Reflexões do Leopardo

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terça-feira, 18 de abril de 2017

Málaga 2

Uma minha paciente leitora e comentadora observou-me que eu não tinha sido completamente justo a respeito da minha estadia em Torre del Mar. De facto, não fui. Deveria ter acrescentado nos aspectos positivos que não se paga o parqueamento dos carros em sítio nenhum (também é verdade que se gastam meias-horas à procura de um lugar vago); deveria ainda ter dito que os preços nos restaurantes e supermercados são iguais ou mais baratos que em Lisboa (à parte aquela questãozita de que não gosto da comida "hermana"); deveria ainda ter teclado que o gasóleo e a gasolina são mais baratos em Espanha.
Sobretudo, deveria ter destacado a magnífica exposição de obras de Picasso - para mim, o maior génio da pintura mundial do século XX - com a qual pude mais uma vez maravilhar-me em Málaga. Apresenta obras de todos os períodos - azul, cubista, rosa, etc - , trabalhos de desenho, pintura, cerâmica, escultura, cenografia, assim como reflexões sobre a Arte, discutíveis, controversas, mas muitíssimo inteligentes.

É divertido verificar que a cidade de Málaga reclama Picasso como o grande artista malaguenho, mas Picasso saiu de lá muito cedo para a Corunha, aos 14 anos (1895) já pintava em Barcelona e, aos 16 (1897), em Madrid. É óbvio que precisava de contactos e escolas para crescer como artista que Málaga não podia proporcionar-lhe. O pai de Pablo Ruiz Picasso (o nome completo incluía 14 nomes!...) foi um pintor de rua medíocre - pintava pombos, pequenos quadros que entregava ao filho para acabar e depois venderem .

O psiquiatra português e excelente comunicador dr. Júlio Machado Tráz, aqui há dias fazia notar que existe hoje uma hilariante avidez da banda dos capitalismos nacionais para nacionalizar tudo o que pode render juros.
Assim, os franceses vão deslizando a insinuação que Picasso foi um génio gaulês, pois passou e pintou grande parte da sua vida em França - apesar das suas temáticas serem eminentemente espanholas e de resistência ao caudilhismo-fascista franquista. Aliás, Picasso está enterrado em Aix-en-Provence, no sul da França.

Não tardará, "os nuestros hermanos" a reclamar a nacionalidade espanhola para Saramago por  este ter habitado em Lanzarote, nas Canárias . Ou o Governo moçambicano a reclamar a nacionalidade espiritual de Lobo Antunes por ele lá ter combatido com todos os traumas que o próprio escritor tem narrado. Ou as Índias a reclamarem Camões e "Os Lusíadas" - que nunca leram - pelo facto do Luís Vaz lá ter naufragado.
Estas micro-avidezes serão nada quando as Administrações das "stars and stripes"  demonstrarem que as grandes obras de Arte e culturais são todas "cowboys", pois, na sua maioria, estão na posse de museus ou coleccionadores privados dos "States". Quem manda no mundo, manda na cultura. Os Romanos da Antiguidade sabiam-no perfeitamente. 

Decerto, inadvertidamente para divertir os portugas, o sr.Brilho de Cascalho apresentou queixa contra o Sporting de Braga por empatar com os Dragões , facilitando a vida ao SLB. De facto, é inadmissível que o Estado Português não reconheça o valor do sr. Cascalho e não o exporte, a custos zero, para qualquer parte do planeta... por exemplo, para a Patagónia ou o Polo Norte... poderá sempre jogar ao pau com os ursos. 
Ou, então, alguém deveria explicar com muita, muita, muita pachorra, ao sr. Cascalho   "que o futebol é a coisa mais importante das coisas não-importantes" (máxima exemplar de um ex-jogador e ex-treinador de futebol cujo nome não retive).


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For today, that's all folkes

Leopardus

domingo, 16 de abril de 2017

Málaga

Estive uma semana fora, fui a Málaga, para ser mais preciso fui a Torre del Mar, povoação a uns 35 kms de Málaga, sem interesse nenhum particular. Pranta-se à beira de um Mediterrâneo, com areias cinzentas, mais uma cinquentena de águas numa mestiçagem entre o cinza e o azul até começarem as águas azuis, mas sem ondas.
Porque lá fui? Um amigo tem lá um apartamento, num 5º andar com vistas para uma avenida  de 4 pistas, com um trânsito continuo nos dois sentidos. O amigo acha a povoação um encanto, semelhante a Benidorme (que também detesto). Só se topam velhos e velhas agarrados a andarilhos ou em cadeiras de rodas empurradas por familiares ou serviçais negras e uns cortejos de trelas onde se esganiçam uns chiauás ou uns fox-terriér's com coletes escoceses. Devem ser estas as razões pelas quais um torredelmar aficionado procura em vão catapultar Torre del Mar a concelho há décadas.

Verdade se diga, que todos os espanhóis que nos circundam falam aos berros como se estivessem na tourada ou num dérby entre o Real Madrid e o Barcelona: ou seja, cada espanhol/a produz decibéis por 5 portugas. Se o não produzir podemos colocar as hipóteses científicas de que estará doente ou duvidar da sua espanholidade.

Porém, encantos de amigos não se discutem, pertencem à zona insondável do coração humano e o meu amigo tinha garantido que, com o meu audi novo, uma bomba amarela a gasóleo nos poríamos lá, com a minha mulher a guiar, em 5 horas, o máximo 6. Levámos o dia todo para alcançar a tal Torre del Mar, ainda brindados com umas sonecas e uns enganos do co-piloto, o tal do meu amigo.

Todavia, para que não digam que estou aqui a despejar o meu habitual mau-humor, vou registar o que encontrei de positivo em terras de Espanha:
- a primeira coisa que um empregado de tasca ou restaurante pergunta é "o que bebem?", o que significa que podemos logo começar a ingerir uns "riojas" ou uns alcóois de "torres" (que não se encontram ao nível das pomadas lusitanas, todavia, também não é sério exigir o céu para destrunfar logo no início); 
- o café espanhol já é bebível, contudo sem atingir a qualidade dos cafés do sr. Nabeiro (que os vai buscar a Timor, a Angola, a Moçambique, onde for preciso...);
- o pão espanhol apresenta melhorias ligeiras, ainda mui primas daquelas roscas hediondas de há seis décadas atrás, mas até pode aparecer quente na mesa ou ser pão alemão com uma farinha acinzentada e umas sementes que dão para disfarçar;
- as tortilhas hermanas ninguém morrerá de amores por elas, não obstante são omeletes com pedaços de batata, produtos honestos, que alimentam e ajudam a secar o briol.

A partir daqui, o restante é p'à desgraça. As "paelhas"- com aqueles mexilhões ensonsos, os camarões com casca, tudo no meio de uma caldaça de arroz ensopado até à alma num concentrado de tomate mais vermelho que o inferno do Bosch - devem ser jogadas directamente no lixo. " As judias con setas", uma variedade de feijão verde com lascas de cogumelos, é também aconselhável atirá-las para o caixote, não vá um pobre de mi habituar-se à falta de melhor.
Existe ainda uma variedade enorme de fritos, quer de "cerdos", "terneras", quer de lulinhas, chocos, etc, etc, todavia, tão fritos, tão fritos, tão fritos, que "luego de manhana temprana" começava a pituitá-los do nosso 5º andar, mescolados com atmosferas de gasolinas e gasóleos mal queimados. 

Interrogar-se-ão o que esperava eu, leopardo façanhudo, das terras "hermanas". Bom, em primeiro lugar, umas "guitanerias" , uns flamencos, pelo menos uns dois espectáculos, nos quais, os "cantaores", as "bailaoras", os "bailaores", os músicos, ao som de acordes orientais, patadas ora violentas ora delicadamente matraqueadas no "tablao", contudo, sempre viscerais, ao dedilhar irrequieto das "castanhuelas" nos narrassem o seu êxodo milenar das Índias , donde foram expulsos, e a sua sobrevivência à fome, à miséria, à doença, aos preconceitos.

De flamencos enxerguei népias, pois a Semana Santa não o permitia, não eram adequados - isto é, católicos.
A Semana Santa obsequiou-me com procissões intermináveis, a cruzarem-se em todas as esquinas, debruadas a imensos capuzes azuis, roxos, tilintados por sininhos, sinos e talins-talões, com pesados palanques dourados com a imagem do Cristo a sangrar, pregado na cruz, enquanto jovens simulavam flagelar-se com azorragues. Recuamos no tempo 5 séculos, retornamos à Idade Média da Santa Inquisição e do Santo Ofício , só lá faltavam as fogueiras públicas e o assar dos hereges no meio dos insultos, das pedradas, das gargalhadas e escárnio da populaça ( carregada de trabalho servil e sem divertimentos o resto do ano ).

Não sei porque bulas, ocorreu-me à cachimónia durázia de leopardo velho, o magnífico conto de Edgar Allan Poe, "O Barril de Amontillado" ( "The Cask of Amontillado", de 1846 ), no qual nos narra a estória de um grande barril de vinho de Málaga que produzia aquele néctar adocicado, típico da região, mas melhor que todos os outros. Quando o barril ia pelo meio, os donos descobriram que lá dentro jazia um cadáver humano. Creio eu que encheram o barril até cima com mais "amontillado", mantendo o cadáver dentro, pois, como hodiernamente mui bem se sabe, o negócio não pode parar... Se Poe não terminou o seu conto fantástico assim, termino eu por influência dele.

Não trouxe de Málaga uma garrafa de vinho, nem mesmo um torrão de Alicante. Apenas uns vulgares caramelos... Porque será?... Talvez o poder da efabulação...



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Saudações pascoalinas   

      

quinta-feira, 6 de abril de 2017

Vai de ciganadas !...

Algum diabo me deve ter rogado uma praga que não consigo ir de folga com a consciência tranquila (claro que tenho consciência!, é mesmo a única coisa que me resta, pois o "arame" é todo sugado pelos impostos).
A preparação da invasão da Síria de Assad prossegue pela arreata da Nato/Pentágono/CIA , com o Governo lacaio franciú a pôr-se em bicos de pés, tipo "prima ballerina" de sapatilhas de pontas, e a "parler" que não existem dúvidas que é da responsabilidade do Governo de Assad o uso de munições tóxicas contra a sua própria população e que não descansará enquanto não sentar no banco dos réus dos Tribunais Internacionais a famelga Assad.
Putín, falando pela Federação Russa, alega que uma investigação séria ainda não foi realizada, que pode ter acontecido um paiol de munições explodir pelo rebentamento próximo de uma bomba. Que mantém o seu apoio ao Governo Assad .

Os "mírdia" acordaram hoje a focar a nossa atenção na Comunidade Cigana existente na Europa e no rectângulo luso. Que estão entre nós, faz 500 anos (quando foram corridos dos reinos dominados por Castela ao tempo de Isabel, a Católica). Que existirão uns 40.000 em praias, barrancos e serras portugas. Que apenas 8 ( sic!) frequentam a Universidade. Que o Governo  "in charge" vai conceder bolsas e formação a 40 "mediadores" (de etnia cigana) para facilitar o diálogo com a Comunidade Cigana e tentar diminuir o abandono escolar precoce dos jovens ciganos ( por exemplo, o casamento de muitas jovens ciganas persiste a ser negociado pelas famílias ainda antes da idade púbere ).
Em minha opinião, o Flamenco traduz, não uma paixão da cultura cigana pelas touradas andaluzas, mas o cultivo da memória de uma etnia para sobreviver à miséria, à fome, à morte , ao seu eclipse histórico (ao contrário das Sevilhanas, dança de corte; Goya pintou delicada e exemplarmente as Sevilhanas, pois a simples referência aos guitanos era passível de ser considerada crime). 
Com o andamento que a carruagem tem tido, para o sr. Jeroen Dijsselbloem, presidente do Eurogrupo , hoje os guitanos são os europeus pobres do Sul, "dados à vinhaça, ao mulherio e hostis a trabalhar sem pausas"...

Quanto às Óperas "Pagliacci" de Ruggero Leoncavallo e "Der Zwerg" ("O Anão) de Alexander von Zemlinsky ( compositor austríaco, de ascendência judaica, que teve o seu primeiro período de  ascensão com a tomada do poder pelos nazis na Alemanha, e o seu ressuscitar musical após a sua morte em 1942  ) são "drammi per musica" incontornáveis para leitores tão cultos como os meus.
A sua "mise en scène" no Teatro Nacional de São Carlos (ao Chiado) é exemplar na sua concepção, encenação, cenografia, cantoras e cantores, Orquestra, direcção musical, Coro e direcção do Coro, figurinos, jogo de luzes.
De facto, não é simples juntar num mesmo espaço cénico, duas Óperas de um acto, com inspirações quase opostas, uma ligada ao "verismo" (de filiação social, naturalista, com arquétipo em Émile Zola), a de Leoncavallo, a outra ligada ao "ultra-romantismo" (toda voltada para a subjectividade, o interior do "ego", a interdependência emocional em que estamos uns dos outros), a de Zemlinsky (que depois da composição e execução desta obra ficou para sempre ferido de paixão pela soprano Alma, que posteriormente o trocaria por Mahler, soprano que haveria de aderir ao nazismo, achava Zemlinsky grotesco e não quis correr o risco de dar à luz dois/três filhos que não fossem da pura raça ariana, loiros, de olhos azuis).

Posso usar esta Ópera "O Anão" para explicar ao meu Mestre e Amigo Jaime Silva, a razão pela qual um dia lhe disse que não me saberia pintar a mim mesmo a partir do meu interior. Não se tratava de uma "ruse" da minha parte. De facto, imaginamo-nos a nós próprios através dos olhares dos outros.

Devo ainda tecer algumas considerações sobre o grande chefe sioux Touro Sentado ( "Sitting Bull" na terminologia cowboy ). Touro ( Tatanka, na língua nativa ) Sentado , na realidade foi um dos poucos chefes indígenas, que nunca se deixaram iludir nem assinou tratados com os colonizadores brancos (começou a assistir a negociações com eles aos 8 anos de idade e a recusar assinar tratados aos 12 anos !...).
Tudo isto é esmiuçado numa obra monumental, redigida ao longo de décadas, por Dee Brown, um branco amigo de "peles vermelhas" que residiam em "reservas". Logo em sua infância um desses índios das "reservas" (na verdade, campos de concentração inférteis, sem água, sem búfalos, ou desertos inóspitos onde só sobreviviam as serpentes, os lacraus, os insectos, os pequenos roedores) disse-lhe sorrindo que o que se via nos filmes de cowboys era exactamente assim mas ao contrário.  Este irónico comentário impressionou tão profundamente o jovem Dee Brown que dedicou uma vida inteira a documentar-se para escrever (num estilo bastante enfadonho, valha a verdade) o livro "Enterrem meu coração na curva do rio" (ou Bury My Hearth at Wouded knee: An Indian History of the American West").
Apesar do estilo literário bastante enfadonho (valha a verdade...) de narrativa científica (com inúmeras fotos de chefes índios, de tratados assinados, de mapas, de trajes e objectos índios) a obra conheceu um sucesso insuspeitado, sendo traduzida em 19 línguas e vendendo milhões de exemplares. 
O notável canastrão que é Kevin Costner utilizou  muitas informações recolhidas nesta obra para realizar e interpretar o único filme de jeito que lhe reconheço até agora: "Danças com Lobos", que lhe valeu 7 ou 8 Oscares. Embora, tenha distorcido alguns aspectos ( por exemplo, ainda hoje não está esclarecido quem iniciou a prática sistemática dos "escalpes", se os índios, se os colonos).
O aclamado Buffalo Bill nunca passou senão de um aventureiro, traidor dos "peles vermelhas", pisteiro da Cavalaria Yanque,  por vezes portador de tratados astuciosos para dividir as tribos índias e as atrair para situações armadilhadas. O seu carácter aventureiro e simplez de espírito tiveram responsabilidade na maior derrota da Cavalaria Yanque a defrontar as tribos nativas : a batalha de "Little Big Horn".
Buffalo Bill passeou-se depois pelos "States" com um espectáculo circense em que parodiava sem querer "a conquista do velho Oeste". É contudo seguro que Touro Sentado, chefe índio paradigmático e carismático, NUNCA fez  parte dele, como parece que Hélder Costa afirma na sua peça em cartaz. Não é uma nicância inodora, incolor e salubre.



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  Saudações índias do

Leopardo