Reflexões do Leopardo

Reflexões do Leopardo
Reflexões do Leopardo

sábado, 24 de dezembro de 2016

"Les Noces"

Caros Amigos e Camaradas,

Quero encerrar por tempo indeterminado o meu blogue para me dedicar a trabalhos meus de ficção que considero prioritários agora que já dobrei várias vezes o Cabo Bojador dos dezoito anos e que não faço a mínima ideia do tempo útil que me resta de vida (facto que todos desconhecemos).
Não o quero encerrar, porém, sem agradecer a todos aqueles que me enviaram palavras amigas de apoio: Manuel Diogo, insigne declamador, leitor infatigável do meu blogue, sempre a endereçar-me reforços de motivação; Tavares Marques, poeta, encenador e actor, que brindou o blogue com um dos seus belíssimos poemas; José Oliveira, editor progressista, militante da causa palestina, que lamenta o fecho do blogue e aguarda a sua reabertura; Domingos Lobo, um dos mais notáveis escritores portugueses contemporâneos, homem de teatro (escritor, encenador, actor, declamador) que me tem incentivado a continuar na frente das letras; Colaço Barreiros, tradutor - galardoado pelo Estado Italiano - de italiano-português, português-italiano, inter-dialectos italianos, poeta, que escreveu comigo, a duas mãos, mini-peças que foram representadas por um efémero grupo teatral "Boinas & Cartolas", grupo teatral que deverá ser ressuscitado ; João Monge, letrista notável, de expressões lapidares mais explosivas do que cargas de trotil, que me promoveu súbita e demasiado generosamente ao galarim dos poetas; aos camaradas Rui Alves, músico, Rui Silva e Rogério das Seguranças, Fernando Silvestre, escritor, que gostam de mim e me apoiam porque sim; ao artista gráfico, desenhador, pintor, Luís Rodrigues, com o qual elaborei uma banda desenhada (ele, os bonecos; eu, o texto), banda que infernizou durante uns tempos a autocracia do estupor do psd Telmo Correia, no concelho de Óbidos; ao Peixoto, director e encenador do Teatro dos Aloés - onde faísca a Sofia de Portugal, uma das maiores actrizes do teatro português actual - , Peixoto com o qual venho debatendo há anos o que é teatro e o que é a venenosa indústria do entretenimento; aos camaradas Carlos Carvalhas, Rui Rosa,  Rui Fernandes que afirmam a inteligência e o interesse dos meus escritos; ao camarada Joaquim Judas que me abriu o postigo de uma possível publicação de uma das minhas obras; à amiga Luísa Lourenço, ao maestro Giovanni Andreoli - do Teatro de São Carlos -  à farmacêutica Joana Bispo que gostam de ler o blogue; a Marcello Sacco, crítico de Ópera e meu professor de italiano, com quem tanto discuti Verdí e Wagner, que tem acompanhado regularmente as edições do blogue; aos meus mestres de pintura e desenho Jaime Silva e Gonçalo Ruivo que me vão alimentando o ego afirmando que poderei vir a desenhar/pintar se laborar mais uma década com o afinco que nunca usei; à minha colega Luísa Caprichoso que certas feitas gosta do blogue quando não carrego demais no pedal da militância; à Federica Fiasca e ao João Farraia que trabalham no TMJB  , em Almada, e que gostam do blogue vá-se lá saber porquê; aos meus camaradas Filipe Diniz, Filipe Carvalho, João Bernardino e Miguel Soares que vão acompanhando as edições do blogue e as vão apoiando porque faz parte do pacote da sua militância; à minha camarada Margarida Vicente que joga comigo um jogo de golpe de vista e rapidez, enfiando-me de quando em quando umas cabazadas exemplares; ao meu amigo e camarada Fernando Seixas, tenor lírico, que já cantou com a Maria Callas ( ele no Coro; ela no proscénio), Seixas que, nos seus eternos cinquenta anos e olhos garços, continua a encantar as donzelas do Porto com dois CD's editados à sua custa onde canta "os teus olhos castanhos de encantos tamanhos".   

Agradeço ainda mais aos que nunca leram o meu blogue, apesar de os ter convidado pessoalmente, pois se tivesse dado atenção ao ensurdecedor silêncio deles, há muito me teria reformado da minha carreira de bloguista e me teria empenhado em empresas ficcionais de meu maior comprazimento.

Decerto observaram que esta edição final, de contumélias, do blogue  vai sob o lema de "Les Noces", obra maior ( se é que as tem menores ) do grande compositor, pianista e maestro russo Ígor Fiódorovitch Stravinsky, o qual embora afastado, por vontade própria, da URSS durante meio século ( Nikita Krutschev convidou-o pessoalmente a regressar ) tão bem interpretou a alma russa.
Sabem que "Les Noces" interpreta musicalmente um matrimónio ortodoxo russo, música na qual soa o alegre guizalhar dos sinos dos possantes cavalos russos, da chilreada dos pássaros, do chiar dos trenós no gelo, da alegria dos noivos. Ora, o Natal e Ano Novo expressam, em espírito - não mais que em espírito ... - um desejo de harmonia, de matrimónio universal.

Assim, pois, me despeço sob a auréola de "Les Noces".

Hasta siempre

Leopardo 

                                     Resultado de imagem para fotos ou imagens da obra de Stravinsky "Les Noces"


terça-feira, 20 de dezembro de 2016

O longo regresso a Casa

Comecei esta edição do meu blogue para Vos recontar uma série de assuntos de acordo com uma ementa habitual: o que está na ordem política dos últimos dias, entrelaçado com uma série de opiniões sobre filmes, peças de teatro, óperas, obras literárias.
Na verdade, nada que os meus visionadores fiéis não tenham já algum conhecimento prévio, ou que façam outra coisa que sacudir a poeira de obras caídas no olvido.

Assim, iria falar-lhes do actual presidente da República da Turquia, país que sob a liderança autocrática do senhor Recep Erdogan retrocedeu largamente umas décadas democráticas para trás, abandonando todas as conquistas progressistas do kemalismo - nomeadamente na emancipação das mulheres -, cujo Erdogan, a propósito de uns atentados terroristas e , agora, por mor do assassínio do embaixador russo na Turquia, não hesitou em atribuí-los aos Curdos, em particular ao PKK, mesmo sem esperar pela conclusão do inquérito policial e mesmo depois de se saber que o embaixador russo foi assassinado por um polícia da segurança especial turca.

Os "mírdia" também não hesitaram em palrar que a população ficou dividida com estas posturas do senhor Erdogan, apesar de se saber que os Curdos reclamam uma população de 25 milhões, distribuída desde o longínquo Afeganistão, passando pelo Médio Oriente (nomeadamente Iraque e Irão), até à Turquia propriamente dita (onde, no praticó-concretamente eram impedidos de falar ou cantar em curdo)
Porém, a Turquia, o que resta do antigo Império Otomano, ocupa toda a Península da Anatólia, com uma área (783.562 km2) sensivelmente superior à da Península Ibérica, França e Alemanha todas juntas, uma população superior a 75 milhões e meio, fronteiras com 7 países - Grécia, Bulgária, Geórgia, Arménia, Azerbeijão, Iraque e Síria - , saída para os mares Mediterrâneo, Egeu e Negro, e portantos, consequentemente, capacidade para cortar a saída do gás e do petróleo russo para o "Ocidente" e para a Síria
Neste contexto, a displicência ( pontuada por umas reservasitas de bom tom ) com que a NATO e os EUA aceitam a cumplicidade da Turquia de Erdogan ficam claras...

Nos entretantos sucedeu-me ir ver o filme que recebe o nome de "O longo regresso a casa" - na tradução inglesa intitula-se "Lion"- candidato a um Óscar, que sintetiza a estória real de um menino indiano que se perde da família, afasta de casa 1.600 km, e só volta a encontrar a sua aldeia, a mãe e uma irmã, 25 anos depois.
É uma obra que não se deve perder, pois é um "capolavoro", amassado em sensibilidade, em inteligência, em belíssimo ritmo e caligrafia fílmica, que demonstra que a miséria não se escreve com as mesmas letras na Europa, nos "States" ou nas Áfricas, nos vários Orientes, nas Índias.
Áfricas e Índias onde um resto de maçã, de yogurte representa uma refeição diária, onde uns calções, uma camisola interior é vestuário para diversos anos, uma caixa de cartão, uma cama que se defende como mobília.
A estória real é fácil de recontar: um miúdo de 5 anos ( Saroo ) perde-se do irmão mai velho, ( Guduu ), talvez de 12 anos, com o qual costuma roubar carvão dos combóios para sustentarem a família, distancia-se da sua pequena aldeia, onde só se fala "indi", viaja num comboio fechado e sem paragens até Calcutá, onde só se fala "bengali", onde ninguém se interessa pela criança a não ser para a fazer entrar no mercado da prostituição infantil.
Ao Saroo  sai-lhe a taluda: é adoptado por um casal australiano, vive na Tâsmania, consegue uma carreira de sucesso graças a uma inteligência de sobredotado, arranja uma namorada de origem britânica, até tomar consciência que a sua mãe adoptiva não coincide com a sua mãe genética. Aliás, Guduu , o irmão mais velho, é atropelado e morto por um autocarro na própria noite em que se perdem um do outro, sem que isso dê origem a qualquer inquérito. 
No final do filme e na vida real Saroo , depois de anos de porfiados esforços com os mapas do Google, consegue resolver a obsessão que se tornou tornar a encontrar a mãe genética e a irmã, juntá-las com os excelentes pais adoptivos que lhe calhou em sorte e a película termina num "happy end" .

Para além da lição que recebi da obra de que os "capolavori" só emergem de experiências de vida sofridas com o coração, a mente e todos os poros do corpo, compreendi de imediato que o que Lhes tenho andado a servir nos meus blogues são pouco mais que nada, "nulla di nulla", simples exercícios de estilo escrito que alguns excelentes Amigos e Camaradas lhes deu na bolha apreciar.
Todavia, como escreveu um tal Vladimir Ilych Ulyanov (de sua graça, Volodia, quando petiz), "só a verdade é revolucionária" e, agora, pelos santos natais, eu, um vero leopardo dos hermínios, não poderia oferecer-Lhes menos do que isso ou o que julgo que é a verdade.
Portantos, as edições do meu blogue finam-se hoje, aqui,  e só, eventualmente, as ressuscitarei para Os tentar impelir a participar num assalto aos "palácios de inverno". 

Até lá, verei se sou capaz de redigir os "Meus Memoriais do Convento", os meus "Cús de Judas", os meus "Maias".
Agradeço aos que nunca visitaram as edições do meu blogue e que nunca me alimentaram a ilusão de que andava a teclar algo que merecesse a pena. Mesmo os "Romeus e Julietas" só adquiriram a dimensão que adquiriram por se saberem desgraçados. Após ter dobrado várias voltas o Cabo das Tormentas dos dezoito anos, compreendemos que a única riqueza que podemos gerir parcialmente é o tempo presente. Talvez, todos Nós devamos a nós próprios, em dado momento, "um longo regresso a Casa".   

"Hasta siempre Comandante", acima, acima, gajeiro, acima ao mastro real, já vejo terras de Hespanha, areias de Portugal !...  

Pensava acertar umas contas com o senhorito B.de.C., porém talvez o Sporting Clube de Braga o tenha feito por mim, devolvendo-nos o honrado Sporting Clube de Portugal, ao qual o desporto e a cultura nacional tanto devem. As eleições para a Presidência do SCP no-lo dirão em 2017.  



Resultado de imagem para fotos ou cartazes do filme "Lion"      Resultado de imagem para fotos ou cartazes do filme "Lion"

                                   Resultado de imagem para fotos do filme "Lion"


Saudações fraternas do

Leopardo

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Os Tartarin de Tarascon

Escolhi para cabeça desta nova edição do meu blogue a ambivalente personagem Tartarin de Tarascon do inventivo, irónico, amável escritor francês Alphonse Daudet.

Se procurarem na Wikipédia, ficarão a saber que Daudet nasceu em Nîmes, no Languedoc, a 12 de Maio de 1840 e morreu em Paris, a 17 de Dezembro de 1897 (com 57 anos), vítima de uma ataxia (degeneração ou bloqueio de áreas específicas do cérebro e do cerebelo) que muito o fez sofrer nos últimos quinze anos da sua vida.
A Wikipédia também lhes relatará que era filho de um fabricante de tecidos e comerciante, cuja falência empurrou o jovem Alphonse, aos 17 anos,  para o trabalho de vigilante num colégio. Um irmão mais velho, o historiador e escritor Ernest Louis Marie Daudet, levou-o para Paris um ano após, ajudando-o a iniciar uma vida literária, apresentando-o a Goncourt e Emile Zola, dos quais se tornou íntimo.
Ao todo publicou dezassete obras - romances, livros de contos, poemas, dramas - , alcançando o sucesso com "Lettres de Mon Moulin" (1869) e "Tartarin de Tarascon" (1872). No teatro só teve êxito com "L'Arlésienne" (1872).
A ataxia levou-o a viajar para a Argélia, onde se inspirou para criar a personagem do "Tartarin"
A Wikipédia igualmente lhes dirá que Daudet escreveu num estilo "naturalista", na língua provençal ou languedoc, idioma do sul do Loire, entre os Alpes e os Pirinéus.
E que Alphonse Daudet, se encontra sepultado no Cemitério do Père-Lachaise, em Paris, honra que não é atribuída a qualquer gato sapato.
O que não encontrarão na Wikipédia é que Alphonse Daudet foi um simpatizante das ideias socialistas, dos tempos em que os socialistas acreditavam sinceramente no Socialismo e não o escondiam no fundo das gavetas. Enfim, mistérios wikipedianos...
Mas, foram estas concepções sinceramente socialistas que levaram o meu Pai a apaixonar-se por Daudet e a atrair-me a atenção para ele. Meu Pai que, aos 70 anos, deu mais um pequeno passo, aderindo ao marxismo-leninismo, então por conversas continuadas com o filho palrador. Meandrosos são os trilhos da História a nível universal e pessoal... 

Em tempos mui idos já tinha tido a sorte de ler as "Lettres...". Recentemente tive a fortuna de comprar o "Tartarin de Tarascon", numa edição francesa da Flammarion, de 1969, pela pechincha de 1 euro e meio.
Lamento imenso não ser capaz de Vos enviar ( as minhas débeis técnicas computorísticas não dão para tanto)a bela imagem de Tartarin que ilustra a capa do libvro - da artista Françoise Boudignon . E lamento, pois, a imagem figura um Tartarin truculento, entre o grosso e o barrigudo, membrudo (provido de "músculos-duplos" vestido à turca, fez no toutiço, um olho fechado, o outro olho visando um alvo imaginário, bochechas rubicundas, sentado, tendo por cenário nas costas, e no imaginário, uma panóplia de armas onde é possível descortinar cimitarras diversas, punhais vários, krisses malaios, flechas, tomawkes, escopetas diferentes.

 A imagem induz-nos vinte porcento da obra, dado que o Tartarin de Tarascon é um personagem onde convivem duas almas - uma de Don Quixote (o "ingenioso fidalgo de la Mancha) e outra de Sancho Pança - , personagem na qual acaba sempre por triunfar o acomodatício Sancho sobre o intrépido aventureiro Quixote.
Gostaria bastante de Vos traduzir as descrições da casa provinciana de Tartarin, com um embondeiro no jardim da frente à laia de bandeira, dos seus serões a cantar com os amigos, mas , para além das minhas deficiências como tradutor - não melhores que o francês do "monamiterain" -, esta edição do blogue tornar-se-ia interminável, por ventura  maior que a obra de Daudet. Devereis mesmo ler o livro ("é incontornável" como soe palavrar-se hodiernamente).

Não resisto, contudo, a tentar fazer entrar em cena o saboroso pedaço de prosa (pictural, teatral, de ópera buffa?...) no qual Daudet nos descreve Tartarin a visitar um mini-circo que ganha direito ao seu bife exibindo um pequeno grupo de feras em cativeiro. 
"Todos esses intrépidos Tarasconeses, que se passeavam muito tranquilamente defronte das jaulas, sem armas, sem receios, sem mesmo qualquer ideia de perigo, tiveram um movimento de terror bastante natural ao ver o seu grande Tartarin entrar no pavilhão com o seu formidável engenho de guerra (uma espingarda com baioneta). Havia, então, qualquer coisa a temer, pois que ele, este herói... Num abrir e fechar de olhos a parte da frente das jaulas pareceu desprotegida. As crianças gritavam de medo, as senhoras olhavam para a porta. O farmacêutico Bézuquet esgueirou-se, dizendo que ia procurar a sua espingarda (que ele sabia estar nas mãos de Tartarin)...
Entretanto, pouco a pouco, a atitude de Tartarin tranquilizou as coragens. Calmo, a cabeça erguida, o intrépido Tarasconês deu lentamente a volta ao pavilhão, passou sem parar defronte da banheira da foca, lançou um olhar desdenhoso para a longa caixa cheia de som onde a gibóia digeria a sua galinha crua, e veio por fim plantar-se defronte da jaula do leão...
Terrível e solene entre-visão ! O leão de Tarascon e o leão do Atlas em face um do outro... De um lado, Tartarin, em pé, os jarretes tensos, os dois braços apoiados sobre o fusil; do outro, o leão, um leão gigantesco, espojado na palha, olho pestanejante, ar embrutecido, com o enorme focinho de peruca pousado sobre as patas dianteiras... Ambos calmos a olhar-se.
Coisa singular ! quer porque o fusil com baioneta o tenha irritado, quer porque tenha farejado um inimigo da sua raça, o leão, que até ali tinha olhado os Tarasconeses com um ar de soberano desprezo, bocejando para todos, o leão teve imediatamente um movimento de cólera. Primeiro fungou, rosnou surdamente, afastou as garras, esticou as patas; depois levantou-se, ergueu a cabeça, sacudiu a juba, abriu uma guela imensa e atirou um rugido formidável em direcção a Tartarin.
Respondeu-lhe um grito de terror. Tarascon, enlouquecida, precipitou-sue para as portas. Todos, mulheres, crianças, moços de fretes, o valente comandante Bravida, ele mesmo... Só Tartarin de Tarascon não se mexeu... Ficou ali, firme e resoluto, em frente da jaula, com clarões nos olhos e aquele trejeito de desdém nos beiços que toda a cidade conhecia...
Ao fim de um momento, quando os caçadores de gambozinos, um pouco tranquilizados pela sua atitude e pela solidez  das grades, se aproximaram do seu líder, ouviram-no murmurar enquanto olhava o leão: "Isto, sim, isto é uma caça.""

Estareis a questionar-Vos porque fui eu resgatar à poeira das prateleiras literárias esta pérola da literatura gaulesa.
A razão é simples (ou complexa, pois os ocorreres nos neurónios individuais nunca se revelam "simplex"): os meus sobre-aquecidos neurónios associam as personagens Tartarin e Donald Trump. Indagareis ainda, por ventura mais perplexos: como é possível assemelhar duas personalidades tão distintas, de um lado, um inofensivo Tartarin, excessivo apenas na vaidade, do outro Trump, que é o porta-bandeira de uma terceira guerra mundial.
Associo-os pelo lado do truão. Trump nunca passaria de um palhaço de feira, com um vezo machista, não fora o Grande Capital cowboy que o dirige e impulsiona.

A Administração Trump (aliás, ainda não empossada oficialmente) ameaça a China , tentando imiscuir-se na política interna desta, ensaiando deteriorar as relações entre a China Popular e Taiwan, o que, no caso de vir a ser bem sucedida, facilitaria o acesso à Marinha de Guerra dos EUA aos Mares do Sul da China. Tudo isto vai acontecendo perante o alerta da República Popular Chinesa para a perigosidade de tal postura trumpesca ou trampesca.

E das trampas do Trump executo um salto, aparentemente sem nexo, para o filme "Sozinhos em Berlim". Inspirado em acontecimentos reais, o filme narra-nos a história passada durante a segunda guerra mundial, na qual um casal operário, inicialmente apoiante dos hitlerianos, perde um filho na frente Leste. O homem, capataz com uma certa importância numa grande fábrica, considera que o Estado nacional-socialista não prestou honras mínimas à memória do filho e decide encetar uma luta pessoal, denunciando a guerra desumana e anti-patriótica do hitlerianos. A mulher acompanha-o na dor e na actividade de denuncia: vão distribuindo postais em redor dos quartéis-generais da Wehrmacht e da Gestapo, em Berlim.
Os cerca de 287 postais que distribuíram entre 1940 e 1943 constituíram um pesadelo para os quartéis-generais. O casal acabará linchado na guilhotina, mas Otto Quangel, o capataz compreendeu e deu a compreender à companheira, que foi essa luta pessoal que lhes restituiu a dignidade e até o amor sensual entretanto degradado.
Curiosamente o filme é realizado por Vincent Peres e superiormente interpretado por actores ingleses, onde avultam Emma Thompson, Brendan Gloeson, Daniel Brühl.

E, já agora, este filme constitui uma resposta para a peça "Noite da Liberdade", encenada em Almada, no TMJB , na qual se coloca a questão "com quem se faz uma revolução", num debate decerto sério, embora numa perspectiva a tender para o pessimismo. Pois, o filme "Sozinhos em Berlim" responde: é o capitalismo que forja involuntariamente quem resiste à sua brutalidade, à sua desumanidade sem limites ou fronteiras; é do seu ventre que saem os militantes teóricos e práticos de uma nova sociedade onde "os amanhãs podem cantar".

Por hoje fico-me por aqui. Sublinho apenas que no dia em que o norueguês Roald Amudsen atingiu o Polo Antártico com mais três companheiros (14 de Dezembro de 1911), tendo sobrevivido todos - segundo Amudsen, porque souberam manter uma moral elevada e o bom humor - as rádios e televisões nacionais transmitiram todo o santo dia jogos de futebolês das 15 às 21 horas. Espantástico !!! De facto, se Lénine fosse vivo corrigiria a sua famosa fórmula "a religião é o ópio do Povo", substituindo a religião pelo futebolês.

A conselho de um grande declamador, militante activo e grande amigo, Manuel Diogo de sua graça, avisado há mais de um século pelo enorme romancista e humorista Mark Twain , deixarei para próximas núpcias uns acertos de contas finais com o senhor B.de.C. , actualmente presidente do Sporting Clube de Portugal, clube honrado, ao qual o desporto e a cultura nacional tanto devem. 

   
Resultado de imagem para fotos de Alphonse Daudet Resultado de imagem para fotos de Alphonse Daudet Resultado de imagem para fotos de Alphonse Daudet                                                                             Resultado de imagem para cartazes do filme "Sozinhos em Berlim" 


Saudações confiantes

do Leopardo

domingo, 4 de dezembro de 2016

O XX Congresso do PCP

I - É difícil escrever uma síntese concisa e exacta do XX Congresso do PCP, pois a sua face unicamente focada pelos "mírdia" é a sua fase final, realizada no Pavilhão Municipal de Almada, que culmina um trabalho iniciado há mais de um ano por todo o País - trabalho muito dele público e quase sempre aberto aos órgãos de comunicação - , labor democrático colectivo que é o seu suporte, cuja finalização em Almada aparece um pouco como a ponta mais visível de um imenso iceberg de esperança, confiança e luta.

Destacarei os nós que julgo cruciais e que contrariam a imagem transmitida pelos "mírdia" de um PCP em definhamento progressivo:
a) os milhares de pessoas presentes - que transbordavam do Pavilhão apesar da chuva: delegados ao XX Congresso, militantes com e sem convite, convidados nacionais e estrangeiros, entre os quais numerosas delegações estrangeiras de alto nível. Os próprios "mírdia" confessaram, no encerramento do XX Congressso , que o enorme pavilhão transbordava pelas costuras, não cabia mais uma palha, e que aquele era de facto um Partido diferente, pois, apesar do mar de gente que se ia encaminhando para as saídas "à passo de caracol", tudo se processava num clima ordeiro de tranquilidade.
Ironizando, apeteceria dizer que se estes milhares significam um PCP a definhar, quantos pavilhões seriam necessários para um Partido em crescimento...

b) a riqueza das intervenções chegadas à tribuna - optimamente ou menos optimamente pronunciadas - porém, todas, todas, ricas no seu conteúdo, revelando grandes êxitos, pequenas conquistas, ou que revelam, tão somente, a agrura do que foi feito.

c) A solidariedade, clara , insofismável, do PCP com a Cuba de liderança personificada em Fidel, que nos lava o ânimo do massacre, constante e diário, que os "mírdia"concedem à Revolução Cubana o que seria ridículo não conceder - as conquistas cubanas nas áreas da habitação, da saúde, da alimentação, da educação, do bem estar social, do desenvolvimento económico, das descobertas científicas, da solidariedade internacional em esferas variadas - , reconhecimento, contudo, a troco do carimbo infamante e falso de que a Cuba Revolucionária é uma ditadura, ditadura tangida aos dlins-dlons do culto da personalidade.
É espantástico que homens dos meios da Comunicação Social, outrora com ópticas ideológicas diferentes das nossas mas pautadas por um certo rigor, hodiernamente alinhem no coro monocórdico da "his master voice" cowboy (como, por exemplo, o monárquico João Gobern, defensor mediático das cores benfiquistas). Esquecem que o respeito é custoso de ganhar e fácil de perder.

d) O discurso de encerramento do secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, a reafirmar o compromisso de sempre do Partido com o presente e o futuro dos trabalhadores e de todo o Povo português, com a solidariedade internacional com todos os Povos do mundo, com a renegociação da dívida pública, com a subida do salário mínimo nacional para 600 euros já em Janeiro de 2017, com o estabelecimento de condições para a saída desta Europa dos patrões, com uma política internacional de Paz e luta contra a guerra.
Palavras de esperança, de confiança, de libertação do Homem da exploração, que, até ao presente, sempre foram companheiras de posturas e lutas soldadas com elas.

II - Aparentemente em sentido inverso, julgo que faz sentido referir a nova peça de teatro do TMJB, em Almada.
"Noite da liberdade", texto de Ödön von Horváth - "um dos mais importantes dramaturgos de língua alemã da primeira metade do século XX, nascido no Império Austro-Húngaro" - ,encenado  por Rodrigo Francisco, a pretexto da República de Weimar e da sua interpretação pelos socialistas locais, coloca a questão extremamente actual, nestes tempos de Trumpetismo e de implementação de uma terceira guerra mundial generalizada - à qual é feita uma referência explícita e muito bem imaginada -, de com quem se pode fazer a defesa da Democracia.

O texto e a peça em palco não hesitam perante a mostração de situações provocantes que reflectem as tergiversações e míopias das classes médias face às invectivas neonazis, tergiversações e míopias que sossobram pela sua cobardia.
As interpretações, ainda a precisar de alguns afinamentos, acertos de ritmos, registaram logo na estreia de excelentes actuações por parte de Marques D'Arede, Maria Frade, Guilherme Faria, Maria João Falcão, João Farraia, Pedro Walter, Io Appolloni.

Em síntese, o Teatro Municipal Joaquim Benite, em Almada, tem em cena uma grande peça de teatro - atravessada por momentos de bailado e dança de uma comicidade irresistível -, cujo senão poderá ser levantado pela ausência do mínimo aceno de saída progressista. Porém, uma peça teatral não é um programa político. Se colocar adequamente questões cruciais, cumpriu exemplarmente o seu papel.


Resultado de imagem para fotos do XX Congresso do PCP Resultado de imagem para fotos do XX Congresso do PCP Resultado de imagem para fotos da peça de teatro "Noite da Liberdade"
Resultado de imagem para fotos da peça de teatro "Noite da Liberdade"