Reflexões do Leopardo

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terça-feira, 22 de novembro de 2016

"Cabaret's"

No resultado da contagem dos votos das eleições cowboys, Hillary Clinton contabiliza, parece, mais 1 milhão e 166.000 votos que o Trampas. É verdade que no sub-continente estado-unidense, com cerca de 300 milhões de habitantes e, talvez, cerca de 150 milhões de votantes, um milhão representa apenas 1 % dos cidadãos votantes... ninharias... mas, enfim, levaram tantos dias a contá-los, que se pode concluir que no país dos cowboys é mais fácil contar vacas que votos. 
Quanto ao Trampas , que ainda não é legalmente presidente, já se permitiu ameaçar um crítico teatral por este criticar um espectáculo norte-americano que considera apoiar o indefensável genocídio que o Estado sionista de Israel leva a cabo nos territórios palestinos na Faixa de Gaza. E o Trampas exige mesmo ao dito crítico teatral que apresente desculpas públicas ao tal espectáculo. Hitler, em seu tempo, praticou "diktat's" semelhantes ao de Trampas. Afinidades afectivas...

Na mesma linha do praticó-concretamente (expressão felizmente respigada do anonimato  por Lobo Antunes) o MI.5  - sigla dos serviços secretos ingleses, com fama de serem dos mais eficazes do planeta - já possui legislação que lhe permite, legalmente, invadir mensagens pessoais de qualquer telemóvel ou e-mail pessoal de qualquer habitante da Terra.
Técnica de espionagem invasiva que me parecia inacessível pela impossibilidade prática de analisar em tempo útil uma tal enxurrada de informação. Oliver Stone, no seu filme "Snowden", mostra-nos que tal é credível devido ao avanço de técnicas automáticas de filtragem da informação.

Ontem, uma representante de uma ONG a trabalhar no Egipto, temporariamente em Portugal, aos micros da Rádio, Antena 1, queixava-se que no Egipto, actualmente, "são proibidos os ajuntamentos de mais de 10 pessoas, desapareceu o direito a opiniões livres, todos sentem medo de usar expressões que saiam fora do discurso oficial e, por isso, serem presos subitamente, que agora a luta é pela sobrevivência económica (situações que os portugueses conhecem intimamente das vivências anteriores ao 25 de Abril)
Ou seja, o mundo trumpetiza-se ou trampetiza-se !

No pólo contrário a este correr e discorrer de acontecimentos, um português foi nomeado para ser candidato aos Grammy's (soube-o também pela Rádio, Antena 1). Não fixei o nome do cantor (as minhas desculpas!), homem simpático, modesto, que em lugar de enfatizar a sua prestação (como é habitual praticar-se hoje...) p referiu homenagear a geração de cantores à qual considera dever a sua formação: Max, Francisco José, Toni de Matos, etc, etc. Encantadora a modéstia, a generosidade deste cantor que puxa para os holofotes da ribalta nomes que julga mais importantes que o seu, como, por exemplo, o de Mariza . 
Daqui lhe desejo veementemente que lhe seja atribuído o Grammy.

Também completamente no pólo contrário ao trumpetismo/trampetismo em voga, devo referir  as "Conversas Com o Público" havidas no "Foyer" do TMJB, em Almada, e depois continuadas no magnífico espectáculo "Cabaret Alemão".
Primeiro, no "Foyer", depois, na sala de jantar do Teatro, o diálogo com o público processou-se liderado pela escritora Luísa Costa Gomes, pelas encenadoras/or e actrizes/or Maria Rueff, Sofia de Portugal, António Pires.

Antes de prosseguir, justifica-se citar uma óptima introdução de Mário Vieira de Carvalho : "Há quem aponte o Cabaret Artistique de Rudolf Salis (1880) como momento fundador do cabaret . Pouco depois chamava-se Chat Noir e pertencia a Aristide Bruant, um dos mais célebres comediantes do novo género (cujo Aristide, se a memória não me atraiçoa, vi num filme, em tempos da minha adolescência, em Caminha, a interpretar a personagem do Fantômas). Era uma taverna (cabaret) como qualquer outra, mas que ganhava uma nova qualidade: um lugar onde se fazia arte. Essa qualidade já era certamente inerente a esse tipo de local, e desde tempos imemoriais, se pensarmos que a taverna sempre terá proporcionado manifestações mais ou menos espontâneas, de carácter mais ou menos artístico, incluindo recitações de poesia e música. Bocage seria um cabaretista "avant la lettre?".

Estavam a gostar, não estavam?... Então vão assistir-participar às últimas representações do "Cabaret Alemão", no TMJB !

Como ia a dizer, os artistas acima elencados receberan-nos no átrio do Teatro e desataram a bombardear-nos com verdades como punhos:
Luísa Costa Gomes - "O comício não deve entrar no teatro. A linguagem do comício é o mais unívoca possível: diz ao participante o que deve pensar. A linguagem do teatro é equívoca, desperta vários significados, interroga, pretende pôr o espectador a pensar por si.
Maria Rueff - "Vivemos tempos em que é preciso lembrar o óbvio. Saramago dizia que a Humanidade não é flor que se cheire. A improvisação, o cómico aprende-se no palco, é um trabalho colectivo, é o resultado de ensaios sem fim,  horas e horas, tentativas e erros. Herman José ensinava-nos, contem-te, retém a tua palavra-chave, se for proferida fora do tempo exacto, o seu efeito perde-se."
Sofia de Portugal - "Chegámos a uma situação em que nos sentíamos esvaziados de conteúdo, mas nem sequer podíamos revelar que éramos censurados, tinham-nos tirado o pio. E o machismo dominante atingiu em primeiro lugar as mulheres, éramos as primeiras a ser despedidas, éramos mortas em vida. Tenho duas filhas em casa que preciso de alimentar, educar..."
António Pires - "Não somos nós que vamos ter com os textos, são os textos que vêm ter connosco. Apaixonamo-nos pelos textos. Não se pode representar um texto em piloto automático, temos de vivê-lo, recriá-lo".

Riquíssimo, não é? Pois, se os dinamizadoras/or das "Conversas" estavam à espera de um público passivo, tímido, temeroso de se expor, enganaram-se. Almada é Almada . Tem os seus pergaminhos, a sua história municipal, assaltou o terrível forte de Almada e esquartejou o seu cruel director ainda durante a monarquia. A revolta de Almada durou pouco? Enquanto durou foi uma chama!  O público das "Conversas" daquele dia arregaçou as mangas e vá de ripostar à mesa das dinamizadoras/or com as suas experiências, as suas opiniões próprias, quase sempre para corroborar o que tinha sido expendido, mas a partir de vivências pessoais... apaixonadas.
Uma das intervenções do público, sublinhou que não devendo ser certamente a peça teatral uma paráfrase do discurso político, a esfera do político não deve ser imaginada fora da esfera teatral, dado que qualquer peça de teatro reflecte melhor ou pior uma consciência de classe (reaccionária, revisionista ou revolucionária) e qualquer consciência de classe é portadora de uma visão da sociedade, de valores éticos e ideológicos. Atrevidote o público daquele fim de tarde...

Não me é possível sintetizar o espectáculo da noite ( e não creio que seja possível para quem quer seja por muito dotado que for, pois se fosse possível era dispensável o palco; o teatro - ainda que Shakespeare, Molière, Brecht, Samuel Beckett, Dario Fo, Tchekhov, Gil Vicente, Bernardo Santareno - vive-se em cima das tábuas ). Após o espectáculo da noite, Maria Rueff deu início ao verdadeiro exercício de improviso, trabalho de equilibrista em cima do arame, a muitos metros do solo, sem rede: passeou-se entre as mesas, provocando inesperadamente os espectadores em momentos de humor crítico irresistível.
Sofia de Portugal, afirmou que ela seguia rigorosamente os textos, ensaiados vezes sem fim, mas só os textos, nada mais que os textos. Improvisar, improvisar apenas com a Rueff, emérita em todas as artes de representar. A Rueff improvisa e ela, Sofia, tenta acompanhá-la, segura de seguir piloto seguro.
Devo teclar que tenho as maiores dúvidas em dar crédito às modestas afirmações de Sofia, pois já a vi representar várias feitas, conheço um dos encenadores com o qual trabalha frequentemente, José Peixoto, director, encenador e actor do Teatro dos Aloés, e o Zé confidencia-me que nunca dorme descansado quando trabalha com a Sofia, visto que ela, de récita para récita, altera sempre as actuações. Todavia, já se sabe que isto de artistas são todos um pouco marados... e eu também o sou por querer indagar onde reside a realidade real.

E como tenho estado a falar da difícil arte da comédia - fazer rir é mais difícil que puxar a lágrima - não posso terminar sem referir o novo folhetim das Rádios e Tv's: saber se o senhorito que dirige tão mal o Sportém, o sr. B.de.C. cuspiu ou soprou fumo de cigarro electrónico para as fuças do sr. presidente do Arouca. Confesso que não sabia que soprar fumo de cigarro electrónico para a cara de alguém era uma manifestação nova de delicadeza cívica e amizade desportiva. Porém, o presidentezito do Arouca, que também não é flor que se cheire, enviou uma carta ao SCP, justificadamente prestigiado até à direcção de B.de.C., carta na qual aconselhava vivamente uma lipo-aspiração ao corpo de B.de.C., porém não seria de admirar que encontrassem a caixa craniana vazia de conteúdo. Em suma, os presidentezinhos em questão estão bem um para o outro... ao nível da sarjeta.

E finalizando de vez esta edição do blogue: discordo frontal e profundamente da afirmação de Saramago, segundo a qual "a Humanidade não é flor que se cheire". Frase de fino recorte literário e cínico, todavia não leva em linha de conta a longa linhagem de vivências generosas, altruístas, dadivosas que há milénios consideram os outros homens, todos os homens, como seus irmãos.


Desta feita deixo as habituais fotos para a próxima edição.

Cordialmente do

Leopardo

      

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