Reflexões do Leopardo

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sábado, 3 de junho de 2017

Benjamin Britten and "Peter Grimes"

Ando há três dias  a fazer publicidade à esplêndida Ópera "Peter Grimes" do compositor inglês Benjamim Britten, considerado por muitos musicólogos "o primeiro compositor de ópera inglês desde Purcell e, se o aceitarmos como sendo britânico, de Handel".

A minha publicidade não tem surtido efeito entre os originais músicos, artistas e intelectuais portugueses, que parecem focados em trocar umas estocadas, apoucando ou glorificando, os simpáticos irmãos Salvador Sobral e Luísa Sobral, vencedores incontestáveis, e contra todas as expectativas, do Festival da  Eurovisão. "Fait attention" que eu também sou fã dos jovens músicos, mas cada macaco no seu galho. E o "dramma per musica" em cena no Teatro Nacional de São Carlos é uma soberba realização que não nos passa todos os meses ao alcance dos tímpanos e das pupilas.

A estória de "Peter Grimes" conta-se rápido: Peter, filho de um alcoólico violento, cresce na pobre e desolada vila pescatória no Norte de Inglaterra (vila muito semelhante àquela na qual Britten viveu a sua infância...) entregue ao acaso, tornando-se por seu turno num pescador rude, bruto, um tanto sádico. A riqueza relativa que vai amassando, e que depende inteiramente da sorte nas fainas piscatórias, permite-lhe ir alugando, a preços miseráveis, o trabalho de jovens ajudantes que submete, esfomeados, espancados, a jornadas na fronteira da morte, a fúria do Oceano.
Peter julgado pela morte de um ajudante-aprendiz e libertado por falta de provas, é, no entanto, considerado culpado por toda a povoação. Só uma professora, viúva jovem, deposita esperança na sua humanidade submersa, acabando ambos por se enamorarem. Porém, contra todos as advertências em contrário, Peter contratará um novo aprendiz que também sucumbe ao trabalho impiedoso imposto pelo patrão. 
Peter enlouquece, esmagado pelos remorsos dos aprendizes que torturava e afoga-se com o seu barco de pesca. Peter simboliza um anti-herói das tragédias gregas, grávido não de virtudes, mas de uma fractura na alma que o empurra inexoravelmente para a desgraça. Nem o amor de Ellen, a professora, o poderá ajudar.

A obra, estreada no final da 2ª guerra mundial, foi recebida num clima social controverso, apesar dos êxitos musicais anteriores de Britten. A homossexualidade assumida do compositor, que viveu toda a vida com o tenor Peter Pears (ao qual entregou o principal papel da ópera) , era mal tolerada pelo público que os apodava de "mariquinhas", e a estranheza da sua música, sempre a oscilar entre acordes simples e tonais e harmonias atonais estridentes,  entre recitativos e momentos de grande lirismo (sobretudo os de Peter e de Ellen), a presença obsediante dos Coros, nos quais todos os personagens se integram em dados momentos, deixavam o público inseguro, atónito.

Benjamim Britten virá a escrever que, ao compor "Peter Grimes" "desejava exprimir a minha consciência da luta perpétua de homens e mulheres cujo meio de sustentação depende do mar".
Se tomarmos o mar, as tempestades, o horizonte longínquo do céu sempre turvo, a estabilidade social sempre à beira de fracturar-se, como referências simbólicas nas quais se move o universo humano, compreenderemos a modernidade desta obra, a de Britten e a sua actualidade.

Para além dos cantores John Graham Hall e de Emily Newton - que interpretam respectivamente  Peter Grimes e Ellen Orford - destacarei apenas duas "sobrinhas-jovens prostitutas" que representam e cantam optimamente, cujas são as portuguesas Bárbara Barradas e Mariana Castello-Branco, o eterno tenor Carlos Guilherme a interpretar um dúbio e hipócrita Reverendo, o baixo Wagner Borges num personagem mudo, e, claro, o Coro do TNSC, personagem dominante em toda ópera, dirigido pelo meu amigo maestro Giovanni Andreoli (cuja alma, em minha opinião, é meio italiana, meio portuguesa; Sua Excelência Excelentíssima, o profe Martelo já o deveria ter condecorado pela contribuição que tem dado para a aproximação entre as culturas portuguesa e italiana !...).

Os destaques que faço implicam uma injustiça relativa, todavia essa injustiça pode ser facilmente suprida se comprarem o programa (é barato, 6 €uros) e lerem a ficha técnica.
Contudo, o mais importante é irem a correr e a saltar à bilheteira do São Carlos implorando um ingresso (não são caros, são mais baratos que cadeiras para assistir ao "futebolês...) , pois ainda têm 2 espectáculos - dias 5 e 7 de Junho.2017, às 20 horas - a que talvez possam assistir se tiverem a sorte de encontrar bilhetes (habitualmente a sala esgota). Depois, não precisam de me agradecer, faço o que faço por uma questão de militância cultural. A nossa sobrevivência e progresso está intimamente fundida com a nossa consciência cultural.





PÚBLICO -


Saudações confiantes do

Leopardo 

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