Reflexões do Leopardo

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quarta-feira, 28 de março de 2018

A Dialéctica na Vida e na Ficção - Acto II

Eu teclei na crónica anterior que não é fácil demarcar uma linha de fronteira entre a "realidade" e a "ficção" e continuo a sustentá-lo ( não estava sob o efeito da "cannabis", comprada nas farmácias, em comprimidos, ou cultivada em casa, em canteiros, apesar da intensa propaganda desenvolvida pelo BE ). Com efeito, demarcar esta fronteira entre a "realidade" - as coisas tal como elas são - independentemente da forma como o ser humano as interpreta - as "ficções" - tudo são ... concepções da inteligência humana, elaboradas pela ciência, pela filosofia, pela literatura, pelas artes plásticas, pelo trabalho e pela vida prática dos homens. 

Talvez um leão, um leopardo, um elefante quando atacam ou defendem, não se interroguem sobre o que é real e ficcional, talvez tudo se passe ao nível da sobrevivência pura e simples ( leiam o meu romance-narrativa sobre a guerra colonial em Moçambique , "A Guerra não foi no Cobué", onde "descrevo" uma situação equiparável ), porém não temos acesso directo ao que pensa um desses animais, ditos "irracionais", - se é que este "pensar" é semelhante ao pensar humano - , nós, seres humanos, é que elaboramos "representações"sobre o que, eventualmente, pode ocorrer dentro deles. 

O termo "Dialéctica" deriva do grego antigo ( sim, por que o grego actual, encantado pela frauta de Pã do Syriza, frauta que também encanta o BE , conduziu a Grécia a ser arrastada pela arreata do Grande Capital Europeu , nada resultando de bom para os cidadãos europeus comuns ) designando um método de diálogo cujo foco é a contraposição de ideias que levam a outras ideias. Em tradução literal, "Dialética" significa "o caminho entre as ideias".
Pouco a pouco, passou a significar a "arte", através do diálogo, de demonstrar uma tese por meio de uma argumentação capaz de definir e distinguir claramente os conceitos envolvidos na discussão ( "polemos", ou guerra, de onde deriva "polémica", "guerra verbal" ) , ou a arte da palavra.

Aristóteles considerava Zenão de Eleia, um sofista (490-430 a.C.) , o fundador da Dialéctica. Outros, nomeadamente Platão, consideraram Sócrates (469-399 a.C.) o seu fundador ( como se sabe e Vasco de Magalhães Vilhena exaustivamente demonstrou, dos grandes filósofos, Sócrates, considerado o maior e o mestre de todos os Sofistas, foi o único que nunca escreveu uma linha, talvez por causa da sua concepção de Filosofia: via de conhecimento e elevação moral da "alma", "anima", sopro vital ) . Se se vier a descobrir uma ou várias linhas redigidas pelo punho de Sócrates, pode acontecer que a Filosofia dê uma volta na tumba...

Segundo Platão, aristocrata, conservador, primeiro teorizador do poder político, a "Dialéctica" é sinónimo de Filosofia - que ele teria bebido de Sócrates - e seria a via que parte dos "phainómena", as coisas como aparecem aos sentidos, dados contraditórios que conteriam apenas parcelas do "Ser", para chegar ao mundo das Ideias, mundo do Ser, imutável, eterno, onde o Ser se manifesta em plenitude. 

Heráclito de Éfeso (colónia grega na Jónia, actual Turquia), viveu entre 535 a.C. e 475 a.C., apelidado de o "Obscuro", terá sido o pensador dialéctico mais radical da Grécia Antiga ( o qual se volta a reinterpretar actualmente ) , tendo defendido que os seres não possuem qualquer estabilidade, estão em movimento constante, modificando-se ( concepção que reaparece, por exemplo, no químico Lavoisier, no século XIX ). Ficaram famosos os fragmentos atribuídos a Heráclito de que "um homem não toma banho duas vezes no mesmo rio porque nem o homem nem o rio serão os mesmos".

Heráclito contradizia o filósofo Parménides de Eleia - de famílias ricas, que terá vivido entre 501 a.C. e 470 a.C. - (outra colónia grega no litoral da Campânia, no sul da Itália, ao sul de Salerno) , o qual sustentava que a "essência" do Ser é imutável e as mudanças são ilusões dos sentidos .  Dos fragmentos do seu poema "Sobre a Natureza", em hexâmetros - forma poética influenciada por Homero - descreve duas visões da existência: "O Caminho da Verdade", da "alétheia", "o que é e não pode deixar de ser", "pensamento e ser são o mesmo" ; e o caminho da opinião, da "doxa", "o que não é e não pode ser".
Platão sempre escreveu sobre Parménides com grande admiração e dedicou-lhe o diálogo "Parménides". Não foi o único. O poeta francês Paul Valéry, no século XX, homenageou-o com os belíssimos versos : "Parmenides ma tu percée de cette fleche aillé, qui vole e qui ne vole pas" .

Neste Cosmos ( outra ideia a pedir explicitações, senão tornassem esta crónica excessivamente pesada de filosofemas, mas que podemos tomar pela "totalidade das existências possíveis" )  de palavras-ideias que remetem e dependem de uma rede palavras interrelacionadas. Uma rede de ideias humanas onde se tenta demarcar um caminho, interminável, entre o "real" e o "ficcionado".      


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Mas, não estive para aqui a recordar-Lhes as mutações que o conceito de Dialéctica foi adquirindo através dos séculos - creio que é despiciendo sublinhar o papel central da Dialéctica no pensamento marxista-leninista, o qual revolucionou todo o final do século XIX, o século XX, o século actual e, decerto, os vindouros - para Lhes falar da Ópera "Idomeneo, re di Creta", do genial Wolfgang Amadeus Mozart, sem dúvida amado pelos deuses (que tão cedo o chamaram para junto de si... aos 35 anos). Não viram ? Vissem ! Um público tão culto !!... Aposto que não têm falhado as futeboladas que os "mírdias" , todos os dias, a todas as horas, nos despejam nos neurónios...
É verdade que o Mozart, com o seu "Idomeneo", inventou uma série de novidades a nível instrumental e estilístico - inspirado em Metastasio, o libretista mais famoso do século XVIII - e com esta obra - na qual, por exemplo, levava em consideração cuidadosamente as particularidades da voz de cada um dos seus cantores/as, que conhecia pessoalmente ( não compunha para a voz de um cantor ideal, abstracto ) - começou a libertar-se de Salzburgo, sua cidade natal ( onde nunca mais voltou ... ), e do seu pai, Leopold Mozart, personalidade tutelar, que cedo percebeu que lhe cabia gerir e aproveitar-se - em salários, moedas sonantes, jóias, prendas diversas - do génio que a fortuna lhe depositara nas mãos. Leopold , para além de entender rapidamente o génio do filho e da filha, Maria Anna, a famosa Nannerl - à qual Amadeus escrevia bilhetinhos íntimos a dizer que adorava os peidinhos que a mana soltava durante a noite - , o pai Leopold teve ainda o mérito de habituar os filhos a uma disciplina de trabalho árdua, que terá uma parte de responsabilidade nas mais de 600 obras compostas por Mozart na sua breve vida ( começa a compor aos 5 anos ) e na sua actividade incessante a percorrer a Europa Central em digressões em busca de mecenas e financiamentos como instrumentista - cravo, piano forte, viola, violino - , como maestro e como professor de alunos famosos - entre eles, talvez, de Beethoven - e que lhe proporcionou contactos com personalidades marcantes da época como o "castrato" Farinelli, célebre pela sua voz e pelas peripécias sexuais em que se terá envolvido.

Wolfgang Amadeus Mozart, casou com Constanze (antes "namorara" com a irmã dela Aloysia...) com a qual teve 2 filhos, que faleceram muito cedo ( discute-se agora bastante se as vacinas contra o sarampo, a papeira, a varíola devem ou não ser de tomada obrigatória; o caso da família Mozart é ilustrativo: dos 7 filhos de Leopold Mozart, apenas Amadeus e Nannerl ultrapassaram a infância e Amadeus com a face toda marcada pelas pústulas deixadas pela varíola, marcas que tentava disfarçar com cremes variados ).
Nas crónicas da época existe um rasto de que Constanze não terá sido um modelo de fidelidade a Amadeus Mozart, mas sobre este existe a certeza de que teve inúmeras amantes entre as cantoras e as camareiras com quem trabalhou. Ao certo, sabe-se que Constanze geriu com sensatez os ganhos elevados do marido, que ele, porém, sempre desperdiçava desordenadamente em projectos, festas, amantes, alojamentos, carruagens, vestuário que ultrapassavam o que auferia. 
Como compositor Amadeus Mozart liquidou a barreira entre Ópera 'séria' ( da tradição francesa e inglesa - terá conhecido e sido amigo de Händel, já depois do "divino" se ter naturalizado britânico) e Ópera "buffa" e introduziu a língua e a mitologia alemãs definitivamente na Ópera ( coisas que eu, pessoalmente, jamais lhe perdoarei !... ). 
Mas, eu estive aqui com este parlapié todo não para lhes contar que o "Don Giovanni" (1787) talvez signifique o acerte de contas com o pai Leopold, representado na Ópera no Comendador, que pretende destruir física e moralmente o libertino Don Juan ( Sigmund Freud terá decerto ficado surpreendido ao compreender que alguém, antes dele, terá intuído "o complexo de Édipo" e a necessidade dos filhos "liquidarem" metaforicamente os pais para os superarem ), atirando-o para o Inferno ( há quem interprete esta Ópera como um sinal de ateísmo ou de panteísmo, um deus-matemático/geómetra, até porque Mozart foi assumidamente"rosa-cruz" no final da sua breve vida ), nem para lhes relatar que as suas "Bodas de Fígaro" elevam a Ópera "Buffa" e os personagens da plebe - os criados e as criadas - ao nível dos personagens da nobreza.

Nã senhora, isto tudo foi paleio introdutório para argumentar com Luís Miguel Cintra e com João Mota, maestros, encenadores e actores, líderes indiscutíveis, respectivamente, dos Teatros da Cornucópia e da Comuna.

Ao Cintra reitero que a História do Teatro Português nos séculos XX e XXI não seria a mesma sem ele e a Cornucópia. Assino de cruz debaixo das suas afirmações de que também para mim, quanto mais experiência acumulo e reformulo, maiores são as minhas dúvidas - exceptuando nós essenciais quanto à natureza Socialista-Comunista do Futuro - , nada se me apresenta tudo branco ou tudo negro, tudo me aparece em gradações de cinzentos, e julgo mais importante reflectir sobre as minhas fraquezas.
Assino ainda mais de cruz quando afirma categórico que hodiernamente se pretende liquidar ( eu diria assassinar ) com a "excepção" na realização de um espectáculo ( e eu estenderia a afirmação a toda a Cultura e não apenas às obras teatrais ). O Grande Capital, que se rege pelo princípio absoluto dos maiores lucros, fabrica um fato modelo para que lá se encaixem os criadores existentes, destruindo-os, é evidente, justamente como criadores. 
Igualmente não sinto nenhum conflito geracional. Não é raro entender-me melhor com pessoas da idade dos meus netos do que com tipos da minha idade, que se me prantam defronte como cristalizados no tempo.

Ao Cintra contra-argumento-lhe, porém, que não lhe é possível enterrar a Cornucópia ( nem mesmo ele !... ) para a fazer renascer, no dia seguinte, como uma Fénix. A "nova" Cornucópia manter-se-á para sempre ligada à "antiga" por um cordão umbilical impossível de lhe enfiar o bisturi.

Ao Mota digo-lhe igualmente que a História do Teatro Português dos séculos XX e XXI não é compreensível sem o seu trabalho criativo nem a sua direcção da Comuna.
Compreendo perfeitamente que só aborde uma nova peça quando esta o toca por dentro, quando lhe palpita "a alma".
Percebo que seja contra a classificação dos espectáculos por idades, que considera uma tolice, pois os jovens podem ver tudo o que os atrair nas "pantalhas" das televisões paternas ou, pior, nas "pantalhas" dos híper-ipod's dos quais vivem dependurados.

Todavia, discordo vivamente quando recusa o diálogo com qualquer Partido - mesmo com aquele que tem provas dadas de anos e anos preso e assassinado em todas as masmorras do fascismo salazarento - simulando resolver o problema da Liberdade, afirmando-se a favor de todas as Liberdades, contra toda a opressão, usando a bela fórmula de Fernando Pessoa : "temos saudades é do futuro".
Preconceitos amigo Mota ! Sobretudo, depois de ter confessado que é um ditador para os seus "colaboradores": quem não está de acordo consigo, quem não executa o que lhe manda, Rua !!
Preconceitos amigo Mota ! Quem não dialoga com outros Partidos e pessoas - e, insisto, existem alguns e algumas com demonstrações práticas abonatórias a seu favor - limita a amplitude da sua visão, aceite ou não, as experiências alheias. 


  
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E fico-me por aqui. Esta dialéctica está-me a exigir mais actos ou mais cenas.

Portantos, despeço-me com uma imensa alegria, até ao meu regresso em breve.

O Leopardo    

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