Reflexões do Leopardo

Reflexões do Leopardo
Reflexões do Leopardo

quinta-feira, 23 de junho de 2016

A melancolia da inteligência ou a incomensurável alegria da inteligência?...

Um ensaísta muito na moda, George Steiner, lançou recentemente a tese de que "a inteligência é melancólica" - e está a referir-se à inteligência humana, a única, segunda ele, digna desse nome - porque é a única, sempre segundo Steiner, que tem consciência da sua "finitude", ou seja, é a única que está consciente que, apesar da riqueza das suas construções teóricas e artísticas, está condenada a morrer, o que lhe confere uma tristeza inultrapassável.

Mais uma vez estamos perante a glosa de uma tese do filósofo alemão Martin Heidegger que defendeu a tese de que é a Morte que dá sentido à Vida (já falei sobre Heidegger em blogues anteriores). 
É uma tese sem pernas para andar dado que do "Nada" nada sai, só a Vida cria sentidos para si mesma, incluindo para o seu termo individual, a morte.

É evidente que é legítimo interrogarmo-nos de onde vem o sucesso desta tese e de Heidegger. O seu sucesso tem raízes em terrenos diversos.
Por um lado, Heidegger foi professor catedrático e reitor de uma Universidade alemã sob o beneplácito dos hitlerianos e do seu ministro para a cultura - em particular, convinha-lhes a tese de que língua da filosofia seria o alemão - (nódoa que os heideggarianos têm tentado diluir, mas aquilo só desapareceria regando os  factos com petróleo e chegando-lhe fogo).

Por outro lado, as teses heideggarianas derivam da corrente filosófica fenomenológica, parturiada por Edmond Husserl, corrente metafísica, anti-marxista e anti-científica, mas corrente com algumas análises interessantes, que não devem ser descartadas sem reflexão. Fenomenologia da qual deriva, por exemplo, a fenomenologia da linguagem, onde emerge Wittgenstein (com reflexões interessantes e complexas, difíceis de compreender, na qual o ex-governante Sócrates assevera que se tornou um especialista depois de um estágio de 9 meses na Sorbonne, Paris, de onde voltou com um diploma do curso e mais umas mil experiências cruciais para o Universo, nas quais também se envolveu; enfim, mistérios reservados aos grandes do mundo...).

Nas terras francesas Heidegger encontrou um discípulo entusiasmado na pessoa de Jean-Paul Sartre, glória das letras francesas - filosofia, ensaio, romance, teatro - célere a abraçar as modas mais recentes e radicais no medo de deixar da sua pessoa uma imagem envelhecida (como, por exemplo, a sua presença nas barricadas do Maio de 68, junto dos jovens estudantes, onde só faltava a classe operária francesa, nas mui projectadas e enaltecidas imagens dos "mírdia" da época, que foi barriga de aluguer de muito radicalismo verbal de fachada socialista, incluindo portugueses ). Na verdade, a obra filosófica central de Sartre, "L'Être et le Neant" (" O Ser e o Nada" ) é uma paráfrase do " Sein und Zeit" (" Ser e Tempo") de Heidegger .
Não vou sequer entrar nas facadas nas costas que os fenomenologistas da primeira e segunda geração deram uns nos outros com Husserl a afirmar que a essência da fenomenologia só ele e Heidegger a tinham penetrado, Heidegger a esfaquear o mestre após o seu desaparecimento de cena, Wittgenstein a não permitir que ninguém o tuteasse e Steiner, herdeiro de todos, a desacreditar os "antenati" aqui e ali, agora e logo. 

Ora, retornando a George Steiner - que os apologistas classificam como um polemista incontornável, que abre vias ao pensamento com as suas teses paradoxais; ou que os críticos severos (nos quais me incluo) desenham como um pretensioso inventor de neologismos e "distinguos" "inexacto e complacente". Eu defino-o com um "jongleur" de temas e paradoxos já reelaborados por centenas de pensadores bem mais sérios e profundos. No fundo, um artista do circo intelectual tendente ao "divertissement" e à mixórdia conceptual conveniente à classe dominante do Grande Capital.

O que tenho a contrapor de imediato a Steiner - sem negar que possam existir artistas "melancólicos" como, por exemplo, o polaco Chopino, que ao emigrar de vez para França afrancesou o seu nome para Chopin, e a sua música me arrasta sempre imagens de lágrimas a escorrer pelas vidraças de uma janela (lembrar-lhe-iam imagens da pátria abandonada?, das planuras ensopadas pela chuva e pela neve?, de um amor pelo qual não lutou?...) - é se as Sinfonias de Beethoven (já semi-surdo) explodem de uma tremenda alegria pela Vida ou de uma melancoliazinha de fim de semana?!!
E o mesmo poderia repetir para o enamoramento homossexual de Caravaggio por adolescentes, expresso nas suas telas, influênciadas pela "objectividade" flamenca (Caravaggio terrível duelista com várias mortes às costas, apaixonado pelo jogo a dinheiro, a fugir de um país para outro a fim de não ser preso e enforcado); ou o monolito Cervantes a representar as duas metades do ser humano nas personagens do ascético e idealista Don Quixote e do seu gordo, medroso e prático escudeiro Sancho Pança.
Ou do profissional de contabilidade Paul Gaugin, que a meio da vida abandona mulher e filhos, se instala nas ilhas de Hawai para inventar uma felicidade brotada da Natureza, não tocada pela civilização humana, transformando a representação do espaço pictórico e do uso das cores; ou de Van Gogh, ou de Goya, ou de Velazquez, ou de Lorca, ou de Frida Khalo, ou de Jean Sebastian Bach, ou de Jean-Jacques Rousseau a escrever "O Contrato Social" ou essas espantosas "Confissões".
Ou de Igor Stravinski, de monóculo, colarinhos de goma e polainitos, a compor o "Pássaro de Fogo" e "Les Noces"; ou de Dmitri Shostakovich, subordinando o seu génio criador ao poder dos Sovietes e ao nascimento de uma Sociedade Nova sem exploradores nem explorados, a compor a Sinfonia nº 7 , conhecida por "Leninegrado" símbolo da resistência do Povo Russo ao invasor estrangeiro, nomeadamente o nazismo hitleriano ?
Ou de Italo Calvino, génio da literatura italiana - romancista, poeta,ensaísta, crítico literário, linguísta - autor desse espantoso romance "Il sentiero dei nidi di ragno", onde nos narra a resistência italiana ao fascismo e ao nazismo, em toda a sua crueza, através dos sentimentos de um garoto cuja irmã se prostitui com quem lhe pagar? Ou de Dante Alighieri, não só da "Divina Commedia", mas de toda a sua obra? Ou de Pier Paolo Pasolini, mais conhecido como realizador cinematográfico e actor, ficando na sombra a sua enorme estatura como poeta, linguísta, ensaísta, crítico literário? Ou de Antonio Gramsci, teórico heterodoxo do marxismo para o qual contribuiu pelo menos com o conceito de líderes sócio-profissionais, conceito, entretanto, adoptado pelo marxismo-leninismo na teoria ou na prática (até a Direita o utiliza, naturalmente a seu favor)? Ou de Verdi, de tal forma gigantesco que não é possível pensar em Ópera sem pensar numa das suas 29 Óperas - a "Aida", "Il Trovatore", "La Traviata", "Simon Boccanegra" é impossível que mesmo os que não se interessam por Ópera não tenham já ouvido extractos, ainda que não estejam conscientes disso.
Ou de Fernando Lopes-Graça, mestre do contraponto, autor daquilo que denominou modestamente de "harmonizações", que mais não são que criações a partir de músicas populares portuguesas com base no trabalho ou em festas religiosas, evidenciando a sua beleza telúrica e defendendo, a contra-corrente, que a língua portuguesa é "cantabile". Lopes-Graça que escreveu 14 livros, num português exemplar, livros de pedagogia musical, que enxameiam de teses sobre a música e sobre as relações entre a música, a sociedade, a cultura, a política. Dele guardo a máxima que me recorda com frequência de que "a cultura não é uma flor que se
usa na lapela".
Ou de Michael Giacometti, etnomusicólogo corso, que se apaixonou por Portugal, onde viveu 31 anos, até à sua morte em Faro, e que, em colaboração com Lopes-Graça, de gravador às costas, desenvolveu um projecto inédito, recolhendo o cancioneiro popular nacional, depois editado sob o nome de "Antologia da Música Regional Potuguesa"
Ou de Amadeu de Sousa Cardoso, pintor nascido para os lados de Amarante, de família abastada, que, após um estágio em Paris, ajudou a introduzir em Portugal a modernidade pictórica, desenvolvendo-a.
Ou de Almada Negreiros- também autor de peças de teatro - com painéis espalhados por toda a Lisboa, desde as diversas Faculdades ao Cais de Alcântara. Ou do mestre dos seis painéis denominados de São Vicente, uma das jóias da coroa do Museu Nacional de Arte Antiga, também conhecido por Museu das Janelas Verdes, à Lapa, atribuídos a Nuno Gonçalves que celebram a expansão portuguesa para o Magrebe, no século XV, onde, num estilo seco e realista, está representada toda a sociedade portuguesa da época - família real, nobreza, clero e até mesmo o povo. Ou do grande ceramista Querubim Lapa, cujas obras estão presentes em sítios tão diversos como na Reitoria da Universidade de Lisboa, em estações de Metro de Lisboa, na pastelaria Mexicana (porventura o valor maior que a pastelaria possui em "royalties"), no Hotel Ritz, no Casino Estoril, no Banco de Portugal, na Biblioteca Municipal José Saramago, em Almada. Ou de Maria Helena Vieira da Silva e do marido e pintor Árpad Szenes. Ou de Joly Braga Santos, ou de Alexandre Delgado, ou de Emmanuel Nunes,  ou de António Ramos Rosa, ou de Manuel Gusmão, ou de Siza Vieira, ou de Eduardo Viana, ou de Columbano ou de Rafael Bordalo Pinheiro, ou, ou, ou... Eu poderia continuar assim durante horas até derreter as teclas do computador e a pachorra.     
     
Inteligênciazinhas melancólicas de fim de semana, contaminadas pelo murmúrio dos ciprestes e a cal voraz dos túmulos??... Oh senhor Steiner, as suas "inteligências melancólicas" não passam de um molhinho de flores murchas, boas para despejar em qualquer caixote de lixo mais perto...   

Convém, no entanto, dar uma vista de olhos no currículo público de Francis George Steiner, nascido de a 23.Abril.1929 (logo, hoje, com 87 anos), na cidade de Paris, em França. Filho de família abastada - o pai era um advogado superior no Banco Central da Áustria, a mãe uma grande dama da sociedade vienense - a família, de ascendência judaica, fogem atempadamente para Paris, exactamente um dia antes das tropas hitlerianas ocuparem a Áustria (o tão debatido "Anschluss"), tão atempadamente que todos os descendentes ou supostos descendentes de judeus acabaram em campos de concentração e apenas um amigo de George sobreviveu.

Este facto, marcou decisivamente a experiência emocional de George Steiner, que sempre se referirá ao Holocausto como um massacre dirigido contra os judeus, reduzindo-lhe a dimensão, deixando de fora milhões de franceses, polacos, checos, bielorussos, ucranianos, russos, comunistas que foram dizimados (mais exactamente 22 milhões de pessoas e pelo menos o triplo de feridos severamente, parte dos quais vieram a morrer posteriormente) e que excedem em muito os 6 milhões de judeus massacrados (é evidente que todos estes números de vítimas são estimados, pedindo eu desculpa aos Povos que aqui não figuram aqui por não me lembrar, mas uma cabeça de Leopardo é uma cabeça... de leopardo).

Em 1940, mais uma vez a família Steiner mui atempadamente mudou-se para Nova Iorque, fugindo à ocupação hitleriana de França. George Steiner, abandonou de vez o primeiro nome Francis para apagar traços que o pudessem ligar ao nascimento na Áustria. Os pais educaram-no a falar três línguas - alemão, francês e inglês - , aprendeu a ler sózinho "A Ilíada" no grego antigo, estudou no Lycée Français de New York, no Manhattan, em 1944 tornou-se cidadão norte-americano, a quem mais tarde "Os States" concederam a dupla nacionalidade. Casou com uma escritora e historiadora que colabora com ele, Zara Shakow Steiner, tem dois filhos David e Deborah. Portanto, a partir de dado momento, sob a asa protectora da águia norte-americana, Steiner deixou de ter medo de manifestar a sua ascendência judaica. 
De então para a frente George Steiner professor-leitor na Universidade de Chicago e em Nanterre, muito solto de coisas chatas como examinar alunos, saltita pelo planeta realizando conferências onde defende teses tão polémicas e reaccionárias como a de que "o racismo é inerente à natureza humana, a tolerância não passa de uma pele superficial da educação, que desaparece logo que se tem na vivenda pegada à nossa uma família jamaicana, com seis filhos que ouvem o dia todo "raggae" e música rock em decibéis elevados e quando a nossa vivenda passou a valer metade do que valia pela vizinhança forçada com os jamaicanos".

Ou se põe a discutir a singularidade da inteligência humana em confronto com a inteligência dos mamíferos superiores, as limitações da linguagem destes, que não merecem verdadeiramente o nome de linguagem, teses que nenhum etólogo actual actual sério perfilha.

A minha pachorra para aturar a "melancolia da inteligência" chegou igualmente ao fim e se abordei George Steiner foi prevenir a eventual sedução que algumas das suas teses possam ganhar terreno, provindas de um polemista inegavelmente inteligente e irremediavelmente perdido e estagnado no seu reaccionarismo.

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Saudações confiantes do Vosso

Leopardo





  

    

sábado, 18 de junho de 2016

Todo o teatro é político, a Ópera, "dramma per musica", é política

                                                   Va', pensiero, sull' ale dorate
                                                    va' ti posa sui clivi, sui colli,
                                                    ove ollezzano tepidi e molli
                                                    l'aure dolci del suolo natal !

                                         Vai, pensamento, sobre as tuas asas douradas
                                         vai, e pousa sobre as encostas e colinas
                                         que perfumam tépidas e doces
                                         as suaves brisas da terra natal !

Os versos acima citados são os primeiros do mundialmente famoso Coro dei Schiavi Ebrei 
 ( Coro dos Escravos Hebreus ) que o público italiano assumiu como o grito da sua libertação do jugo austríaco, logo na estreia - a 9 de Março.1843, no La Scala di Milano - e passou a cantar como hino nacional ( equiparável ao "Grândola Vila Morena" após o 25 de Abril ). 
O realizador de cinema, encenador de teatro, amante indisfarçado de Ópera, Luchino Visconti, realizou o belíssimo filme "Senso" (1954), com intérpretes inesquecíveis - Alida Valli e Farley Granger -  no qual imaginou essa estreia com centenas de panfletos e cravos vermelhos a caírem sobre os oficiais austríacos sentados na plateia.

Giuseppe Verdi morre em Milão, a 29 de Janeiro de 1901, no auge da glória aos 88 anos. Seguindo o cortejo fúnebre, 250.000 italianos tomaram as ruas ao som do "Va', pensiero"

Verdi, ateu e anti-clerical, nunca escondeu que o propósito principal das suas óperas era político e as questões amorosas eram subsidiárias, servindo sobretudo para tornar credíveis no enredo cénico a rede mais vasta e complexa de relações humanas, familiares, sociais, políticas.


A ópera "Nabucco" de Verdi parte de uma peça francesa sobre Nabucodonosor e de um bailado sobre o mesmo tema, condensando, entretecendo personagens reais como Nabucodonosor - sedento de poder absoluto e divinizado -  e outras totalmente inventadas como  Abigaille - versão feminina émula de Nabucco na voragem do poder - ou Fenena, filha de Nabucco, personagem subordinada aos cânones do amor romântico da segunda metade do século XIX (como pode, por exemplo, ser descrito nos romances do grande Camilo Castelo Branco).

E a questão central é exactamente a interrogação : o Amor ou o Poder? E a resposta é : não existe meio termo possível, o Poder vencerá sempre... a menos que Os Escravos, o Coro, solucionem o paradoxo e o elevem para uma sociedade nova.

O facto de a ópera se basear em trechos da Bíblia, com um rei assírio (por sinal a quem são atribuídos os Jardins Suspensos da Babilónia, que dez séculos depois influenciaram o planeamento árabe de Granada) , ocorrida 2 mil anos antes, explica que o lápis azul da censura tenha sido relativamente condescendente com a ópera e deixado passar expressões como "morte aos estrangeiros" que visavam quase explicitamente os ocupantes austríacos.
  
É corrente que Verdi exigia impossíveis às vozes dos seus cantores (regra geral, abreviando-lhes a vida profissional; o argumento de que depois de Verdi já se foi mais longe na fasquia das exigências vocais, não invalida os factos) como sucede na obra "Nabucco" com as exigências vocais às personagens de Nabucco e Abigaille. A primeira vítima destas exigências foi Giuseppina Strepponi, que era uma diva na época. Sucumbiu à pressão musical, perdeu a voz demasiado cedo. Foi companheira e mulher de Verdi quase toda a vida, sobrevivendo-lhe três anos e tal, enterrada a seu lado no jazigo familiar, de acordo com os desejos redigidos por Verdi. 

E que tal foi a execução do "Nabucco" , no São Carlos, em Lisboa, no dia 14 de Junho do ano da Graça do Senhor de 2016?
Excepcional !! A Abigaille, personagem para sopranos de qualidade ímpar, visto que a sua voz terá de sobrepor-se, enquanto sobe e desce a pauta do "belcanto", à orquestra, aos outros cantores, ao Coro, e ainda representar , foi interpretada por Elisabete Matos, que é catalogada pelos especialistas e pelos contratos no patamar mais elevado das cantoras a nível mundial, e que seria considerada a actual Callas se fosse italiana (mesmo descontando a minha subjectividade entusiasmada).
O Nabucco foi cantado pelo barítono Àngel Òdena, tarragonense cujo prestígio e carreira não param de subir dentro e fora de Espanha, elevadamente premiado também no repertório de zarzuela, esteve à altura de Elisabete Matos, o que, só por si, é uma nota alta.
Justo é também destacar entre os cantores a mezzo-soprano Maria Luísa de Freitas, na "Fenena", e a soprano Carla Simões, na "Anna", ambas portuguesas. 
O cenário do "Nabucco" apresentado no São Carlos - de Renato Theobaldo , brasileiro, segundo creio - foi surpreendente de imaginação e versatilidade. Deu uma trabalheira para ser desencaixotado e remontado de novo.
A direcção musical - Antonio Pirolli -, a Orquestra Sinfónica Portuguesa, o Coro do Teatro Nacional de São Carlos, o maestro titular do Coro - Giovanni Andreoli -, a encenação, o desenho de luzes, os figurinos tiveram uma participação exemplar nesta récita de excepção.

Ora, tendo consciente que todo o teatro nasce com a democracia grega há dois mil e quinhentos anos, é dela o seu espelho, e é essencialmente político, porque é na arena-palco que as diversas forças sociais e políticas se defrontam - não sou eu quem o afirma, mas personalidades tão diferentes como o encenador alemão de reputação mundial Peter Stein, o pianista e barítono espanhol Ramon Gener, excelente pedagogo e divulgador de Ópera que dinamiza um programa sobre Ópera transmitido pelo canal 2 da TV pública portuguesa aos Sábados à noite, ou a pintora mexicana Frida Kahlo, a qual enuncia numa fórmula lapidar "quem não toma partido, não vive inteiramente" (desculpem-me se a citação não for irrepreensível, porém, cá o Leopardo a citar de memória é... um artista) - sabendo que a lotação do Teatro São Carlos era nessa noite de 844 lugares (o máximo que pode atingir, com outras condicionantes do palco, da plateia e dos camarotes, é de 950 lugares para os bons e estimáveis espectadores), a questão que não pára de me martelar os neurónios é por que é que se viam tantos lugares vagos ?

Ná, ná, não venham com essa conversa de que a Ópera é um espectáculo elitista, os bilhetes são muito caros, as histórias são de faca e alguidar, ninguém aguenta ouvir durante 10 minutos um cantor a berrar amores para uma janela de balcão onde está debruçada uma donzela gorda, de seios fartos.
Primeiros, logo para destrunfar, eu vejo Ópera faz décadas, tenho assinatura na plateia e pago entre 30 a 37,5 euros por récita - há quem veja por menos, se arriscar e comprar o bilhete no próprio dia; porém, com frequência, a bilheteira está esgotada.
As histórias são de faca e alguidar? Então porque lêem os correios.da.manhã deste país? E aquela cinquentena de mortos em Orlando? Ou as claques à trancada - murros, pontapés, cabeçadas, navalhadas, "tasers", "very lights", tiros - em Marselha ou, "desportivamente", dentro dos estádios de futebol? É a Ópera que é de faca e alguidar ou a Vida real, quotideana, comezinha?
E, quanto aos cantores a urlar em palco dez minutos de amor, querem abranger igualmente as bandas rockueiras, com umas garotas abundantes, a menearem os traseiros numas coreografias repetidas à exaustão, e, no final, quando a assistência está entre o aturdido e o enlouquecido pelos mega-decibéis, pelo menos o vocalista principal, que uivou e saltou o tempo todo, parte a guitarra e espoja-se no palco? Como devemos apodar "isto"? Manual sonoro para a guerrilha urbana?...

Não Amigos, no dia 14 de Junho.2016, uma terça-feira, o São Carlos não estava esgotado, porque o País, pelas 20 horas, estava prantado em frente de uma televisão, de um telão público ou no próprio estádio a engurjitar cada um dos malabarismos que o Ronaldo, o Quaresma, o Nani puseram em prática.
16.000 portugueses portugueses deslocaram-se ao estádio de Saint-Étienne, em França, com a motivação e a justificação de assistirem ao jogo, o que lhes terá custado, fora os consumíveis, cachecóis, t-shirts, bonés, pinturas de guerra, no mínimo, uns 15 bilhetes de Ópera, não entrando em linha de contabilidade com extravagâncias do domínio pessoal da intimidade reservosa.

E isso queridos amiguinhos foi uma postura política. Induzida, manipulada, o que entenderem, mas uma postura política. Um voto forte na mediocridade cultural, por muito bem que joguem os craques e mui acertado que se mostre o treinador.
A confirmar o que acabei de escrever, lá pudemos observar, nos camarotes de honra, Suas Excelências Excelentíssimas, o Primeiro Primeiro e o Primeiro Logo A Seguir, prontos a derramarem-se sobre a equipa, incluídos os apanha-bolas... caso os rapazes tivessem ganho. Que isto dos afectos e das efusões também têm medida.




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E, por hoje, "that's all folks", 

 de um Leopardo um bocadinho zangado