Reflexões do Leopardo

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sábado, 21 de abril de 2018

I Capuleti e I Montecchi

Confesso que estive divido para homenagear o dia Mundial do Teatro entre a Ópera magistral  " I Capuleti e I Montecchi"do siciliano Vincenzo Bellini , apresentada no Teatro Nacional de São Carlos, ao Chiado, e a peça "Morte de um caixeiro-viajante", encenada de forma magnífica por Carlos Pimenta e interpretada de forma excelente por um elenco de actores e actrizes a quem dou os parabéns de imediato.
Acabei por me decidir pela espantosa obra de Bellini por um conjunto de razões: a primeira, inteiramente subjectiva, porque coloco acima do meu bem amado Teatro "i drammi per musica", ou seja, a Ópera lírica, "séria" ou "buffa" tanto se me dá ; a segunda, porque Vincenzo Bellini foi um génio musical - que antecedeu em alguns anos outro génio musical, o irreverente Wolfgang Amadeus Mozart , aquele que dedicou bilhetinhos afectuosos às emissões sulfurosas nocturnas, vulgo peidinhos, da sua irmã Nannerl ( outra menina prodígio da música... ) - o qual, como Mozart, conheceu a glória muito jovem, e morreu aos 34 anos, também como Mozart, muito jovem e em circunstâncias rodeadas de mistério ( uma tentativa digna de retratar a sua vida e morte, seria um óptimo pretexto para uma nova Ópera... ), dando razão aos que sustentam que aqueles que os deuses amam chamam cedo para junto de si (decididamente não é o meu caso!...) ; "tercius" , porque todo o elenco do Teatro Nacional de São Carlos - cantoras/es solistas, o Coro e o seu maestro, o meu amigo Giovanni Andreoli , o maestro, a Orquestra, o desenho de luzes, a responsável pelos figurinos, a cenografia, os cenários, adereços e guarda-roupa, os figurantes - representaram de forma ímpar "il capolavoro" de Bellini ; "dopo" porque importa desfazer o equívoco que consiste em inspirar o "libreto" da Ópera  na famosíssima peça do mastodôntico Shakespeare , quando ela, na realidade, foi uma transformação da tragédia "Giulietta e Romeo" , de um tal Luigi Scevola (1818) - dos 834 versos do libreto original foram usados apenas 229 versos, aos quais se acrescentaram 350 novos versos, subtraídos personagens importantes tradicionais, etc, ... processos perfeitamente aceitáveis na época ... sem que se fosse acusado de plágio... ; ainda, porque, numa récita de 1835 ( faz quase 200 anos patrásmente ), o papel de Tebaldo foi interpretado no São Carlos de Lisboa por um tal Giovanni Storti que pode bem acontecer seja um antepassado da minha família ; "quartus" , porque a Ópera catapultou de imediato Bellini para o topo da fama, sendo as récitas interrompidas por inúmeras ovações e o compositor transportado até casa "ao som de música e à luz das tochas" ( mais um sinal de que os deuses ainda nem para mim se dignaram virar as vistas ... ) ; "quintus" , ( perdoar-me-ão, mas a linguagem profissional da tauromaquia possuí sobre mim um magnetismo ao qual não consigo resistir ... aqueles toques de clarim, para mim, são ordens ! ) porque Bellini introduzia tranquilamente ( com muitos sobressaltos na alma... ) na Ópera modificações substanciais quer quanto à substância da história representada, quer quanto à arte musical : os principais personagens da Ópera principiavam a deixar de ser reis e imperadores e tomavam o seu lugar os "camarieri", servos e servas que lhes limpavam os quartos, os leitos... , as sumptuosas roupas de sedas e brocados, assaz pesadas e sujas de... fluidos diversos ; e na matéria estrictamente musical, o primeiro lugar era ocupado pela palavra cantada que se sobrepunha à massa orquestral.

Bellini teve admiradores entusiasmados como Gabriele D'Annunzio, que via nele um Mestre, ou Stendhal, que o considerava "um dos tesouros imperecíveis da existência humana" , e detractores não menos famosos e notáveis como Richard Wagner - génio multifacetado da música, cuja visão dificilmente conseguia sair do círculo do seu híper-empolado ego - ou Hector Berlioz, que nunca entendeu que Bellini não se inspirava em Shakespeare, mas cuja descrição das aberturas orquestrais italianas é tão divertida, de rir às lágrimas, e provavelmente tão exacta, que não resisto a transcrevê-la : "Antes de subir o pano, a orquestra faz um certo barulho a que em Itália chamam de "Abertura"". Com efeito, no meio das conversas dos espectadores, a orquestra chegou ao fim coxeando, tanto do pé direito como do esquerdo. [...] Os mesmos italianos não conferem grande importância a esse certo barulho a que eles chamam de "Abertura". O público, afirmam eles, nunca a escutam. Por seu lado, os diletantes pretendem que não prestam qualquer atenção a essas "Aberturas" porque elas não o merecem." ( e não é que a récita a que assisti no São Carlos ao Chiado a Orquestra deu largas a esse "certo barulho" ... melhor nem de encomenda ! ).

É igualmente muito interessante saber que os papéis de Romeu e Julieta foram cantados/representados, na récita a que assisti, no São Carlos ao Chiado , por duas mulheres ( a mezzo-soprano italiana Alessandra Volpe e a soprano romeno Mihaela Marcu ; os outros cantores-actores façam o favor de comprar os mui económicos programas, pois não os devem perder ), sendo que o rabiosque da Alessandra/Romeu era de facto demasiado arredondado para um traseiro masculino e que a beleza da Mihaela/Julieta cumpria todos os requisitos sonhados pelos homens que nunca pensaram nem pensam fazer uma viagem até ao sexo oposto.

Interessante tomar conhecimento que  "divas" como Maria Malibran e outras optam por versões das suas árias que consideram mais confortáveis para a sua voz ( opções que, julgo, persistem na actualidade embora com menos frequência... ). Ou que o siciliano Bellini, de pele clara, olhos azuis, testa "nobre", alta, emoldurada por caracóis louros, tenha tido que avisar o impertinente tenor que o maçou até ao insulto (insatisfeito com as suas árias) que "as mãos que seu pai tinham ensinado a segurar uma batuta, tinham igualmente ensinado a segurar uma espada" .    


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E, hoje, fico-me por aqui. Na próxima crónica abordarei os praticó-concretos da actualidade.

A verdade destes tempos anunciados por Bellini e Mozart está a vir ao de cima, 

tempos nos quais os servos e as servas estão a fartar-se da sua tradicional servidão,

tempos que já deram origem às grandiosas Revoluções Francesa e Soviética.

Abraços confiantes do Leopardo Luso 

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