Reflexões do Leopardo

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terça-feira, 5 de abril de 2016

O Frei Luís de Sousa, o Ninguém e Almeida Garrett

Acho que não tenho a paciência suficiente para ler tudo o que era necessário e só depois comentar o "Frei Luís de Sousa" que vai no Teatro Municipal Joaquim Benite - TMJB -, em Almada, numa encenação e, portanto, interpretação do Rogério de Carvalho e dos actores e actrizes, cenógrafo, figurinista, som, operador de luz e som que põem a peça em cena.
Aliás, qual é a medida do "necessário"? Porventura, a medida do "necessário" é um critério em movimento, que se vai desenvolvendo com as exigências do nosso espírito individual e com o espírito da sociedade na qual vivemos.

Este Rogério de Carvalho não deve ser confundido com um outro Rogério de Carvalho, funcionário do PCP, que morreu faz uns anos, que integrou a célebre Fuga de Peniche - foi ele o responsável por convencer e subornar o guarda da GNR que colaborou na fuga. Porém, é importante, talvez indispensável, que não se esqueça o Rogério militante político, pois sem ele e outros como ele, não seria hoje possível o Rogério militante teatral trabalhar em democracia, apoiado financeiramente, e brindar-nos com uma peça magnífica, pois é de uma obra teatral de excelência que se trata.

E já de caminho, para os que estão sempre a dizer que não me publicam nos papéis do TMJB porque eu enalteço demasiado as obras desse Teatro, grafo aqui a minha primeira reticência, não a este trabalho do Mário de Carvalho, encenador militante e experimental, trabalho actual que julgo excelente, mas à fixação que o M.Carvalho tem pelo filósofo Martin Heidegger.
Heidegger, filósofo alemão que muito influenciou Jean-Paul Sartre, aderiu em pleno ao nacional-socialismo de Hitler, aliás foi catedrático e reitor da Universidade de Friburgo, na qual sucedeu a Edmond Husserl, filósofo iniciador do método filosófico fenomenológico, método metafísico que tinha como alvo contraditar o marxismo. Husserlianismo que explorava no entanto algumas análises interessantes (algumas extraídas de Marx e hipoestasiadas).
Porém, a fixação do Mário de Carvalho encenador em Heidegger centra-se na tese heideggeriana de que é a Morte que atribui sentido à Vida, tese filosófica que não passa de um redondo disparate filosófico, pois é a partir da Vida que se pensa, e portanto se dá significado à Vida - e, por consequência, à Morte - e não o contrário (do Nada, nada provem).

 Estes tediosos prolegómenos filosóficos (que considero, não obstante indispensáveis, e talvez o mais relevante desta tortuosa abordagem à peça) ao "Frei Luís de Sousa", em minha opinião, são confirmados na obra teatral. Cuja obra assenta num personagem central, o Peregrino, ausente no palco durante grande parte da representação. Peregrino que supostamente terá perecido em Alcaçer-Quibir. Peregrino que regressa a Portugal - então sob o domínio espanhol - para se vingar da mulher - que se imagina viúva, casou segunda vez, casamento do qual obteve uma filha, única descendente mui amada. O Peregrino - aquele que está de passagem, que de seu só possui uma Ideologia - abdicará da vingança por compreender que os Tempos Novos (o fim da Ordem Feudal e a instauração de um Liberalismo Progressista, que o era na época) precisam de uma Nova Gente liberta dos grilhões emocionais e sociais do Passado. 

Ou seja, com uma economia de meios espantosa, Almeida Garrett figura-nos a perda da independência nacional, o patriotismo que renasce, as mutações e flutuações das psíques individuais no seio da Revolução Social, as grandes generosidades, a persistência dos sentimentos antigos, temerosos dos novos tempos que se pressentem.

O Mário de Carvalho encenador experimental (por vezes imagino-o como o Manuel de Oliveira do Teatro; o que, no meu bestunto, só  é um elogio nalguns casos) comete a enorme façanha de nos desvelar toda a modernidade e actualidade do "Frei Luís de Sousa". Pois não estamos "una volta di più" na eminência de perder a independência, de nos dissolver num conglomerado europeu anónimo de responsabilidades não assumidas, de ver desaparecer pelo buraco negro de uns espectáculos de entretenimento acéfalos a Cultura e a Língua Portuguesa ??...

A esta obra de teatro - do Mário de Carvalho, dos seus actores e actrizes e de todos os que no início nomeei -  que julgo de nível ímpar, faço uma reserva: as emoções, a interioridade dos personagens chegam sempre à plateia, a voz de algumas actrizes/actores nem sempre... ora, se as palavras fazem parte do texto teatral, é para serem ouvidas (e eu estava na primeira fila, no centro da plateia).

A finalizar a homilia laica que brotou extensíssima (mas é mal do ADN deste Leopardo) : um louvor respeitoso ao Grande Público de Almada que, por norma, recebe com grande carinho as companhias teatrais que o visitam, e que, desta feita, aplaudiu de pé o Mário de Carvalho e a sua "troupe" obrigando-os a vir ao proscénio seis vezes. As minhas palmas para este Público. A Pátria não está perdida.


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                                       Resultado de imagem para fotos ou imagens do Teatro Municipal Joaquim Benite

Amplexos simultaneamente amistosos e inquiridores do

Leopardo         

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