Reflexões do Leopardo

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quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Donizetti, "Anna Bolena", a paixão romântica do século XIX ainda não esgotou o seu heróico papel social

Na segunda-feira 6 de Fevereiro fui ver ao São Carlos a segunda récita da Ópera "Anna Bolena" de Gaetano Donizetti. Não vos espanteis se na minha crónica-reflexão surgirem comentários políticos, do foro médico, psicanalítico, psiquiátrico, até mesmo referências ao malfadado Açordêz Ortográfico de 1990. É sinal de que no mundo "dei drammi per musica" cabem todos os mundos.

Não vos espanteis também se este se vier a verificar um dos meus blogues mais enlouquecidos de sempre, pois posso ter sido contaminado com as demências que atingiram Donizetti e Henrique VIII nas vidas reais, assim como alguns personagens da Ópera.

Como se sabe Donizetti ( nato em Bergamo a 29. Novembro.1797; morre em Bergamo a 8. Abril.1847 - portanto com 50 anos e 5 meses, após ter produzido 65 óperas, e, pelo menos em 4 delas, criando "representações impressionantes de perturbações mentais" -  acompanhado pelo seu dedicado sobrinho Andrea, na "villa" da sua amiga Condessa Rosa Basoni, tendo-lhe sido diagnosticada sífilis terciária e demência ) inspirou-se de forma bastante livre na vida do monarca Henrique VIII ( nato a 28.Junho.1941, no Palácio de Placentia, Greenwich, Inglaterra;  falecido a 28.Janeiro. 1547, no Palácio de Whitehall, Londres - portanto, com 55 anos ), monarca sobre o qual as opiniões dos historiadores divergem bastante, desde "um dos governantes mais carismáticos a ocupar o trono inglês" ( escrevia e compunha música da qual deve ter sido o principal e talvez único admirador ) a um autocrata "concupiscente, egoísta, severo e inseguro" ( sendo esta a imagem que prevalece no imaginário popular). Os dados clínicos que se possuem sobre Henrique VIII indicam que sofria de gota, obesidade excessiva - 140 centímetros de cintura - e poderá ter tido diabetes ou ter o cérebro lesionado após um torneio medieval em 1536, o que determinou que só se deslocasse com a ajuda de um artefacto mecânico. É quase garantido que estaria impotente sexualmente e o seu humor variava de minuto para minuto nos anos finais da vida.

Donizetti fixou a sua Ópera nas relações entre Henrique VIII e Anna Bolena. Representou-o a ele como o autocrata com o ridículo insuperável dos que se colocam nos antípodas da Razão, da Moral, da Justiça, apesar de transitoriamente e eroticamente apaixonado por Anna ( a sua segunda mulher oficial das 6 que a História reconhece ). Representa Anna como a paladina seduzida pelo monarca todo-poderoso, porém que é incapaz de renunciar e ser infiel ao seu primeiro e único amor que porta gravado no fundo do coração ( a reconstituição histórica aponta para uma Anna Bolena mui diferente: mulher de cultura, inteligência e ambição mui acima da média, mulher colérica e obstinada, que recusa ser mais uma das amantes do rei, e quer, e consegue, mesmo contra os pareceres do Vaticano, ser reconhecida como rainha.
Os dados históricos provam que Henrique VIII não fundou o Anglicanismo de golpe - assunção de que o poder real e o poder religioso repousam no rei do Estado - , nunca foi tão longe ideologicamente como Lutero, manobrou sinuosamente com o Vaticano para satisfazer as suas ambições políticas - unificar a Inglaterra, o país de Gales, a Irlanda e a Escócia sob a sua coroa (só falhou a Escócia, o que foi de seguida conseguido pela sua filha Isabel I, "a Rainha Virgem") e dominar a França, que invadiu com pouco sucesso por mais de uma vez.

O que é espantoso é que este quadro historicamente complexo, prenhe de referências políticas, bélicas, ideológicas, económicas, sociais - formação do primeiro poder real absoluto - religiosas, artísticas, psíquicas, psicanalíticas, do foro demencial, surge sintetizado na Ópera "Anna Bolena" (o primeiro grande sucesso público de Gaetano Donizetti). E a obra encenada no São Carlos, em Lisboa, pelo consagrado Graham Vick reconstrói este paradigma dos "drammi per musica" de forma exemplar.
Não cairei na tolice infantil de dar notas ao "capolavoro" como usam certos dinossauros excelentíssimos da nossa praça, nomeadamente o professor Martelo dos destinos destas praias à beira-Atlântico plantadas. Avançarei tão-somente que o maestro - Gianpaolo Bisanti - , a direcção dos actores em cena e os figurinos - Paul Brown -, as luzes - Giuseppe Di Iorio - o Coro do Teatro Nacional de São Carlos, a Orquestra Sinfónica Portuguesa, as/os cantoras/es - Elena Mosuc, Burac Bilgili, Jennifer Seymour, Luís Rodrigues, Leonardo Cortellazzi, Lilly Jorstad, Marco Alves dos Santos - acompanham superlativamente a encenação. Tão superlativamente que a soprano romeno-suíça Elena Mosuc ( a Anna Bolena ) se desculpou dizendo que estava indisposta e só por respeito ao público ensaiaria cantar; seguidamente cantou e encantou ( e em posições de canto difíceis: de joelhos, deitada, torcida sobre si própria ) e o público comentou, "se esta magnificência é indisposta, como seria no seu pleno?!...".

Estas reflexões de melómano ab menino, e decerto certas feitas ingénuo, não contêm apontamentos menos encomiásticos? Contêm.
Uma menor: as sugestões nos cenários, belíssimos !, são tantas, que uma ou outra ficará minorada pelo excesso.

Duas maiores: o atentado à Língua Portuguesa cometido no uso envergonhado do Açordêz/90 nas traduções do libreto por cima do palco; o uso desavergonhado do dito Açordêz do sr. Malaca-Castel-Queijo no Programa do São Carlos. A Língua é um elemento de formação da consciência e do pensamento nacionais, não pode andar à deriva de negociatas privadas ou de OPA's do Estado brasileiro. E este atentado maior, de que o São Carlos se torna cúmplice, é um atentado de envergadura estatal, quando a revisão do Açordêz é encabeçada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, sr. Santos Silva, no qual não residem competências conhecidas na matéria, e não pelo ministro tutelar da pasta da Cultura e da Educação.

A outra crítica maior: aos que lá não estavam no São Carlos. Por onde andam os meus Amigos e Camaradas amantes de música, de canto, de coros, de teatro, de dança, de artes plásticas, de fotografia, de vídeo-filmes ?? Como se dão ao luxo de perder as cinco ou seis Óperas de craveira superior com que o São Carlos nos brinda 5 ou 6 voltas por ano ( por insuficiência de verba e deficiência de espírito dos que nos desgovernam ) ?!...

Seguramente, este público inteligente e profissionalmente preparado, se frequentasse o Teatro Nacional de São Carlos, estaria a tecer analogias entre Henrique VIII e Donald Trump ou Hillary Clinton ou Barac Obama ou Mikhail Gorbachev ( o da manchinha na testa, da perestróika, que tenorizava bem lirismos para a sua Raíssa ) , ou a estabelecer associações entre Anna Bolena e os que pelo planeta fora resistem à opressão, às ditaduras, à guerra. Se frequentassem o São Carlos, ganhariam eles e ganharia certamente a Cultura e a Arte nacionais.



Resultado de imagem para fotos ou imagens da "Anna Bolena" no São Carlos  Resultado de imagem para fotos ou imagens de Elena Mosuc

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Caros Amigos e Camaradas

como já não tenho esperança que me enviem comentários negativos ou positivos

e se não quiserem recorrer àquelas expressões mui inventivas lol, corações, carinhas a sorrir, a lacrimejar, a odiar

permito-me sugerir-lhes estes toscos vernaculismos da minha infância:

- é de arrebimba o malho;
- toma e embrulha;
- 'tás cos copos?... ;
- hoje não tomaste os comprimidos?... ;
- oh pá, vai dar uma volta ao bilhar grande... ;
- 'tá bué da naice, meu !
- 'tás kas ganzas?... ;
- andaste à precura no alfarrabista?... ;
- cruzes, canhoto ! ;
- pelas alminhas, tem dó...
- valha-te a Virgem...

Creio que já deve ser suficiente para Vos desengomar e incendiar as inventivas

Saudações calorosas

do Leopardo 
               

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