Reflexões do Leopardo

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terça-feira, 14 de março de 2017

3 Versões do Amor, da Lealdade e da Traição - Acto I

Nunca escondi que não sou um particular entusiasta das Óperas de Wagner. Sempre achei que o genial músico devia ter ficado pelas sinfonias, "lieds", oratórias, requiens, música de câmera, missas - que lhe esperrichavam da batuta para as partituras como os pássaros saltam de ramo. Mas, Óperas?... Um raio o tivesse partido !! Houve o condão de as ter transformado a todas - talvez, com excepção dos "Mestres Cantores de Nuremberga" - em intermináveis árias sinfónicas disfarçadas de diálogos de Ópera.
Contudo, dada a escassez das temporadas líricas nas 4 salas que apresentam Óperas em Portugal - São Carlos, Centro Cultural de Belém, Casa da Música e o malfadado Coliseu dos Recreios , que não reúne condições acústicas, visuais, nem a atmosfera de uma sala ovóide mais fechada para os "drammi per musica" - um patuleia não pode desprezar a ocasião de assistir , mesmo que seja ao "Tristan und Isolde", até porque íamos ter ocasião de rever Elisabete Matos , lírica portuguesa na esfera das maiores sopranos a nível mundial, que canta habitualmente nos mais famosos teatros de Ópera dos cinco continentes.

Wagner cometeu três pecados capitais contra a Ópera : inoculou nela a maldita língua alemã, apenas adequada para comandar exércitos e urlar palavras de interdição como "verboten!" , "halt!", etecetera (podem contra-argumentar com Mozart, todavia, a quem foi "amado pelos deuses" tudo é lícito) ; cataplasmou-lhe a bárbara mitologia alemã e a concepção de um povo eleito, que jaz nas catacumbas das ideologias hitlerianas e sionistas (embora não seja legítimo assacar-lhe simpatias pelas doutrinas nazis que se devem, sim, à viúva do filho de Wagner, que, uma vez na posse da herança wagneriana, se foi anichar no ovo da serpente nacional-socialista e, também, ao magnífico filme "Apocalypse Now" de Francis Ford Coppola que associou a música da "cavalgada das valquírias" a um bombardeio terrorista norte-americano sobre uma aldeia vietnamita; Wagner, antes pelo contrário, bateu-se com a música, um "libretto" e de armas na mão pelas ideias liberais na Comuna de Dresden) ; cadenciou-lhe aquele tom heróico, mesmo nos momentos de melancolia, de quem escreve sempre em dodecassílabos (colar de diamantes que os deuses gregos só admitiram a Luís Vaz, a Homero e a Shakespeare), cadência pomposa, solene, caricata de quem sobe uma escadaria até ao Altíssimo.
Por outro lado, é verdade que Wagner contribuiu meritoriamente para a evolução da Ópera ao escrever uma Estética na qual a obra lírica devia estar subordinada à partitura do compositor e não aos devaneios e vaidades das "divas" e dos "divos" que multiplicavam as suas árias ao sabor das palmas do público. Porém, Verdi já tinha feito igual e publicado obra escrita com indicações praticó-concretas nesse sentido (obra que eu ainda não consegui comprar em Itália, até porque custa a bela maquia de 100 euros; mas, se algum dos meus admiradores ma quiser oferecer esteja à vontade... em troca, eu autografo-lhe a t-shirt...), obra que é uma referência para os amantes dos "drammi per musica", Verdi já o tinha realizado sem retirar ás composições operáticas aquela mescla da transição súbita da gargalhada satírica para a tristeza pungente, tão característica do espírito italiano. 

Posto isto, devo declarar que "Tristan und Isolde" era a única Ópera de Wagner que eu nunca havia visto. Ainda bem que vi, porque a achei uma senhora... chatice! Desde a concepção wagneriana - muito bem esmiuçada por Yvette Centeno - que preside à obra: aquilo que "os amantes amam é o amor, é o próprio facto de amar" (...) "o mito que é uma narrativa fundadora (...) de uma mudança no comportamento civilizacional ou cultural" (...) compreende o mundo material do Corpo, o do Espírito que é o do Verbo, e finalmente o da Alma, centro das emoções, e neste caso, das emoções amorosas na relação com o outro." 
Ora esta concepção, em minha opinião, é um rematado disparate, que estabelece esferas separadas para o mundo das Sensações (o Corpo), o mundo da Razão (o Verbo) e o mundo dos Afectos (a Alma), - ainda, para mais, associada ao pessimismo schopenhaueriano que sustentava a impossibilidade radical de amar - , quando o que na realidade se passa é uma acção interdialéctica entre estas instâncias que vão agindo umas sobre as outras, alterando-se, e que o Amor é de facto o vero motor da Vida e da Alegria.

Isto equivale a dizer que não valeu a pena ter assistido a este "Tristan und Isolde"? De forma nenhuma. O espantoso elenco de cantores safam a Ópera da vulgaridade. Um tenor norte-americano, Erin Caves, uma mezzo-soprano australiana, Catherine Carby, um baixo, com uma longa  carreira, Kristinn Sigmundsson acompanham ao nível (o que não é dizer pouco) a espantosa Elisabete Matos - da qual não basta destacar as enormes proezas técnicas de cantar de pé, sentada, de  joelhos, deitada, torcida sobre ela própria, de sobrepor a sua voz à da orquestra a tocar no seu pleno, mas de o conseguir mantendo a expressividade dramática requerida à personagem -  , jovens cantores portugueses em ascenção - Marcos Alves dos Santos, João Terleira, João Oliveira - o barítono luso, consagrado, Luís Rodrigues, que se bate a cantar ao lado de Erin Caves. O maestro e a orquestra estiveram no plano requerido, podendo perdoar-se as "modernices" de actualizar a encenação, a cenografia e os figurinos para acentuar a intemporalidade da obra, só não percebendo eu, velho leopardo caturra, o que ganha o Público quando lhe são mostradas as vísceras do palco do CCB e distingue o extintor de incêndios vermelho ou as placas verdes das portas de saída...
Mas, pequenas traições, mais patetas que traições, quem as não comete?!... 



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Saudações calorosas, confiantes

do Leopardo
   
     

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