Reflexões do Leopardo

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domingo, 15 de outubro de 2017

A importância do Não

Fui ver a "História do Cerco de Lisboa" ao Teatro Municipal Joaquim Benite - TMJB - em Almada, na quinta-feira ida. Aliás, fui revê-la, pois já me encontrara com ela durante o excelente Festival de Teatro da dita cuja cidade.
Não sei sob que lua estava na ocasião, dado que gostei pouco ou nada e mesmo me esqueci que assistira. Agora, convidado, na terceira fila do fosso da orquestra, entusiasmado, divertido, ri-me com frequência, aplaudi de pé longamente.

A peça não corresponde exactamente ao livro do Saramago - do qual gostei bastante, embora não seja um incondicional do grande escritor . A obra encenada por Ignacio García, a partir da dramaturgia de José Gabriel Antuñano, inspira-se no texto de Saramago, mas afasta-se dele bastante.
Na verdade, insere um "Não", negando que Don Afonso Henriques ( descendente de pai gaulês e mãe castelhana ) tenha conquistado o castelo de Lisboa, o morro em que assentava e umas leiras em torno que desciam até ao rio, com a ajuda dos cruzados templários, de facto saqueadores profissionais, violadores, impiedosos, exímios no manejo da lança e da durindana.

Reconheci que já vira a peça assim  que deparei com os excelentes cenários do meu amigo José Manuel Castanheira, que foram auxiliando, com pequenas alterações em cascata, a narrar uma interpretação diversa da mítica Ulisseia
Nesta versão do "Cerco..." uma grande parte dos cruzados não estavam pelos ajustes em lutar do lado de Don Afonso se as suas espadeiradas não fossem compensadas com uma percentagem substancial do saque. As negociações foram regateadas à miudeza e apenas resultaram com uma parcela dos cruzados.

O fito da peça é pôr em evidência que a História, dentro das Ciências Humanas, é sempre uma reconstrução hipotética do Passado, que tenta integrar os factos acontecidos, mas a Ciência que mais facilmente se deixa manipular pelo ideário e pela lógica dos vencedores. De tal forma que talvez os que melhor acertam com os carris do acontecido sejam os romancistas, os ficcionistas, guiados pela bússola da intuição.
A tese não é nova, já Freud havia escrito que havia mais Psicologia em Stendhal que em todos os tratados de psicologia experimental do século XIX. O que surpreende na encenação de Ignacio García é que a peça provoca sorrisos, gargalhadas frequentes e permite leituras a níveis diversos de profundidade.
É claro que é cúmplice deste resultado o elenco de luxo de actrizes e actores que o interpretam : Ana Bustorff, Elsa Valentim, João Farraia, Jorge Silva, José Peixoto, Luís Vicente, Pedro Walter, Rui Madeira, Tânia Silva .


A finalizar esta reflexão atiro ao Nuno da Rocha ( e a qualquer outro dos meus pacientes leitores ) algumas picardias : Wagner, músico genial incontestável - autor de centenas de sinfonias, música de câmara, "lieds", músicas religiosas e fúnebres, obras teóricas incontornáveis sobre Ópera e música - não devia ter composto "drami per musica" ! Wagner cometeu contra a Ópera Lírica três pecados capitais :
- todas as suas Óperas tendem a converter-se em sinfonias, nas quais as mais simples árias de cada cantor/ora se eternizam meias-horas sem fim, perdendo-se o contraditório, a dialéctica característica dos personagens, do fidalgo e do criado, das amantes traídas, dos deuses e dos homens ;
- trouxe  para a Ópera a bárbara mitologia germânica dos Odin, dos Walhalas, das Valquírias, onde os machados e as espadas ressoam constantemente nos escudos ;
- mais, e pior, introduziu na Ópera a truculenta língua prussiana, onde todas as palavras vão a caminho de um "Halt !", onde um homem deixa de ser um homem para envergar o dólman militar de um "herr" , ou a mulher passa a "frau" ou  "fraulein" que só evoca uma fêmea com as saias pela cabeça prestes a ser violada.
( Explorei este assunto na edição do meu blogue : "Verdi versus Wagner & muita Merda Excelente" ).

Podereis objectar que Mozart já o havia feito, porém, não lhe quebrando a controvérsia permanente, um humor subtil, o intragável cortejo dos Odins. Mas, nem todos são "amados dos deuses", nem todos encenam em teatrecos dos subúrbios...

Ah, e Elisabete Matos cantará a 19 de Outubro.2017, pelas 20 horas, no Coliseu dos Recreios, a "Turandot", a que não faltarei se ainda conseguir bilhete...

E, hoje, fico-me por aqui para não me atolar no pântano do Pato Donald Trampas e das suas réplicas de menor grau.





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Confiante na Vossa Amizade e na luta colectiva

Abraços afectuosos do

Leopardo     

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