Reflexões do Leopardo

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segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Nas Botas do Caudilhismo

Estou a teclar esta reflexão do meu blogue porque me pediram opinião sobre duas obras literárias. É óbvio que não sou nenhum crítico literário reconhecido no mercado nem alimento qualquer pretensão a sê-lo na realidade, mas, como tão gentilmente me pedem pareceres, nada me custa fazê-lo. Seguir-se-ão mais algumas considerações, pois as palavras são como as cerejas, sobretudo para faladores endemoninhados que até a dormir dialogam consigo mesmos.

Uma delas, "O Monarca das Sombras", de um escritor muito premiado, Javier Cercas, é com muito prazer que boto uns juízos, pois ele escreve como eu... como eu... gostaria de escrever se fosse capaz.
Javier Cercas nasceu em Ibahernando, Cáceres, em 1962. Os seus livros foram traduzidos para mais de 30 línguas, venceram inúmeros e importantes prémios, porém, em lugar de citar alguns dos imensos elogios que lhe são dirigidos, prefiro transcrever excertos do primeiro parágrafo do seu "capolavoro" e dos períodos que se lhe seguem:
"Chamava-se Manuel Mena e morreu aos dezanove anos na batalha do Ebro. (...)  Era um franquista entusiasta ou pelo menos um falangista entusiasta, pelo menos no início da guerra. Nessa época alistou-se na 3ª Bandeira da Falange de Cáceres e no ano seguinte, obtido o grau de alferes provisório, destacaram-no para (...) uma unidade de choque (...). Doze meses depois morria em combate e durante anos foi o herói oficial da minha família.
Era o tio paterno da minha mãe que em criança me contou inúmeras vezes a sua história, ou melhor, a sua história e a sua lenda, de tal forma que antes de ser escritor já pensava que um dia teria de escrever um livro acerca dele. Pus essa ideia de parte justamente (...) porque sentia que que Manuel Mena era o resumo exacto da herança mais vexatória da minha família e que contar essa história equivalia não só a assumir a responsabilidade do seu passado político mas, também, do passado político de toda a minha família, que era o passado de que mais me envergonhava."

Nestas 13 linhas estão, penso, as razões porque me enliei pela obra e por Javier Cercas : de um lado o ritmo ansioso e helicoidal da sua prosa, do outro a experiência pessoal, sofrida na alma e na carne das feridas que nunca cicatrizam. Ou, mais exactamente, uma tecelagem onde os fios do ritmo e da experiência se entretecem numa trama tão apertada que não é possível destrinçar se é a tinta das letras a esborratar, se é o sangue da vida ainda por coagular. Ou seja, a prosa de Cercas restitui-nos a complexidade do ser humano, nas suas contradições, nas suas generosidades e nas suas mesquinhices, num todo sempre completo e incompleto que só a morte interrompe com as suas pausas, os seus silêncios suspensivos. 

A esta obra maior da literatura mundial (em minha húmile opinião, t'á bem de ver) apenas uma reserva pela qual o autor não é responsável : a Editora "Assírio & Alvim" que a traduz para português, segue essa mixórdia do des-Acordo dito Ortográfico ,assinado pelo lado luso pelo sr. Malaca Casteleiro ou Malaca-Castelo-do-Queijo , para a criatura em questão tanto dá.


                Resultado de imagem para fotos ou imagens do escritor espanhol Javier Cercas e da sua obra "O Monarca das Sombras" Resultado de imagem para fotos ou imagens do escritor espanhol javier cercas e da sua obra "o monarca das sombras"

    


A outra obra sobre a qual me pediram parecer - acompanhado da oferta do livro e do conselho de que ia ler "uma das maiores escritoras portuguesas contemporâneas" - é "Pequenos Delírios Domésticos" de Ana Margarida de Carvalho.
É exactamente pela ausência dos traços que apontei em Javier Cercas que não gostei do que li de Ana Margarida de Carvalho : "Chão zero"; "Apfelstrudel"; "A troca"; "Do Inferno ninguém regressa" .
Eu sei, eu sei que os poemas, os contos - juntamente com os "librettos" de uma Ópera ou os diálogos de uma peça teatral, andaimes de obras compósitas - são o que de mais difícil se pode enfrentar numa escrita literária : obrigam à concisão de sintetizar num terreno escasso acervos de ideias, sentimentos, acções complexas; não possuem pela frente as planícies e montanhas da "Guerra e Paz", dos "Miseráveis", dos "Maias", do "Amor de Perdição".
Ana Margarida de Carvalho é licenciada em Direito, jornalista, repetente nos prémios da Associação Portuguesa de Escritores (APE) em 2013 e 2016, vencedora do livro do ano pela Sociedade Portuguesa de Autores em 2017. Trabalhou para a revista "Ler", o "Jornal de Letras", a "Marie Claire" e a SIC ( portanto, uma balsemónica ... ) e foi afastada em condições "vexatórias" ( no entender dela ) da revista "Visão" ( da qual é proprietário supremo o mesmo Balsemão ; a jornalista AMC deve ter esquecido quem é o patrão e quem é o servo, deve ter julgado que os prémios ganhos eram o próprio escudo de Aquiles ).

Em minha húmile opinião Ana Margarida de Carvalho escreve mal ? Não senhora, tem a escrita tensa de uma jornalista ou de um boxeur ( fui um quase, quase campeão de box amador ) : bate sem parar no adversário definido numa sucessão de directos à cabeça, aos queixos, de "jabs", "uppercuts", golpes à nuca ( começados com o punho, prolongados com o cotovelo, ambos ilegais ) , golpes igualmente ilegais abaixo da linha dos calções.
Ou seja, definido o adversário, A.M. de Carvalho nunca duvida de que lado está o Bem, de que lado está o Mal. Tem a ética de um adolescente inteligente: é-lhe fácil discernir a pequenez humana, mas não consegue enxergar a generosidade dos seres humanos; confunde a generosidade com cansaço. 
E um leitor não interpreta apenas uma obra literária, convive com o escritor que tenta adivinhar por trás. Pretende uma comunidade de espíritos, sentimentos, precursores da acção.

Para terminar em "deminuendo", o que gosto mais nos "Pequenos Delírios Domésticos" é a capa do livro que figura talvez uma casa alentejana da classe média com uma lareira ao fundo.

Zeus sabe o quanto me custou redigir esta reflexão, pois A.M. de Carvalho é filha de Mário de Carvalho, um dos escritores portugueses da minha eleição, do qual devo ter lido toda a obra. Assim, sigo o conselho do M.C. e da sua obra - meu livro de cabeceira - "Quem disser o contrário é porque tem razão" : devo ter lido os "Pequenos Delírios..." em dia não, o meu clube de futebolês deve ter perdido, não enjorquei o tintol ou a aguardente velha suficiente, a A.M. de Carvalho será a maior !...
De qualquer forma sei que já caí nas suas más graças ( li atentamente uma entrevista que deu ... ) e padeço da maleita nacional de invejar, invejar, invejar os verdadeiramente Grandes que triunfam. Que a Virgem, os Três Pastorinhos, a Oliveira Sagrada e o Santo Padre me protejam !...


Resultado de imagem para fotos ou imagens da escritora portuguesa Ana Margarida de Carvalho Resultado de imagem para fotos ou imagens da escritora portuguesa ana margarida de carvalho


Para me expurgar de tanto maldizer deixo-Vos um excerto de um poema, cantado pela Ana Moura - mas também por outros como o Camané - pelo qual me enliei :


                                                 Tens os olhos de Deus
                                                E os teus lábios nos meus
                                               São duas pétalas vivas
                                              E os abraços que dás 
                                             São rasgos de luz e de paz
                                             Num céu de asas feridas
                                            E eu preciso de mais
                                           Preciso de mais

                                            Dos teus olhos de Deus
                                           Num perpétuo adeus
                                          Azuis de sol e de lágrimas
                                         Dizes : "Fica comigo
                                        És o meu porto de abrigo
                                       E despedida uma lâmina !"
                                      não preciso de mais
                                     Não preciso de mais

                                       Embarca em mim
                                      Que o tempo é curto
                                      Lá vem a noite 
                                     Faz-te mais perto
                                    Amarra em mim
                                   Que o tempo é curto
                                  Embarca em mim


A quem me esclarecer sobre quem escreveu o belíssimo poema, que cantores já o cantaram ou lhe descobrir erros mesmo ortográficos, ofereço-lhe - não lapiseiras, balões coloridos ou sacos de plástico - mas, transcrevo o resto do poema com toda a minha solidariedade.

Do sempre confiante e profundamente alegre

Leopardo  



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