Reflexões do Leopardo

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quinta-feira, 12 de julho de 2018

Os Mercenários da Cultura

Mal deixei transpirar para uns poucos Amigos escolhidos o tema da presente reflexão encontrei de imediato objecções: "que não, que não era possível entre gente profissional do Teatro tropeçar em pessoas que não compreendessem a relação ancestral - desde os tragediógrafos e comediógrafos gregos - entre a política e o teatro, entre a necessidade visceral dos homens de Teatro ( o Teatro era vedado às mulheres - a menos que fossem Vestais - , destinadas às tarefas caseiras, a procriarem ou satisfazerem as necessidades viris como rameiras... ) questionarem a Política, ou seja, questionarem a forma de se organizarem e viverem na "Polis" ( nas Cidades, por oposição ao Campo - "Agros" - , forma mais grosseira de viver, para onde eram empurrados os não-cidadãos ).
Depois destas objecções de pessoas cujas opiniões respeito, tabaqueei as matérias, deixei o fumo envolver-me, esperei que Zeus ou Manitú me inspirassem a sinuosa vereda da Verdade.
Os Deuses, do alto das neves eternas, tutelados por mochos, corujas, águias e falcões, assopraram-me: "Conta-lhes a tua experiência ...".
Conselhos de Deuses não se recebem todos os dias nem se podem pôr de lado como nicânsias, não vão os Fados aziagos perseguirem-nos o resto da terrena existência. Eis, pois, o que entendi dos Conselhos Celestes.

Há bem pouco, no magnífico Festival de Teatro Almada, após ter pronunciado, para um actor em ascensão do TMJB,  afirmação menos abonatória acerca da actual Presidente da Câmara de Almada ( estava a linda Inês posta em sossego lá nos seus Parises, quando as tortuosidades das manipulações xuxialistas e, decerto, ambições individuais a puseram à frente de uma gestão camarária da qual não percebe nikles batatóides... ). Fui interrompido bruscamente pelo tal actor, o qual me disparou rudemente que "não misturava o teatro com politiquices de meia-tijela, que o seu dever era sustentar os dois filhos" virando-me de súbito as costas e acrescentando que não me admitia mais reparos !...
Só tive tempo de o contrabater, gritando que ele acabara de pronunciar uma declaração perfeita de Mercenarismo Cultural , declaração que tanto podia vestir os trajes de um actor como uma farda camuflada da NATO , e que amigos não ficávamos de certeza, nem eu perderia mais tempo a enviar-lhe informações ou reflexões minhas.

Como, lamentavelmente, a grosseria tem vindo a manchar o currículo da actual Direcção do TMJB - que não é merecedora do legado de Joaquim Benite - ( a menos que me seja dirigida exclusivamente a mim e, então, entendê-la-ei como um elogio aos que assumem a coragem de discordar dos seus neurónios "iluminados" ) interrogo-me a mim próprio se deverei passar a ir  armado ao Festival ( umas armas que me sobraram de guerras idas e que vou mantendo oleadas, pelo sim, pelo sim... ).

Nos entretantos, assisti a mais um espectáculo de excepção: "Lilliam" do Théâtre Gérard Philipe ( nome lendário do cinema francês, que reunia na mesma pessoa um dos melhores actores  gauleses de sempre e um belo galã ). "Lilliam" funde numa representação assombrosa, de uma precisão de relógio suíço, um panfleto político comprometido com um Futuro Solidário, Socialista, com situações de palco tragicó-cómicas que nunca consegui antecipar como as resolveriam !... É curioso que, tal como alguns dos tais Amigos com os quais uso trocar opiniões, a peça, inicialmente, parecia-me ir-se perder nuns rodriguinhos de lençóis, cuecas, beijocas e apenas gradualmente foi revelando a sua amplitude política... 

E assisti a um espectáculo suficiente: "Philip Seymour Hoffman, por exemplo" da Companhia belga Transquinquenal. Como é bem conhecido nos meios cinéfilos, Philip Seymour Hoffman distinguiu-se como um dos maiores actores norte-americanos - nomeadamente no filme em que representou Truman Capote - , o qual se suicidou em 2014 consumido pela droga ou por angústias insanáveis.
Nesta peça - com um desempenho notabilíssimo de 5 actores ( duas mulheres e três homens, a representarem seis personagens ; os quais denominei de "o quinteto era de cordas", pois apenas a meio do espectáculo consegui entender que as mulheres eram só duas... ) - sucedeu exactamente o oposto: partindo da temática actualíssima na qual a personalidade dos cidadãos comuns é determinada pelos Meios de Comunicação, a peça afunda-se numa contradição derradeira , na qual a Realidade a acontecer esmaga todas as personalidades manipuladas. 

De qualquer forma o Mercenarismo Cultural deixa sempre no âmago de uma consciência sedenta de um mundo melhor o bafio sórdido dos que perderam o rasto de qualquer moralidade, regressando à idade das grutas e dos concheiros, lutando somente pela sobrevivência "tout court". É um facto que na crista das guerras coloniais do século XX, alguns mercenários de farda camuflada teclaram uns livrecos ( ou alguém os teclou por eles...) que tiveram a sua fortuna. Ler um era ler todos: traçavam a hagiografia de uma paz dos cemitérios, de uma paz de mil anos, dos sarcófagos dos vampiros.

Portantos, portantos, quedêmo-nos "aujourd'hui" nesta esquina, não vão as angústias de Philip Seymour Hoffman tomar-nos de assalto por dentro.        


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Saudações aciduladas, mas confiantes do

Leopardo

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