Reflexões do Leopardo

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domingo, 16 de abril de 2017

Málaga

Estive uma semana fora, fui a Málaga, para ser mais preciso fui a Torre del Mar, povoação a uns 35 kms de Málaga, sem interesse nenhum particular. Pranta-se à beira de um Mediterrâneo, com areias cinzentas, mais uma cinquentena de águas numa mestiçagem entre o cinza e o azul até começarem as águas azuis, mas sem ondas.
Porque lá fui? Um amigo tem lá um apartamento, num 5º andar com vistas para uma avenida  de 4 pistas, com um trânsito continuo nos dois sentidos. O amigo acha a povoação um encanto, semelhante a Benidorme (que também detesto). Só se topam velhos e velhas agarrados a andarilhos ou em cadeiras de rodas empurradas por familiares ou serviçais negras e uns cortejos de trelas onde se esganiçam uns chiauás ou uns fox-terriér's com coletes escoceses. Devem ser estas as razões pelas quais um torredelmar aficionado procura em vão catapultar Torre del Mar a concelho há décadas.

Verdade se diga, que todos os espanhóis que nos circundam falam aos berros como se estivessem na tourada ou num dérby entre o Real Madrid e o Barcelona: ou seja, cada espanhol/a produz decibéis por 5 portugas. Se o não produzir podemos colocar as hipóteses científicas de que estará doente ou duvidar da sua espanholidade.

Porém, encantos de amigos não se discutem, pertencem à zona insondável do coração humano e o meu amigo tinha garantido que, com o meu audi novo, uma bomba amarela a gasóleo nos poríamos lá, com a minha mulher a guiar, em 5 horas, o máximo 6. Levámos o dia todo para alcançar a tal Torre del Mar, ainda brindados com umas sonecas e uns enganos do co-piloto, o tal do meu amigo.

Todavia, para que não digam que estou aqui a despejar o meu habitual mau-humor, vou registar o que encontrei de positivo em terras de Espanha:
- a primeira coisa que um empregado de tasca ou restaurante pergunta é "o que bebem?", o que significa que podemos logo começar a ingerir uns "riojas" ou uns alcóois de "torres" (que não se encontram ao nível das pomadas lusitanas, todavia, também não é sério exigir o céu para destrunfar logo no início); 
- o café espanhol já é bebível, contudo sem atingir a qualidade dos cafés do sr. Nabeiro (que os vai buscar a Timor, a Angola, a Moçambique, onde for preciso...);
- o pão espanhol apresenta melhorias ligeiras, ainda mui primas daquelas roscas hediondas de há seis décadas atrás, mas até pode aparecer quente na mesa ou ser pão alemão com uma farinha acinzentada e umas sementes que dão para disfarçar;
- as tortilhas hermanas ninguém morrerá de amores por elas, não obstante são omeletes com pedaços de batata, produtos honestos, que alimentam e ajudam a secar o briol.

A partir daqui, o restante é p'à desgraça. As "paelhas"- com aqueles mexilhões ensonsos, os camarões com casca, tudo no meio de uma caldaça de arroz ensopado até à alma num concentrado de tomate mais vermelho que o inferno do Bosch - devem ser jogadas directamente no lixo. " As judias con setas", uma variedade de feijão verde com lascas de cogumelos, é também aconselhável atirá-las para o caixote, não vá um pobre de mi habituar-se à falta de melhor.
Existe ainda uma variedade enorme de fritos, quer de "cerdos", "terneras", quer de lulinhas, chocos, etc, etc, todavia, tão fritos, tão fritos, tão fritos, que "luego de manhana temprana" começava a pituitá-los do nosso 5º andar, mescolados com atmosferas de gasolinas e gasóleos mal queimados. 

Interrogar-se-ão o que esperava eu, leopardo façanhudo, das terras "hermanas". Bom, em primeiro lugar, umas "guitanerias" , uns flamencos, pelo menos uns dois espectáculos, nos quais, os "cantaores", as "bailaoras", os "bailaores", os músicos, ao som de acordes orientais, patadas ora violentas ora delicadamente matraqueadas no "tablao", contudo, sempre viscerais, ao dedilhar irrequieto das "castanhuelas" nos narrassem o seu êxodo milenar das Índias , donde foram expulsos, e a sua sobrevivência à fome, à miséria, à doença, aos preconceitos.

De flamencos enxerguei népias, pois a Semana Santa não o permitia, não eram adequados - isto é, católicos.
A Semana Santa obsequiou-me com procissões intermináveis, a cruzarem-se em todas as esquinas, debruadas a imensos capuzes azuis, roxos, tilintados por sininhos, sinos e talins-talões, com pesados palanques dourados com a imagem do Cristo a sangrar, pregado na cruz, enquanto jovens simulavam flagelar-se com azorragues. Recuamos no tempo 5 séculos, retornamos à Idade Média da Santa Inquisição e do Santo Ofício , só lá faltavam as fogueiras públicas e o assar dos hereges no meio dos insultos, das pedradas, das gargalhadas e escárnio da populaça ( carregada de trabalho servil e sem divertimentos o resto do ano ).

Não sei porque bulas, ocorreu-me à cachimónia durázia de leopardo velho, o magnífico conto de Edgar Allan Poe, "O Barril de Amontillado" ( "The Cask of Amontillado", de 1846 ), no qual nos narra a estória de um grande barril de vinho de Málaga que produzia aquele néctar adocicado, típico da região, mas melhor que todos os outros. Quando o barril ia pelo meio, os donos descobriram que lá dentro jazia um cadáver humano. Creio eu que encheram o barril até cima com mais "amontillado", mantendo o cadáver dentro, pois, como hodiernamente mui bem se sabe, o negócio não pode parar... Se Poe não terminou o seu conto fantástico assim, termino eu por influência dele.

Não trouxe de Málaga uma garrafa de vinho, nem mesmo um torrão de Alicante. Apenas uns vulgares caramelos... Porque será?... Talvez o poder da efabulação...



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Saudações pascoalinas   

      

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