Reflexões do Leopardo

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quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Singularidades Caminhenses

Não sei se alguma feita calhou eu asseverar de forma absolutamente objectiva que a Vila de Caminha ostenta certas singularidades da Natureza Humana e da Natureza Não-Humana que a colocam a par das duas capitais da Nação : a Ulisseia e a Invicta.

Por exemplo, dia 14 de Agosto, Domingo da Graça do Senhor, amanheceu nebuloso, mal se languçando a fronteira onde confluem as águas do Coura, do Minho e do Atlântico. Não estarão mais de 14, 15 graus na praia de Moledo. Assemelhável só na barra da Foz ou no estuário do Tejo.

E, é claro que estas idiossincrasias da Natureza Não-Humana encontram correspondências na Natureza Humana.
Começarei pelas singularidades da minha hospedeira, a Dona Cacilda, a minha hospedeira não é bem uma caminhense de gema, ela possui as suas propriedades de trabalho - uma residencial e um restaurante, "O Forno" - em Seixas, a uns 4 quilómetros de Caminha.
A Dona Cacilda e a minha pessoa divergem em nós cruciais de considerar a Vida, mas, para além de sempre me ter tratado a fatias finas de pão-de-ló e copos de leite, eu sentia-A voltar extenuada do trabalho no "Forno", às 3 da madrugada - uma réstia de luz, provinda de um longo corredor comum, coava-se por baixo da minha porta - e, pelas 7 e tal da matina, a Dona estava de novo a pé para mais um dia de labuta igual ao anterior.
E este sentido de responsabilidade em relação ao trabalho eu respeito. Compreendo mesmo que inicialmente, quando me queixei que tinha centopeias enormes e de vitalidade feroz a passear no quarto e casa de banho (por desgraçada ventura no meu rosto, enquanto dormia), a Dona tenha fingido ignorar o que eram centopeias, quando, à medida que a estadia se foi prolongando, Dona Cacilda revelou que poderia escrever um tratado sobre a matéria "centopeias". Que diabo, a minha hospedeira necessita de manter a residencial a funcionar e as centopeias de Seixas não são fáceis de liquidar no corpo a corpo !

Só senti a Dona Cacilda mais aliviada, no dia em que me vim embora (16 de Agosto), dia no qual resolveu conceder umas curtas férias a ela própria. Confessou que estava tão cansada das centopeias quanto eu próprio. Não sabia o que havia de fazer às bichas para, pelo menos, as manter debaixo do solo minhoto. Porém, só o sentir-se de férias durante uma semana, rejuvesnecia-A, emprestava-lhe um ar mais iodado e sorridente.

Outras singularidades humanas do concelho de Caminha serão porventura menos simpáticas ou respeitáveis (para quem as interpreta da minha óptica). Por exemplo, o bombeiro Baptista, sentado numa pequena roda de outros bombeiros, sempre com uma "minie" nas mãos ossudas de veias salientes, sempre às palmadas nos seus joelhos e dos companheiros, nunca parou de falar. De que falava ele ? O conteúdo da matéria discursiva não se destacava pela coerência, era mais pela eloquência daquelas exclamações em que abundantes lusitanos são vezeiros: "Porra, Caralh., Fod.-ssse. O todo era escandido numa espécie de cantilena essencial para manter a unidade e a força da Vida.
Uma volta por outra, levantava-se numa tentativa desesperada de conquistar novo elemento para a roda ou para obsequiar pessoa que entendia de grado. A todos propunha uma "minie", sendo o resultado frequente os passantes oferecerem-lhe uma cervejola para se livrarem dele. Não se livravam, porém, da tal trilogia de obscenidades ululadas, acompanhadas de sacudidelas enérgicas dos órgãos situados entre as pernas. Talvez, aquela actividade frenética e contínua, seja atestado de um bombeiro empenhado.

Contudo, no capítulo das singularidades, as coisas pioram. Outra das singularidades é o Hulk. Só lhe falta ser verde, mas tentem imaginar (não é fácil !) uma bestiúncula  de um metro e sessenta e pouco, cento e quarenta quilos de peso, barba eternamente de 3 dias numa queixada prognata,  a marchar como uma chaimite aos solavancos e, depois, quero ver se se riem!... Se a bestiúncula nos manda uma barrigada, um maltês como eu executa vários mortais de costas para trás antes de se estatelar desmaiado no lagedo.
Por isso muitos caminhenses o cumprimentavam  sem nunca parar e desviando-se !... 
Qual a actividade em que o Hulk caminhense se distingue? Enterros. Vai à frente, segura a cruz que suporta o Nazareno metro e meio acima de qualquer cabeça, vocifera qualquer coisa.
Primeiro pensei que não teria sido boa opção terem seleccionado o Hulk para liderar o desfile, todavia, repensando, avaliei que isto, num negócio de almas a render para o Céu, o Hulk será a escolha certa. A bestiúncula representa a guarda-avançada dos energúmenos contra o Maligno. E a força do adversário mede-se pela força que é necessário opor-lhe.

Mas o Hulk é uma figura caricata, boneco de feira encerrado no castelo fantasma para assustar as crianças, comparado com a tropa fandanga que se segue. É uma equipa de meia dúzia de artistas a operar na esplanada do centro da Vila, praticó-concretamente em frente ao palco das grandes cenas musicais, dançantes, etecetera e tal.
De início, confundiram-me as ideias trocando "blagues", em estilos pessoais diversificados, de gosto duvidoso, a atirar para a cueca, dedicadas a trintonas encalhadas nos afectos ou "motards" truculentos, que se expressam monossilabicamente a exigir "loiras". "Trouvailles" da tropa fandanga da equipa de empregados que serve na tal esplanada que podem ser avaliadas pela "boutade" de um deles: "Esta esplanada só me faz pensar em sexo, nunca estou parado".
Até à noite, em que um deles, com as fuças de um garoto da primária com várias repetências e trabalho de reforço escolar nas férias, a simular o chico-esperto, vai de gritar alternadamente "Viva o Poder Popular !" , "Viva o Rei !", Viva a Raínha !" "Temos escritor comuna infiltrado na esplanada !", ao mesmo tempo que apontava directo para mim.
No primeiro momento julguei que se tratava de brincadeira desadequada, pois isto de me taxarem de comunista pareceu-me elogio desproporcionado, dado que uma pessoa faz o melhor que pode, porém, daí até merecer o qualificativo, vai um salto. Ainda tentei galhofar, falei em Vladimir Ilyitch Ulianov, tratado na infância pelo diminutivo carinhoso de Volodia, ou em Josef Vissarionovitch Stalin, conhecido e estimado em Portugal, entre o proletariado por Zé dos Bigodes.
Mas, não se tratava de galhofeirice desadequada da equipa de empregados da esplanada. O que aquilo era mesmo era uma denúncia e acusação pública de um pensamento e actividade consideradas injustificáveis neste Portugal resultante do 25 de Abril. Uma denúncia e acusação ao nível dos subterrâneos do fascismo salazarento, denúncia e acusação de claro fedor pidesco, a tresandar aos sovacos da António Maria Cardoso. Aquela equipa de empregados da esplanada, que se gabam constantemente de serem diferentes, de facto são diferentes: são uma secção ( e, apostava dobrado contra singelo, auto-promovida e graciosa) do SIS, a bufar pelo gozo inaudito de bufar, de espionar ao nível do traque.
Quer dizer que para Sul, não existem bufos a soldo? Claro que existem, sempre existiram. Mas, entre os "Mouros", ninguém gosta ou se gaba publicamente de ser um bufo. O "ambiente" social não o tolera.

Quando esta Europa dos Patrões der o berro, - e dará, mais cedo que tarde - o que é eu, Leopardo, proponho? Exterminar-lhes a existência física no Paredão? Não senhora. Parece-me mui insuficiente. Se pudesse prolongava a existência dos Grandes Bosses, obrigados a cumprir trabalhos cívicos, por exemplo nos incêndios que têm devastado o País. Vigiados por quem? Por estas secções de bufos auto-promovidos a espiõeszecos do SIS, que os vigiariam de azorragues nos punhos. Esta pulhice humana passa-se sempre para o lado de quem assume o poder.

Mas este ambiente sufocante da espionite de traque e sovaco é a maior das sequelas - ora denominam-se de "danos colaterais"- do actual capitalismo? Infelizmente não é. A sua ideologia e as suas cassettes impregnaram a mente das Donas Caçildas que são incapazes de conceber que a sorte de uns não seja resultante da miséria de outros. Não são capazes de imaginar uma Sociedade em que todos ganhem com o trabalho comum.

Voltarei decerto a Caminha, após refazer-me deste verão decepcionante. Não deixarei o terreiro esvaziado para esta estes piolhos humanos aumentarem a sua pré-primária retardada.           


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do Vosso Leopardo

que se sente órfão de Caminha

sentimento do qual recuperará


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