Reflexões do Leopardo

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segunda-feira, 30 de abril de 2018

O Dia D

O meu "Dia D" só podia ser, claro está, o Dia 25 de Abril ! Qual carapuça, o desembarque aliado na Normandia, no fim da 2ª Guerra mundial !... Quem derrotou e destruiu as bárbaras hordas hitlerianas foram os Exércitos Soviéticos, liderados por Stáline/"homem de aço , habitualmente figurado pelos "mírdias" "ocidentais" como um ditador sanguinário, Ióssif Vissariónovich Djugachvíli , de vulgo conhecido pelo carinhoso nome de "Zé dos Bigodes" entre os proletários do planeta .
As perdas contabilizadas em vidas humanas do lado russo e do lado "aliado" são suficientemente expressivas : 22 milhões de seres humanos russos ( mais de duas vezes a população total portuguesa ) e 138 mil norte-americanos ( cerca de 2 % da população população portuguesa ). O cálculo da população ferida faz-se por estimativa, multiplicando por 3, o que dá para os russos 66 milhões e para os norte-americanos 414 milhares de pessoas. Isto é, numa população total de 300 milhões, os russos sofreram vítimas em cerca de um terço do global, e os norte-americanos menos de 0,5 porcento do mesmo global de 300 milhões.
É óbvio que nas guerras a primeira coisa a morrer é a Democracia! Qual Convenção de Genebra, quais Direitos Humanos... As Guerras não são duelos entre dois nobres enfarpelados elegantemente, que se defrontam segundo regras precisas, tutelados por padrinhos, para decidir de razões de honra.
Não, as Guerras são travadas por Estados ou por Classes Sociais para defender ou aumentar poderes económicos e nelas vale tudo - a espionagem, a traição, a prostituição, a corrupção, a mentira, a boataria - terminam transitoriamente ou por períodos mais extensos, quando as partes em contenda, à medida que vão fazendo as contas, consideram que não conseguem melhor.
As Guerras não se travam sem que os seus líderes, tanto os que vencem como os que são derrotados, fiquem de luvas brancas imaculadas de sangue. Também é sabido que, sobretudo a partir da 1ª guerra mundial , o grosso das vítimas se abate sobre a população não-militar e, em primeira instância, sobre as raparigas e mulheres, que se forem só violadas é uma sorte, pois em muitos casos são violadas e mortas, liquidando-se de seguida a vítima e a testemunha.
No tempo dos concheiros , em que os clãs viviam em grutas e se alimentavam de mariscos variegados por serem mais fáceis de recolher, os testemunhos gráficos que restam indicam que os clãs se digladiavam até ao extermínio total do clã oponente, pois não existiam reservas alimentares nem para alimentar escravas bonitas...   

Mas, voltemos ao "meu" Dia D de 2018, que foi de facto no dia 27 de Abril.2018, sexta-feira, numa Escola Elementar ( até ao 12º ano escolar ) em Colares, na linha de Sintra.
Nunca me tinha sentido tão mal preparado para uma acção de esclarecimento, pois não tinha ideia se ia encontrar alunos de 8 ou de 18 anos, se já tinham passado por outras acções semelhantes e de que tipo, quais constituíam os seus interesses predominantes. 
A minha contribuição tinha-me sido pedida pelo camarada Marcelino, o qual eu não conhecia ( o meu nome fora-lhe sugerido pelo camarada Brissos ) , o qual, ex-técnico de aeronáutica, estreitamente vigiado pela pide/dgs durante a ditadura fascista de Salazar e Marcello Caetano , estivera preso em Peniche uns longos 4 anos.
O camarada Marcelino falaria à rapaziada nova da sua experiência vivida, da sua prisão, da forma como sentira o 25 de Abril.
A minha presença justificava-se a título de um capitão de Abril ( na verdade um ex-oficial fuzileiro da Reserva Naval que tinha combatido na guerra colonial em Moçambique ) que integrara o Conselho da Revolução e pertencera à famosa 5ª Divisão.

Como já teclei, na véspera, numa azáfama, tinha seleccionado uns livros de poemas e uns contos que Maria Eugénia Jenny Cunhal ( a irmã de Álvaro Cunhal ) gentilmente me dedicou e ofereceu, o portentoso e invulgar na literatura mundial "Até Amanhã Camaradas" do camarada Álvaro Cunhal, romance neorealista inicialmente assinado sob o pseudómino de Manuel Tiago, com as ilustrações, obra-prima, de Rogério Ribeiro.
Todavia, os meus preciosos "in folios", as revisões mentais que ia fazendo às minhas recordações da época, não davam descanso às preocupações com o público que ia enfrentar.
A primeira coisa que me surpreendeu foi a beleza do local em que se situava a Escola, no topo de uma colina, da qual se dominava um vale luxuriante. Como comentaria depois uma professora, "rodeado daquela beleza, nenhum aluno podia ser infeliz !" E o silêncio ?... Ouvia-se  o silêncio !... Se um pardal cantasse, a gente identificava-o, podia atribuir-lhe um nome !
Afinal, os 80 alunos/as que nos esperavam num esplêndido salão polivalente com um palco num dos extremos, tinham idades que oscilavam entre os 13 e os 17 anos, e foram os heróis do debate-convívio. Cerca de 3 horas num disciplinado debate, com questões incisivas a partir do 25 de Abril, das guerras coloniais, do Ensino no tempo da ditadura fascista-salazarista, das prisões de Caxias, de Peniche, até do Tarrafal/"prisão da morte lenta" e da aterradora "frigideira" , debate que apenas foi terminado porque, de seguida, o palco ia ser usado para uma peça dançada por alunos mais novos.

Não sei se o Marcelino e eu demos conta do recado. O Marcelino focado em transmitir-lhes o rigor das informações que dava, em falar-lhes do miserável traidor Lindolfo ( "rachado" na terminologia progressista da época ) que metera nas mãos da pide/dgs  cerca de 400 militantes afectos ao PCP, ou seja, quase toda a Organização do Oeste e em reiterar que o 25 de Abril foi uma Revolução única na História Humana, porque se desenrolara de forma inteiramente pacífica, com cravos enfiados nas G3. Enfim uma Revolução fruto e triunfo de um ideário pacifista.

Eu devo dizer que contrariei bastante esta concepção, porque dentro das G3 existiam balas ( os cravos foi uma ideia feliz de uma vendedeira de flores, que resolveu ofertá-los aos militares revoltosos !... vendedeira que bem se teria amolado se a sorte tivesse sido contrária... ) , balas que não foram disparadas porque as tropas reaccionárias apoiantes do regime salazar-caetanista  se acobardaram e não atiraram sobre os militares de Abril. E frisei que por trás do 25 de Abril de 1974 existiam 13 anos de guerras coloniais, em 3 "teatros" de guerra, com um número incontável de mortos, estropiados, desfigurados, deprimidos psicologicamente ( o que hodiernamente se denomina de "stress pós-traumático das guerras" ) famílias desfeitas, portugueses evadidos para uma emigração forçada, a fim de não participarem nas citadas guerras.
Contrariei ainda este mito de uma Revolução inteiramente pacífica, porque no próprio dia 25 de Abril a pide/dgs assassinara a tiro 4 portugueses que ousaram passar em frente das suas instalações na Rua António Maria Cardoso, ao Chiado, em Lisboa, contrariei ainda porque existiam acordos - na altura mal camuflados - entre oficiais infiltrados no MFA ( o capitão-tenente Alpoim Calvão, dirigente do ELP/MDLP e o general Spínola , autor do livro "Portugal e o Futuro" ) para que a pide/dgs mudasse de nome, mudasse de director ( assegurando a evasão a Silva Paes para o Brasil ou outro país "amigo" da América Latina ), porém, no essencial, subsistisse nas suas funções terroristas que tão bem desempenhava, os comunistas não fossem libertos, etc, etc.
Contrariei ainda esta concepção de um 25 de Abril inteiramente pacífico, porque, por mais de uma vez, em 44 anos, as forças reaccionárias estiveram organizadas, fortemente armadas, para saírem a terreiro e dizimarem os comunistas e militantes progressistas, atacando nomeadamente baluartes tradicionalmente convictos na margem sul do Tejo e Alentejo.
Um dos alunos perguntou-me, acutilante, "quando tinha tido a certeza que o 25 de Abril tinha triunfado". Respondi-lhe que "ainda hoje a não tenho; que ao 25 de Abril ninguém o pode apagar da nossa História nacional ; que desencadeou um tremor de terra que abala o País de norte a sul e Ilhas ; mas que é uma Revolução em processo cuja evolução deve ser militantemente acompanhada pelos seus defensores. 

Outra pergunta pertinente de um aluno foi o que sentira quando matara, olhos nos olhos, um moçambicano adepto da Frelimo ( a "minha" guerra foi em Moçambique... podem encontrá-la na narrativa mui pouco ficcionada "A guerra não foi no Cobué" ). Respondi-lhe a verdade: nunca o tinha feito, fizera sim todo o possível para não lhes acertar, todavia as balas de uma G3 viajam 1 quilómetro com um poder letal, e às tantas já tem sucedido, na trajectória descendente, acertam e matam uma cabra. Respondi ao aluno que se tivesse morto um reaccionário, olhos nos olhos, por razões para mim muito fortes, ainda hoje acordaria com pesadelos.
Aliás, quem entra numa guerra, jamais sai dela. As recordações da guerra, mais ou menos retocadas pela distância no tempo, perseguem-nos vezes sem conta. É vulgar continuar a encontrar participantes nas guerras coloniais portuguesas, com opções ideológicas diversas, dependurados de lianas, G3's fumegantes, a congeminar que se tivessem feito assim ou assado, outra teria sido a sorte da guerra. Tontice não é ?... Mas, é desta massa que todos somos argamassados. A menos que nos tenha calhado o cérebro e a sensibilidade de um réptil...  

Esta noite, véspera do 1º de Maio, fico-me por aqui. Os professores, mentores destes magníficos alunos, diziam-nos que tínhamos encerrado com chave de oiro. Gostava que tivessem razão. Para mim resta-me um renque de cravos, dois floridos e quatro em botão e a certeza que daqui a um ano, se estiver vivo e voltar a ser convidado, irei de certeza à Escola Elementar de Colares .

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