Reflexões do Leopardo

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segunda-feira, 1 de maio de 2017

Os Dias da Música

Ao falar dos "Dias da Música" estou a referir-me aos cerca de 80 eventos organizados e levados a cabo no Centro Cultural de Belém ( CCB ), em Lisboa, nos dias 28, 29 e 30 de Abril.2017 (nos anos anteriores também se tem verificado sensivelmente nestas datas), eventos meritórios para divulgação e desenvolvimento das artes performativas que giram em torno da música: dança, ópera, concertos, cenografia, artes plásticas, música ligeira, clássica, jazz, canções ligeiras, "lieds", poemas, librettos, romances e mais que me estará a escapar de momento. Estes "Dias da Música" atraem ao CCB uns milhares de pessoas: artistas do meio, orquestras, coros, editores, intelectuais, melómanos nacionais e da estranja, crianças e adultos. Os preços são bastante acessíveis tendo em conta os meios mobilizados: entre os 5 e os 10 euros.

É claro que só tive acesso a uns 6 eventos (até porque sou contra uma indigestão de espectáculos por melhores que sejam) e dessa meia dúzia apenas me referirei a 3 : ao diálogo com o Sérgio Godinho em volta da relação entre os textos e a música - era essa a temática proposta este ano; aos Couple Koffee, banda brasileira a residir actualmente nestas praias à beira-Atlântico plantadas; à Ópera de câmara de Alexandre Delgado , composta (em 1993) a partir do texto "O Doido e a Morte" de Raul Brandão.

O pseudó-diálogo (visto que foi só quase o grande cantor que usou da palavra) com o Sérgio Godinho revelou verdadeiras pérolas como a de que sua mãe - professora - tinha o hábito de fazer quadras adequadas às pessoas que convidada para jantar, dispondo as quadras em frente do lugar onde a pessoa se sentava, ou a expressão que ele, Sérgio, inventou de "crédito mal aparado", pois precisava de uma vogal para o verso ficar metricamente correcto. Foi, igualmente delicioso ouvir responder que não usava o Açordês/90, pois considerava que aquele "aovmi" (abjecto objecto voador mal identificado) não tinha ponta por onde se pegasse, mas, nos entretantos, triturara uma geração de jovens, baralhados na barulheira das sílabas.
Anh, anh, agora digam lá se não vale a pena, só por esta declaração, ir a Grãndola - onde estão a homenagear o Sérgio - para assistir ao lançamento da segunda obra que o cantautor realiza no mundo do romance.

Após o nosso querido Sérgio cabe-me falar dos "Couple Koffee" - Luanda Cozetti na voz e Norton Daiello na guitarra electrónica - , banda de brasileiros a residir na actualidade em Portugal.
Para pôr tudo em pratos limpos, e não obstante ser um admirador da incontornável literatura brasileira (vive-se sem Drummond de Andrade, mas em deficiência) e de alguma da sua música, estou mui longe de pertencer aos incondicionais da sua cultura.
Comecei, pois, a ouvir o Norton e a Luanda num misto de reserva e suspeição. Reserva e suspeição acentuadas pelas poses demasiado estilizadas e cronometradas do casal. Todavia, pouco a pouco, à medida que a dupla foi arriscando até reinterpretar "Os Vampiros" do inimitável Zeca Afonso ou ousarem cantar o mastodôntico Ary dos Santos, a Cozetti e o Daiello conquistaram-me por dentro, de mansinho. Percebi porque já tinham feito música com o Jorge Palma, o Vitorino Salomé, porque tinham 4 álbuns - "Puro" de 2005 ; "Co'as Tamanquinhas do Zeca" de 2007 ; "Young and Lovely" de 2008 , dedicado à Bossa Nova ; "Quarto Grão" de 2010 , com o qual palmilham o País em digressão.
A partir de ontem, estarei de pupilas assestadas em cima dos "Couple Koffee".

A finalizar a Ópera de Câmara do Alexandre Delgado, a glosar a obra "O Doido e A Morte" do Raul Brandão, ópera de câmara que envolvia poemas do Luís Vaz de Camões e do José Régio.

Sim, o Alexandre Delgado é aquele mesmo compositor que vestiu o libretto "Vozes Altas" do Manuel Gusmão com vestes musicais espantosas, Ópera da qual, desgraçadamente, não se editaram exemplares para o grande público.
  
Se ouvirem dizer que o público do CCB é constituído por um escol de melómanos sabedores não creiam. A sala estava meia-cheia, meia-vazia. Um estrabismo típico de "patos bravos".
A Ópera de Câmera "O Doido e A Morte"  do Alexandre Delgado compreendo que seja difícil de apreender intuitivamente porque é musicalmente inovadora, o Alexandre Delgado dirige-a com a modéstia exemplar de um sacristão que não fizesse senão oficiá-la com o dever de quem entrega o que não é seu, utiliza nos poemas "parolacce" in-habituais em obras deste gabarito (usuais, por exemplo, num Quim Barreiros; por sinal foram estas "parolacce" que fizeram rir o público). 
Nas vozes é impossível não destacar o conhecido barítono Luís Rodrigues, o tenor Carlos Guilherme a "parlare basso" ou a sustentar dós de peito, a mezzo-soprano Susana Teixeira numa personagem bem divertida, o actor Salmo Faria a representar dois personagens.
Impossível também não referir que o Toy Ensemble envolve 14 instrumentos musicais , magnificamente tocados por 10 músicos, um dos quais instrumentos, o contrafagote, belíssimo, eu nunca havia visto na minha carreira de melómano apaixonado.
E mais não vos posso transmitir nessa matemática dos sons e da alma, que imediatamente se evola com a última nota soada.

A grande festa do 1º de Maio, Dia do Trabalhador em todo o planeta seria o grandioso desfecho desta comunidade espiritual iniciada nos Dias da Música.
E foi . Eu estive lá, participei. Quis mesmo realizar essa tarefa pateta de contabilizar o número de participantes na Festa/Luta dos Trabalhadores em Lisboa, a culminar na Alameda, até que rápido concluí com o Ary "eram não sei quantos mil, soldados, marinheiros, proletas, mineiros, poetas, etecetera, etecetera, que triunfaram por um Chile metafórico, pulsante nos nossos sonhos despertos".
Pois bem (mal), que papagueava a RDP/Antena 1 , paga com o pilim, o arame, do contribuinte anónimo, sem rosto? Parlapatava em redor do 1º de Maio, regateava números?... Nã senhora, nem isso. Ponderava e reponderava com epicentro no "futebolês". Que o FCP não sei quê, que o SLB não sei quantos. Existirá alguém que duvide que estas reponderações são o essencial no Dia do Trabalhador?!... Espantástico ! Que a Santa Padroeira do Desporto e da Cultura nos proteja !...                        

Sauda-Vos o 

Leopardo dos Hermínios

da glaciação anterior


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