amadeus Mozart foi o 7º e último filho de Leopold Mozart e de AnnaMaria Pertl. Só Nannerl e ele sobreviveram. A mortalidade infantil era uma verdadeira hecatombe na época, alguns dos recém-nascidos não durando mais que poucas horas, dias ou meses.
As famílias conviviam horas seguidas na mesma sala e, no caso dos Mozart, era habitual misturarem uma linguagem cuidada com um "gèrgo" caseiro, grosseiro, que, tratado pelo génio irreverente de Amadeus , explica que encontremos entre as numerosas cartas lacradas, enviadas à mana Nannerl, a ternurenta confissão de que adorava os peidinhos que ela soltava enquanto dormia. Portanto, muito provavelmente, não verdadeiro incesto, apenas a revelação de uma intimidade intensamente... odorífera.
Aliás, Amadeus Mozart inscreve-se no número dos grandes epistológrafos do tempo (em que não existia Internet, nem telefones celulares...), conservando-se 1.600 destas cartas, assaz bem redigidas.

Em 1761 - tinha Amadeus Mozart 5 anos - o pai apresentou-o na Universidade de Salzburg como menino-prodígio. Aos 7 anos, o menino-prodígio tocava cravo ou piano sem olhar as partituras, com o teclado oculto por um pano negro. E durante 20 anos Leopold exibiu o filho na Alemanha, França, Inglaterra, Países Baixos, Suiça.

W.A.Mozart tocou para Luís XV em Versalhes, para Jorge III em Londres - onde conheceu e ficou amigo do músico prestigiado Johann Christian Bach, neto ou bisneto do lendário Johann Sebastian Bach, - que um bar perto do Príncipe Real e do Bairro Alto, em Lisboa adoptou como nome para atrair os noctívagos da zona, amantes de jazz... o que prova mais uma vez que o mundo é... circular - o das "fugas", dos "Concertos de Brandenburg", da "Paixão segundo São Mateus" - peça musical central num filme, "Il vangelo secondo Matteo" de Pier Paolo Pasolini - Bach mestre do contraponto e da música Barroca, Bach do qual toda a música ocidental se considera tributária e herdeira.
Nas deambulações musicó-financeiras de 1765 (tinha 9 anos) terá ganho de lucro cerca de 10 mil dólares actuais - boa parte deles da Maria Antonieta que virá a ser guilhotinada cinco anos após, aquando da grande Revolução Francesa (equiparável na grandeza e consequências à enormíssima Revolução Soviética de 1917) - para além de anéis de ouro, relógios, caixas de rapé, jóias de valor incalculável.

Todavia, estas digressões venatórias - à caça de fortuna, fama, arte, amigos, apoios - tinham igualmente os seus custos e os dois irmãos, A. Mozart e Nannerl , apanharam febre tifóide, que não os matou mas os deixou convalescentes durante meses e a sofrer de febres reumáticas para o resto da vida. Apanharam igualmente uma forma suave de varíola, que marcou para sempre o rosto de Amadeus com uma série de pequenas crateras que tentava disfarçar com "maquillage".
Em Dezembro de 1769, então só ele - com 13 anos - e o pai viajam para Itália (na verdade, os diversos Estados da península itálica): Verona, Mântua, Milão, Bolonha, Florença, Roma.
Em Bolonha conhece o "castrato" Farinelli, no auge da fama, sobre o qual também já foi realizado um filme. Em Roma, Amadeus e Leopold foram recebidos pelo Papa e o adolescente prodígio foi agraciado como "cavaleiro"- o que era invulgar para um músico. Aos dois, pai e filho, sem quaisquer folhas de apontamentos, foi-lhes permitido ouvir o "Miserere" de G. Allegri, na Capela Sistina, com um número de presenças limitado ao essencial para não se correr o risco de a música poder ser transcrita. Regressados ao hotel onde estavam hospedados, perante a estupefacção do pai, o jovem Mozart transcreveu o "Miserere" ouvido, de memória, na íntegra, sem uma falha, sem um erro...

É sensivelmente a partir desta data que começam a suceder os grandes feitos musicais de Amadeus Mozart e as suas aventuras amorosó-eróticas. Com 14 anos terá tido a sua iniciação sexual com uma prima. Em 1771, ele e o pai regressam a Milão. Em 1780, é encomendada a A.Mozart (com 24 anos) uma Ópera, que desembocará no "Idomeneo". Em 1781, renova o seu romance com Aloysia Weber , a qual trocará pela irmã Constanze Weber com quem anunciará o casamento (na Catedral de Santo Estevão, a 4.Agosto.1782), após a estreia e o grande sucesso da Ópera "O Rapto do Serralho". Leopold não terá aprovado o casamento com Constanze, porém, posteriormente, terá apreciado que fosse ela a gerir a fortuna do casal, pois Amadeus era um estabanado a gastar o que ganhava, envolvia-se em altercações constantes com os mecenas que o contratavam, mostrava-se sempre demasiado cônscio do seu valor, evitando exibir-se para públicos musicalmente ignorantes, ou, por exemplo, recusando comer à mesa com os serviçais (como era hábito na época), ou, contraditoriamente na aparência, deslocando-se para os bairros mais populares da cidade, dando igual importância à Ópera "buffa" (onde a criadagem, os arlequins, as colombinas,  as zerlinas, eram os heróis) e à Ópera "séria" (das grandes encenações, dos deuses, dos imperadores, dos reis e rainhas).  

Rezam as crónicas oficiais que Amadeus Mozart e Constanze Weber foram muito felizes e não existem provas concretas de que Constanze tenha sido infiel.  Sobre a felicidade não me pronuncio por ser matéria mui volátil, todavia a infidelidade conjugal de Mozart é quase certa e quanto à infidelidade de Constanze  sou mui propênsico a acreditar nela.
Assim, o primeiro filho de ambos teve pouco tempo de vida. Em 1784, nasceu um segundo filho, Carl Thomas, um dos poucos que sobreviveu. Foi nesse ano que ingressou na Maçonaria, organização filosoficó-política secreta, de carácter progressista, que concebia um deus-geómetra, orientado para o Bem e a Felicidade do Universo.
Em 1785, compõe a Ópera "As Bodas de Fígaro" com libreto de Lorenzo da Ponte. Em Outubro desse ano nasce um terceiro filho que dura poucos dias.

Em 1787 é convidado para ir a Praga, compõe a Ópera "Don Giovanni" - onde uma série de críticos da especialidade vêem um ajuste de contas com a figura paterna, a resolução do complexo de Édipo. Nesse mesmo ano morre o pai. Mozart renuncia à herança a favor de Nannerl, apenas pedindo em troca todas as partituras que tinha composto. Nesse mesmo ano nasceu-lhe uma filha que viveu poucos meses.
É possível que por essa altura tenha dado aulas a Ludwig van Beethoven, que teria uns 17 anos. Mozart, na generalidade dos casos não gostava de dar estas aulas privadas, mas precisava delas para manter o equilíbrio sempre instável das suas finanças.

Em 1789 - ano do início da Revolução Francesa, Amadeus tem 33 anos e viverá mais 2 anos - nasce uma filha ao casal Mozart, filha que vive só um dia.
No Verão de 1791, Mozart está na Alemanha, com as esperanças colocadas no novo imperador Leopoldo II, que supõe um "iluminista". Nasce-lhe o último filho, Franz Xaver Wolfgang - que sobrevive! ; ou seja, em 6 dos  filhos recém-nascidos sobreviveram 2 ... 
Mozart compõe a Ópera "a Flauta Mágica, que se popularizou rapidamente.
Recebe a encomenda de um Requiem, supõe-se que através do músico e compositor Salieri, impondo a condição de a missa fúnebre vir anónima, mas acompanhadas de pagamento generoso e antecipado. Hoje, está apurado que a encomenda provinha do conde Walsegg-Stupach , que a pretendia anónima para depois a apresentar como sua, em memória da esposa (estas encomendas aos denominados "escritores negros" ou "cinzentos" prolifera ainda hoje e ainda em muito maior escala por parte das entidades mais diversas).
Amadeus Mozart, enquanto acaba a composição da última Ópera "A Clemência de Tito", estreada com muito aplauso em Praga, parece que terá ficado obcecado pela encomenda e as condições da encomenda do "Requiem" , para o que pode ter contribuído o agravamento da febre reumática de que sofria.

Infelizmente, o filme que ganhou notoriedade sobre a vida "do amado dos deuses" fez-se porta-voz de uma série de suposições com pouco suporte na base documental e transmitiu a personagem de um Salieri-músico medíocre, invejoso, perverso até ao isolamento e assassínio de Mozart. Ora, essa imagem não corresponde nada aos factos. Salieri, sem se destacar como um génio, foi um músico de sucesso, admirador de Mozart , que talvez tenha estado presente no enterro de Amadeus, juntamente com um dos alunos e dois músicos (habitualmente, os músicos, por muito geniais que pudessem sê-lo, não levavam acompanhamento maior do que este). Mozart foi enterrado no dia 5 de Dezembro.1791, no cemitério da Igreja de São Marx, nos arredores de Viena. E cinco dias depois, a 10 de Dezembro, os maçons rezaram-lhe uma missa sumptuosa e os obituários reconheceram-lhe a grandeza musical. Em Praga, as homenagens foram ainda mais grandiosas.

O "Requiem" ficou incompleto, mas esboçado na generalidade. Alunos de Mozart, Joseph Eybler e Franz Süssmayr , completaram-no de acordo com os rascunhos do Mestre.

Wolfgang Amadeus Mozart deixou uma herança considerável em manuscritos, instrumentos, objectos diversos, mas bastante mal avaliada em termos financeiros.

A influência musical "do amado dos deuses" é óbvia e reconhecida em Ludwig van Beethoven, Franz Schubert, Gioacchino Rossini, Robert Schubert, Johannes Brahms, Richard Wagner, Anton Bruckner, Piotr Tchaikovsky, Gustav Mahler, Max Reger, Richard Strauss, Ygor Stravinsky, Arnold Schönberg, John Cage, Michael Nyman, etecetera, etecetera.

Os especialistas não o consideram  um músico revolucionário, na medida em que a sua música não provoca um movimento de fractura com o passado, inaugurando formas musicais novas, mas afirmam a sua grandeza na complexidade, amplitude e profundidade que confere às convenções musicais que chegaram até ele, sobrepondo-se a todos os contemporâneos.

Aqui o Leopardo, que não se presume de forma nenhuma de especialista, que se auto-avalia como um mero amador, julga a música de Amadeus Mozart inegável numa leveza aparente, numa simplicidade divina, numa alegria sem limites. Mesmo pondo entre aspas a genialidade da criatura, a mim sempre me dá a impressão que seriam necessárias três vidas de um homem superior para viver a vida de Wolfgang Amadeus Mozart.



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Amplexos momentaneamente tranquilizados,

sempre confiantes,

do Leopardo