Reflexões do Leopardo

Reflexões do Leopardo
Reflexões do Leopardo

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Alegrias loucas na Arte e na Vida

Esta edição do blogue foi em parte desencadeada por um filme premiado no Festival de Cannes, "La pazza gioia" (que foi traduzido para português por "Loucamente" e que eu traduziria por "Alegrias Loucas"). É, de facto, um filme notável, de um realizador notável - Paolo Virzì - , o qual soma outros prémios importantes (Veneza, Cannes) em trabalhos anteriores. Virzì, responsável igualmente pelos temas musicais carismáticos entrelaçados na obra. 

A película relata a história de duas loucas internadas num hospício. Uma delas (interpretada pela excelente actriz Valeria Bruni Tedeschi, que é também muito conhecida por ser irmã da consorte do presidente francês, Carla Bruni, a qual ocasionalmente canta e encanta) é uma histérica bipolar, megalómana compulsiva, habilíssima a manipular e roubar qualquer pessoa que lhe calhe pela frente. Divorciada de um rico advogado, - traste de alto coturno, de sexualidade transviada -, que continua a explorar financeiramente, ex-companheira de um presidiário em fuga, único homem que a dominou, a rouba, maltrata, lhe urina em cima.
A bipolar megalómana compulsiva encontra no hospício a sua cara metade: uma louca, com metade da sua idade, um aparelho ortopédico numa perna, tatuagens e piercings por tudo quanto é imaginável, que intentou suicidar-se com o filho de meses para que ele não lhe fosse retirado pela Assistência Social (superlativamente interpretada por Micaela Ramazzotti) , que é internada no hospício em regime prisional.

As duas mulheres intentam uma fuga do hospício numa fase de abrandamento do regime de clausura, abrandamento irresponsável, propiciado pelo director, que mantém um relacionamento afectivo em segredo com uma das psiquiatras que acompanha as doentes. As duas mulheres fogem do hospício nos mais variados meios de transporte que encontram ou de que se apropriam, normalmente pela inventiva da megalómana e os ataques de fúria da mãe suicida e infanticida.

Aqui acode-nos à memória cinéfala o magnífico "Thelma e Louise", igualmente duas mulheres numa fuga impossível ao seu passado, num carro - "Thunderbird" azul celeste -, fuga que terminará num voo fatal para o fundo do Grand Canyon.
   
A mãe suicida-infanticida é a demonstração de uma infância infeliz, de pais que nunca a assumiram e a abandonaram. A mãe, abandonou-a a ela e traiu o pai, saltitando de homem para homem, sempre na miragem de encontrar um velho rico que casasse com ela e lhe deixasse em testamento a fortuna. O pai, músico medíocre de jazz, em bares subalternos, abandonou igualmente a filha, que não era capaz de compatibilizar com a sua vida de músico itinerante, embora, roído de remorsos, a fosse auxiliando com algum dinheiro uma vez e outra. Pai ao qual a infeliz se sente em débito por o desconcentrar da sua vida de músico, que supõe brilhante, e pelos eventuais socorros monetários.

Em "La pazza gioia" estamos perante um tragédia tricotada com fios de um humor divertido e cruel que não poupa a sociedade metafórica escalpelizada. Uma espécie de Dostoievski  "all'italiana", tricotado a sangue, que nos leva a compreender por dentro as razões de uma mãe suicida-infanticida.

O cinema italiano, após duas décadas de declínio, a partir sensivelmente dos finais do século XX, retoma as suas tradições ímpares de associar o neorealismo a um humor-sátira sem pausas, onde o estalo e o beijo, a lágrima e o riso se confundem.

Mas, o cinema italiano não detém o exclusivo de fundir as "alegrias loucas". A realidade política, social, ideológica portuguesa replica-a em acordes ibéricos.

António Costa adia para 2018 os aumentos salariais, em nome do bom senso e do equilíbrio orçamental. Sua Excelência Excelentíssima o Primeiro Absoluto nos patamares do Estado Português não ergue a voz, mesmo em surdina, para defender a Arraia Miúda, que jurou defender, embora já tenha espontapeado o direito a aumentos salariais e às Contratações Colectivas dos Educadores e demais trabalhadores da Área do Ensino.

A discussão em torno de 10% de aumento mensal nas pensões de reforma - que na maioria dos casos significa 10 euros mensais - faz-se num atoleiro de demagogias, trapaças, confusão. A voz séria de um economista, Eugénio Rosa, investigador militante no PCP,   tem dificuldade em fazer-se ouvir, dado o escassíssimo tempo que lhe é concedido pelos "mírdia". Enquanto isso, sabemos que 10 euros é um valor que pode ser decisivo para um medicamento ser comprado, ou não, nas farmácias, por casais idosos com pensões baixas. Ou seja, 10 euros é a diferença entre a vida e uma morte adiada.

Também, enquanto isso, tomamos conhecimento que o ex-primeiro-ministro e ex-presidente da República, Escavaco Silva- o estadista mais anos à frente dos "negócios" do Estado Português - parece ter sonegado metade dos impostos que devia ao fisco.

Então, digam-me lá se ficamos ou não atrás do neorealismo italiano na arte de fundir a tragédia e a sátira??...

Resultado de imagem para fotos ou imagens de António Costa
Resultado de imagem para fotos ou imagens de Cavaco Silva




Amplexos confiantes na luta colectiva 

do Leopardo
                   

Sem comentários:

Enviar um comentário