Reflexões do Leopardo

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segunda-feira, 20 de março de 2017

A Língua Bárbara

Um estimado camarada meu tem sustentado comigo uma polémica que se iniciou por eu ter afirmado que as famosas Óperas do genial músico Wagner não teriam perdido nada se não tivessem existido, por três razões fundamentais: Wagner foi um músico enorme (116 obras no total, entre sinfonias, oratórias, músicas sacras, requiens, músicas de câmara, "lieds" e os tais "drammi per musica"- cerca  de 16 contando com as produções da adolescência) que se enganou ao escrever Óperas, pois transmutou os "drammi per musica" em longas árias sinfónicas mascaradas de personagens operáticas; introduziu na bela Ópera a terrível mitologia alemã dos Odin, dos Walhalas, das Valquírias, onde sentimos sempre o fragor das batalhas, o entrechocar dos escudos, o faíscar das lanças, o sangue vertido das vítimas; e agregado a tudo isto, e talvez o mais grave, a barbárie da língua germânica.
É difícil perdoar-lhe, apesar do acerto dos escritos sobre a estética que deve presidir às concepções operáticas, de ensaios interessantíssimos sobre música, de ter sido reconhecido como um maestro director de orquestra que levava ao rubro as plateias e, nomeadamente, pela divulgação e êxito das sinfonias de Beethovan (inclusivé a 9ª Sinfonia, que se julgava impossível de ser tocada por orquestra humana).

Que a língua alemã é uma língua bárbara não é apenas mera opinião minha, leopardo de outras eras glaciares, mas Thomas Mann, figura cimeira das letras teutónicas, tido por exemplo de espírito equilibrado, escreveu: "Goethe (frequentemente retratado como o paradigma do sábio-filósofo-romancista polimorfo, situado no topo do pensamento germanico) não há dúvida que ele vem de 'Gothe' (Godo), o bárbaro (...)" ( Obras Escolhidas de Goethe, volume um, ed. Relógio D'Água, Maio.1998, Introdução e Prefácio de João Barrento, p.7).
Uso estes cuidados académicos porque o meu estimado camarada, doutor e professor de Germânicas, me bombardeou com uma artilharia discursiva onde relampejavam os nomes do Ferdinand de Saussure, do Lindley Cintra (pai), do Thomas Mann, do Manfred Buhr.
Confesso que fiquei amarrotado. Entretanto, cobrei ânimo, recordei que eu licenciado e pós-graduado em Filosofia, mestre em Pedagogia, também tive aulas com o Lindley Cintra, também estudei com agrado o Saussure, li e tresli uma obra do Manfred Buhr (filósofo laureado da ex-RDA) sobre a Revolução Francesa (cuja qual obra me foi muito útil para leccionar umas aulas, antes do 25 de Abril, sobre a grande Revolução da "Liberté, Égalité, Fraternité", na Cooperativa dos Trabalhadores Portugueses, situada naquelas escadinhas que ligam a Estação dos Caminhos de Ferro dos Restauradores ao Bairro Alto) e resolvi voltar à liça.

Em síntese, o meu estimado camarada e contraditor, sustenta que uma língua é um sistema  estruturado, complexo, abstracto, onde a fonética não desempenha nenhuma função particular, pois onde se usa o referente "faca" para referir um determinado objecto fisicó-químico, se poderia usar o termo "mesa" ou outro qualquer com a mesma função. 
Ora, retirar à fonética e à evolução fonética, o peso determinante que também assumem na língua, tem tão pouco sentido como o tem o senhorito Malaca Casteleiro quando argumenta a favor do seu Açordês/90 que só interessa a flutuação fonética e que só os burros é que não mudam.
De caminho, lembro ao meu estimado camarada, que introduzir a pirotecnia dos grandes vultos da Ciência ou da Cultura, no meio de uma argumentação, é recorrer ao argumento da má Retórica, usar o prestígio dos grandes vultos, tentar assustar o opositor, mas não acrescenta uma vírgula à demonstração. Sabe-se isto desde Aristóteles.

Não levo demasiado a sério as afirmações de um meu professor universitário, Oswaldo Market, fenomenólogo com uma certa nomeada a nível ibérico, espanhol de orgulhosa ascendência alemã, o qual defendia que as únicas línguas que exprimiam o verdadeiro sentido da Filosofia  - a metafísica fenomenologista e anti-marxista - eram o Grego (a língua morta, está claro) e o Alemão. Não as levo a sério, contudo julgo que retêm uma parcela da verdade, pois por alguma razão se considera que a "saudade" portuguesa nunca é inteiramente transmitida para outra língua, para, por exemplo, a "melancolia" italiana que não amalga no mesmo cadinho essa "laranja amarga e doce", essa vivência secular de um Povo pressionado a enfrentar a violência desmesurada do Atlântico para assegurar a sua sobrevivência e a sua autonomia;  ou porque se afirma que a poesia, no seu âmago, é intraduzível; ou porque se caldeou a fogo "tradutore, traditore".

Um belo e terrível filme, a preto e branco, de um realizador alemão cujo nome não recordo (mas que não será difícil sacar na Wikipédia), de título "Laços Brancos", explicitava pelas malhas e pelas tralhas, a tese radical de que a crueldade hitleriana, não tinha sido inventada pelo Adolfo, mas transmitida de geração em geração pela educação e domínio dos prussianos sobre a Germânia. 

Creio que por hoje basta. O míster Trampas, de um dia para o outro deixou de acusar o KGB de manipular os "mírdia" cowboys e agora acusa a CIA ao serviço de Obama de distorcer a sua, dele, imagem. Alguém deve explicar ao míster que é impossível distorcer o que nasce distorcido. Tudo o que se pode fazer é interná-lo ou exibi-lo num Jardim Zoológico de Monstros Apalhaçados.


                 Resultado de imagem para fotos ou imagens de um bárbaro           Resultado de imagem para fotos e imagens de Manfred Buhr



Saudações confiantes

na luta colectiva, debatida, não-bárbara, organizada táctica e estrategicamente

do Leopardo 

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