Reflexões do Leopardo

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sábado, 2 de junho de 2018

Aos Amigos...

Confesso que estava a precisar de um escrito para lavar o espírito de tanto esterco que o BdeC e a Casa não sei de quê/agora Casa do Gouxa , mais o neo-nazismo assumido da Administração Trampas e outras javardices a imitar o estilaço, me estavam a toldar a sanidade mental, chegando a pensar em auto-aplicar-me a eutanásia ( com a qual não concordo por razões de fundo ético, social e médicas... ) , da qual me ia sorrindo ao recordar-me de uma velha ex-emigrante de Caminha, entretanto enriquecida nas Francias , que fora ao veterinário com o seu "caniche" de luxo para indagar se o bicho tinha pegado moléstia mortal, e o veterinário a sossegara, afirmando que decerto que não, mas se tivesse agarrado doença letal, agora já existia uma solução indolor para o "caniche": a "atanásia" ( na tradução oral da velha ex-pescadora, agora com bagalhoça e o cabelo pintado a azul ). E foi graças à "atanásia" que me safei da eutanásia, pois quando alguém se põe a defecar em cima da ventoinha a porcaria espalha-se por toda a circundância !

E para me safar da "atanásia" recorri à memória dos Amigos, os quais presentes ou defuntados , são sempre quem nos faz emergir das águas envenenadas da depressão.
E os primeiros Amigos - todos já engolidos pela Negra Ceifeira - foram a Mila, a Dona Fanchisca ( no palrear trapalhão da minha mana ) e o Senhor Inácio.
O Senhor Inácio era o pai desta tríade familiar, caçador de fim de semana, que me deixava ajudá-lo a pôr o deflagador (com uma maquineta verde metálica) no pescoço dourado dos cartuchos - vermelhos, azuis, amarelos, verdes - da caçadeira de dois canos de 12 milímetros. É que saía mais barato carregar os cartuchos em casa que ir comprá-los às lojas prontos a serem disparados ! Ou, então, seria por antecipar o prazer da caçada de fim de semana... E, em troca da minha suposta ajuda, sempre retornava para a minha casa, dois andares mais abaixo, na terça ou quarta-feira seguinte, um coelho ou uma perdiz. O meu espírito, desconfiado desde ganapo, sempre se perguntava se a peça caçada não teria sido comprada numa loja. A marca dos chumbos, um aqui outro acolá, desfaziam a suspeição.
A Dona Fanchisca, redonda e pequena como o marido - era tudo de raça minorca nesta tríada - era senhora de uma paciência infinita para aturar as traquinices repentinas e inconscientes da minha mana, e ia-nos enchendo de torradas ou fatias douradas com canecas de café com leite. E vigiava atentamente as subidas e descidas da minha mana pela escada interna do prédio, escadas de salvação em ferro forjado, que hoje valeriam bons dinheiros, num ferro-velho astucioso ou num antiquário ainda mais astucioso.
Por fim a Mila, de caracóis louros naturais, 5 intransponíveis anos mais velha do que eu, foi a minha primeira paixoneta de infância - evidentemente platónica em absoluto - que foi a responsável por ser o escritor em que me fui tornando, lendo-me histórias atrás de histórias de uns livros de capas duras, com muitos desenhos coloridos. Aquelas histórias continham o Mundo, estava lá tudo: as Cinderelas, as Gatas Borralheiras, o Capuchinho Vermelho que ia visitar a Avó e conseguia desembaraçar-se do Lobo Malvado, o Gato das Botas, o Soldadinho de Chumbo que morria de amores afogado numa valeta, o Bambi.
Creio que nunca tive precisão de inventar mais nada na minha militância de escritor. Acrescenteis-lhe na adolescência, o Alexandre Dumas ( "Três Mosqueteiros", "Visconde de Bragelone" e "D'Artagnan" ) , as imprescindíveis Ilíada ( psicologicamente, em 3 mil anos, os seres humanos pouco ou coisa nenhuma mudaram - estão lá os que combatem pela honra pessoal, Aquiles, os que combatem pelo seu povo, Heitor, os que aceitam a desonra pessoal para recuperar a memória familiar, Príamo, os que abandonam a situação social por paixão, Helena, os que traem por vaidade e efeminação, Páris ) e Odisseia, e o Cavaleiro da Triste Figura ( onde me reconheço com frequência a bater-me contra moinhos de vento ).
Mas, de facto, devo ter encontrado o meu centro de gravidade ( como diria o filósofo Agostinho, do qual Igreja Católica Romana se apoderou, apodando-o de Santo, a ele que nunca saiu do Norte de África, pouco se afastando de Hipona e morrendo a combater, cercado numa fortificação ) na escrevinhação à Mila, pois do 4º andar dela ( o equivalente a um 5º, hoje ) vislumbrava-se uma nesga do Tejo por onde terão navegado as caravelas à procura das Índias Ocidentais e Orientais, exactamente aquela nesga do Tejo de onde partia o paquete "Niassa" para as guerras coloniais no século XX. Foi, portanto, da estreita varanda do 4º andar da Mila que teremos sonhado a ultrapassagem do terrível Adamastor e o teremos cegado...

A minha adolescência terá correspondido ao canto nono dos "Lusíadas", perdido entre as Sereias, não possuindo eu o engenho de Ulisses para me amarrar a um poste e tapar os tímpanos com cera... Além disso, se naufragasse, não me imagino a nadar durante horas com um rolo de papiros debaixo dos braços... Só o meu cadáver aportaria a umas areias africanas quaisquer...

Não os maçarei com a listagem dos meus Amigos - longa, longa - ressalvarei apenas o Garção, no qual tropecei em Moçambique . Ele, com o equivalente a um antigo 9º ano, feito na África do Sul, racista, do "apartheid", onde os negros eram considerados um patamar racial intermédio entre os macacos e os humanos brancos, Garção, craque a jogar râgueby, falando com fluência um "afrikander", e de uma amizade e sinceridade desarmante para comigo. Eu, um tenente fuzileiro da Reserva Naval ( isto é, a carne para canhão), que fora o melhor do meu curso, e que levava nos meus neurónios como militância política e social, transmitir às nossas tropas que eles, os Movimentos de Libertação ( no caso a Frelimo ) é que tinham razão e que a haver confronto armado, por favor fizessem a fineza de não lhes acertar ( decisão melhor de dizer do que de executar ... ).
Nas discussões ideológicas frequentes entre nós, embora sempre amigáveis, nos intervalos dos treinos e mais p'rá frente em casa dele - onde conheci a irmã e a mãe, uma outra tríade, onde estava ausente um pai afável, ausente a trabalhar na Suazilândia - o Garção atirava-me como argumento derradeiro, a olhar-me directo nos olhos e a sorrir : "sinceramente, tu eras capaz de casar com uma preta?..." Eu respondia-lhe, após um pequeno silêncio, e com o ar mais grave que conseguia compor : "Se a amasse, decerto que sim!".
O debate ideológico acabava da forma habitual. A expressão do Garção tornava-se ligeiramente mais séria e encerrava assim : "Eu sou teu amigo, creio na tua sinceridade, mas o que afirmaste, nunca o digas fora das paredes desta casa. Perder-te-iam o respeito."

Decorridas mais de 4 décadas, ainda agora sinto a falta da amizade do Garção, interrogo-me por onde andará mais a sua tríade.


Termino esta pequena purga, escolhendo como imagens-totens para a ilustrar os índios usualmente denominados de "peles vermelhas" que quase foram completamente exterminados pelos colonos oriundos da Europa, e os que escaparam, se encontram confinados em "reservas", pedaços de terreno inóspitos para cultivo, impróprios para os bisontes - principal fonte de sustento dos "peles vermelhas" - e para as suas montadas, os cavalos semi-selvagens "mustangues" .
   

Resultado de imagem para fotos ou imagens do pele-vermelha "Sitting Bull" Resultado de imagem para fotos ou imagens de uma tenda dos peles-vermelhasResultado de imagem para fotos ou imagens de um búfalo norte-americano Resultado de imagem para fotos ou imagens de um cavalo "mustang"


Se forem capazes de montar um mustang e aproximarem-se de um búfalo,

fumaremos um Cachimbo da Paz tutelados por um corvo e uma águia

Leopardo Ibérico


1 comentário:

  1. Não é um comentário é um agradecimento pelos textos que nos ofereces.
    Luís Rodrigues

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