Reflexões do Leopardo

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Reflexões do Leopardo

quarta-feira, 28 de junho de 2017

Atão ó Zé agora comi é?...

Principio com o títalú acima exposto - "Atão ó Zé agora comi é?..." - apenas para que fique claramente demonstrado que ao Leopardo não falta jeitaço para versalhadas, coisa assim no mesmo patamar do Luís Vaz e do Fernando Pessoa, sim, aqueles que estão representados em estátuas ao cimo do Chiado, um sentado numa mesa à porta da Brasileira, o outro no alto da peanha no Largo com o seu nome. A mim sempre quero ver ( mesmo que seja do "alto assento etéreo" ) onde me colocam... Os aeroportos já se sabe que estão todos pré-denominados...

Mas eu principiei assim logo a arrebentar para entupir as canetas de certos escribas da nossa praça ( canetas que ainda devem ser de aparos de ferro, montados em penas de pato ) que desenharam em papiros, em letras teutónicas, que eu me deixasse de poemáticas, cultivasse outros talentos, que a minha musicalidade íntima é ínfima, invisível a olho nu. Ora, eu, returco-lhes, parafraseando-os, que abandonem a crítica literária a quem sabe, sobretudo a quem não sofra de entorses d'alma edipianos. Alimentem lá uns coxes de prosas, espelhem-se numas narcisadas... Há de haver quem goste... Ele existem gostos para tudo...

Agora que este terreiro está varrido, bamos ao monumental evento que coroou a noite de ontem. No Meo Arena, propriedade de um genro da famelga Escavaco
O primeiro grupo a intervir, um tal "Agir" deu o mote : um grunho cheio de tatuagens, umas argolas incrustadas nos lóbulos das orelhas como usam as velhas em Moçambique, pediu aos 14 mil espectadores-contribuintes que acendessem os telemóveis ou os isqueiros e os agitassem bem alto, acima das cabeças. O designado grunho - que se deve considerar o máximo - lembra o Quaresma, com as desvantagens de não praticar futebol e "cantar".

As apresentadoras do evento "sem paralelo no mundo inteiro", a carinha e o corpinho larocas da "namoradinha da Nação", dona Catarina Ofuscada e uma tal Filomena (que imagina ímpares os seus olhos verdes debruados a rímel negro) iam asseverando que "a noite era mágica" , que tinham os pelos do corpo "arrepiados". A Filomena, decerto porque tinha os citados pelos  todos ouriçados, sentou-se ao colo de um Bombeiro Voluntário beijocou-o, crismou-o de "Nossos Heróis" e passou-se logo de seguida para o colo do tenente dos Bombeiros que sujeitou a tratamento igual (o Bombeiro sorria displicente e divertido...) .

Ana Moura cantou e encantou com o "Desfado".

A qualidade estava garantida. A partir daí foi possível o "tio" Júlio Isidrio - formalmente enfarpelado a jaquetão azul marinho, com 6 ordens de botões dourados, camisa de colarinhos  brancos, duros de goma, gravata salmão - afirmar que o mais importante eram estarem ali juntos como os dedos da mão a rezarem (exactamente, "a rezarem" !) por todos os que tinham perdido os lares, os animais, as hortas, que "juntos, embora desiguais, somos fortes". 
Aurea, uma loura, "very" tatuada, montes de pulseiras, anéis, colares, descalça, cantou "I did'nt mean it", enquanto simultaneamente gritava, de punho fechado no ar, "os cantores estão todos a cantar à borliú". Lindo, lindo...
Carlos do Carmo & Camané - CdoC de rigoroso semblante fadista, Camané, num fadistismo escuro sem gravata - trocaram vozes de mestres em torno do "por morrer uma andorinha não se acaba a Primavera". Carmo assegurou que, após "54 anos a cantar, vivia um momento único, um momento histórico".
O "tio" Júlio Isidrio aproveitou a deixa para citar não sei quê de Kennedy e lembrar que é neto de bombeiro, recordação que recordou "a namoradinha da Nação, dona Ofuscada, que também tem costela de bombeira por uma banda qualquer... Igualmente lindo, lindo de morrer...
Carminho, acompanhada por um popular acordeão, cantou "Amor Marinheiro".
Os D.A.M.A, florescendo juventudes, cantaram "Não dá."
David Fonseca e Diogo Piçarra, em intervenções separadas, distintas, decerto bem intencionadas, cantaram em inglês e assim, para mim... "não dá !"
Hélder Moutinho, irmão de Camané (em minha opinião, a Amália no masculino, do nosso tempo) cantou o fado "Eu nasci na Mouraria".
Fernando Mendes comediante que, lamentavelmente, hoje em dia, se limita a dirigir um programa de propaganda a electrodomésticos, teve uma passagem contida e concisa.
João Gil & Luís Represas cantaram a duo. Represas um daqueles capilés sentimentais a que nos habituou. João Gil porventura fazendo as intervenções mais interessantes da noite ao dizer que não bastava oferecer os donativos, era preciso reflectir, esclarecer os porquês dos incêndios e haver vontades políticas para agir no concreto.
Jorge Palma & Sérgio Godinho trocaram poemas e mestrias através de "enquanto ficares à espera ninguém te vai ajudar" e "hoje é o primeiro dia do resto  da tua vida". Palma, com a alegria de quem lhe esvoaçam os dedos pelo piano pela primeira vez !
Luísa Sobral acompanhou-se à viola cantando "Cupido".
Miguel Araújo acompanhou-se a guitarra eléctrica a cantar "Anda comigo ver os aviões".
Rui Pego , a representar a Rádio, pôs um pouco de sensatez nos discursos afirmando que "não sabe se a jornada é histórica, a História o dirá depois". Entretanto, já tínhamos sido informados por Vasco Sacramento - outro responsável pela organização do espectáculo - que a maratona de cantorias tinha sido montada no tempo record de uma semana, em que não tinham literalmente dormido, e que foram obrigados a recusar a participação de centenas de artistas portugueses da diaspora que já não cabiam no elenco.
Paulo Gonzo cantou com a sabedoria de sempre "Meu Amor Sei-te de Cor"
Abrunhosa pediu "Toma conta de mim", uma das suas poucas opiniões em que devo estar de acordo com ele. Por caridade, alguém devia tomar conta de tanta demagogia...
Raquel Tavares despenhou-nos na sua voz potente "Meu Amor de Longe". Um pouco de modéstia só faria bem a tantos "horsepower" de diapasão.
Rita Redshoes entoou a propósito "Ser Mulher".
Rui Veloso, o rockeiro oficial do Norte, matraqueou superlativamente o "O Meu Primeiro Beijo". 
Salvador Sobral fechou a noite acompanhando-se ao piano a cantar "Amar pelos Dois"... em inglês... O rapaz é maluco ( deve ser por isso que gosto dele ! ).  Na estranja, onde ninguém entende o português, canta-me na língua nacional, para os Tugas canta-lhes primeiro em inglês, óspois no português madre !... 
Não obstante fechou com chave de ouro. Ou seja, acima do que que a homenagem às vítimas dos incêndios merecia. Porque aquela homenagem, foi um hino "à Caridadezinha" (a qual o Barata Moura tanto tem esmiuçado), Caridadezinha de que os nossos concidadãos das freguesias incendiadas não deviam ser objecto. Eles merecem é Justiça, é a reparação das imensas perdas sofridas pelo reconhecimento e empenhamento de todo o Estado Português.

Não por acaso, Manuel de Lemos, Presidente da Misericórdia, exultava. 1.153.000  €urios, montante final apurado do mega-espectáculo encenado, são trocos para os madeireiros que negoceiam na área da pasta para papel das Grandes Empresas Suecas do Ramo.
Também, não por acaso Sua Excelência Excelentíssima e o Presidente da Assembleia da República assumiram posições discretas. A maré é dos Heróis Bombeiros... Aliás, a maioria das intervenções referiu-se hagiograficamente a Sua Excelentíssima Excelência!!

Verdadeiramente notável foi a magnifica reportagem da actriz Luísa Ortigoso, que se deslocou a Pedrógão Grande e a Góis para ouvir as pessoas atingidas pelos fogos. A verdadeira grandeza emergia tranquila, sorridente, das palavras despretensiosas das famílias atingidas: "sabe, já cá estávamos, nunca abandonámos e cá continuaremos. Estamos habituados." É destes que me sinto irmão.


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Saudações um pouco zangadas, 

mas confiantes, 

aliás, temos outra solução?...

Leopardo   

    

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