Confesso que é sem qualquer gosto que estou a teclar esta II Parte do blogue anterior e rezo (é agora "fashionable" rezar) aos deuses celtas e dos castros da grande serra beirã (os mesmos aos quais atiro lanças, setas, pedras, excrementos quando me fazem zangar, o que acontece com frequência) que me ajudem a cumprir a repugnante tarefa que me proponho. Digamos que o faço por um sentido de dever ético e pedagógico. Todo o acto pedagógico deve ser um acto ético. (Eu sei, eu sei que um animal como um Leopardo a reflectir sobre ética e pedagogia será algo difícil de imaginar para um ser humano, porém quando os humanos parece terem perdido esse sentido, então talvez tenham de ser os simples animais a exercê-lo; sucedeu o mesmo ao senhor de la Fontaine).
Passa-se que na edição anterior do blogue não exorcizei tudo o que tinha para exorcizar sobre o processo de demissão em curso do Governo brasileiro de Dilma Rousseff e Lula da Silva. O exorcismo é uma cerimónia da catarse do espírito para botar fora aquilo que o emporcalha. Uma espécie de clister da alma.
Comecemos então pela semântica: "impeachment". A canalhada que atafulha as bancadas da câmara de deputados do Brasil, nem sequer é capaz de usar um étimo de origem portuguesa e recorre à "his master voice", versão cowboy, para expressar a golpada reaccionária de retorno ao Brasil dos "coroneis", dos jagunços, dos torcionários. Pô-lo em prática num estilo pacóvio, decerto o único que está ao seu alcance.
Houve quem me dissesse que aquela sujeira só na América Latina. Não é verdade. Já presenciei e fui interveniente activo em eleições autárquicas portuguesas, a poucos quilómetros de Lisboa, de indignidades equivalentes. A diferença principal, e não pequena, é que não eram transmitidas pelos "mírdia"- muito menos em directo, para todo o planeta, lambuzadas de vaidade - e, quando ameacei exigir a presença dos "mírdia" e pedir a intervenção da GNR, as poucas-vergonhas foram suspensas.
Os traços gerais do comportamento da canalhada pacóvia que votou pela demissão dos dignos e progressistas governantes Lula e Dilma têm sido repetidamente sublinhados: a invocação, mão no peito, de Deus, Pátria, Família - até aos avoengos tetravós negros (sic!), a descendência, incluindo netos e bisnetos; o terminar, em tom estentório de quem canta o hino, na punhalada final, "Voto Sim"! Como o ridículo não mata, abandonavam o efémero palco de braços no ar como toureiros que pedem o rabo e as orelhas do toiro.
Descrever um é descrever todos. Escolhi o deputado da Golpaça, Francisco Everardo Oliveira Silva, muitíssimo mais conhecido no mundo do circo, do "enterteinment" popularucho, da canção e do humorismo de feira por Tiririca ou Taruroca do Nordeste, o qual há anos p'atrasmente se candidatou à presidência da república brasileira sob o lema fulgurante de "Vota Tiririca!, pior do que tá não fica". Usava uma bola de borracha encarnada no nariz.
É justo acrescentar que se Tiririca ou Taruroca do Nordeste se ficasse pelo mundo do espectáculo, não demonstrasse um vácuo absoluto de qualquer consciência moral e uma avidez insaciável por dinheiro, lhe reconheceríamos um certo valor. Abandonado pelos pais, aos 8 anos de idade trabalhava como palhaço no circo, aos 16 anos editava um disco que fez sucesso e uma pequena fortuna, finalizava os espectáculos circenses com um peixe de gelatina espetado numa cana e o público de pé, em delírio.
Mas, o tal vácuo e a tal avidez não o têm deixado descansar. Em 2010, Tiririca candidatou-se a deputado federal por São Paulo. Foi acusado de ser analfabeto. Confessou que escrevera a declaração de escolaridade ajudado pela mulher, pois sofria de uma deficiência motora que lhe impedia estabilidade nas mãos. Apresentou um atestado médico de especialista de motricidade. Provou-se que o médico padecia do mesmo vazio moral do doente, que Tiririca mexia lindamente as mãos, porém era de facto analfabeto. Apesar de tudo isto, Tiririca ficou em terceiro lugar na sua candidatura a deputado federal por São Paulo!... Ou seja, o espectáculo deprimente a que assistimos faz uma semana, possui um histórico de enxovalho de décadas no Brasil.
Pois, o modelar Tiririca votou pelo "impeachamento" de Dilma e retirou-se do proscénio tão ovacionado como nos seus números circences!...
Que mais se pode acrescentar sobre a Golpada Reaccionária no Brasil, com o inteiro sabor do ranço dos "coroneis", dos jagunços, dos assassínios, ainda a saltar nas manchetes dos tablóides? Que também juravam que "impeachavam" (desculpem, mas não resisto ao pato-bravismo) em defesa da democracia nas regiões que representavam (?), pela criação de emprego, contra a corrupção (as últimas notícias afirmam que 94,7 % dos deputados que votaram pela demissão de Dilma/Lula são acusados na escandalosa teia de corrupção Lavajacto).
Apetece parodiar uma canção popular brasileira: "Aldrabe, aldrabe, que eu nisso até acho graça desde que me dêem a danada da cachaça."
Poderíamos considerar, dado o caricato do acontecido, que se trata apenas de uma Ópera "buffa", na variante brasileira do português, se não fossem as terríveis consequências de retrocesso a nível económico, social, cultural para o Povo Brasileiro - na noite da votação, um comentador brasileiro mais amigo da realidade avaliava que o Brasil ficará nos próximos anos dividido ao meio, ingovernável, estagnado economicamente - mas outrossim as suas sequelas na cena internacional onde, por exemplo, o Governo israeló-sionista agora vem reclamar que seja reconhecido o direito internacional à ocupação da faixa de Gaza.
Esmiuçando, não é a ocupação ilegal, brutal, pela força armada (tanques, aviões, drones, mísseis, lança-chamas, rolos de arame farpado, "check-points"), dos territórios palestinianos de Gaza que confessa - apenas apoiada, de cara descoberta, pelos votos, o dinheiro e o armamento dos "States" -, arroga com descaro que essa ocupação seja legitimada pelo Direito Internacional.
Isto da parte do Governo israeló-sionista que encerra mais de 7.000 presos em prisões israelitas - entre eles 406 menores, 503 pessoas condenadas a penas perpétuas, dezenas de mulheres grávidas, etc - além de ter cercados na faixa de Gaza 850.000 palestinianos, sujeitos a violências e torturas.
Não é ousado prever que o Governo dos EUA questionado a pronunciar-se sobre o "impeachment"brasileiro declarará, pela boca do Departamento de Estado (o equivalente ao nosso Ministério dos Negócios Estrangeiros, MNE), simulando uma inocência infantil, que "o Brasil se pronunciou livre e democraticamente sobre o seu Governo". Simultaneamente, esconderá na gaveta o preço que o "impeachment" lhe custou, as pressões diplomáticas, políticas, económicas e outras realmente exercidas.
Mais arrogâncias fascisantes se seguirão na esteira do "impeachment".
Retornando à matéria do Óscar Lopes-António José Saraiva co-autores de uma "História da Literatura Portuguesa", editada pela primeira vez em 1955, que fez época e ainda não encontrou nenhuma à sua altura, realmente não entendo porque o Teatro Municipal Joaquim Benite, TMJB, em Almada, num opúsculo editado pelo TMJB, cite o A. J. Saraiva e não cite o Óscar Lopes, quando a relação entre os dois era de tutor - o Ó. Lopes - para tutorado - o A. J. Saraiva.
Será que a razão ou razões radicam no facto de Saraiva ter sido militante do PCP, Partido que abandonou? Será que a razão ou razões se prendem com o facto de Lopes, igualmente militante do PCP, nunca ter abandonado o Partido, nunca se ter auto-exilado - como fez Saraiva, que leccionou no ensino universitário em França e Amsterdão ? Óscar ter desenvolvido uma intensa actividade política dentro de Portugal (MUNAF, MUD, MND, CDE, CNSPP), ter integrado o Comité Central do PCP (entre 1976 e 1996), enquanto, simultaneamente, desenvolvia investigação da qual saiu, por exemplo, uma obra pioneira como a "Gramática Simbólica do Português" (1971) ou avulta como um dos criadores da Universidade Popular do Porto (1979) ? Será que a desvinculação de Saraiva do PCP e um certo distanciamento dele de uma vida política integrada numa organização política funcionam para o TMJB como uma garantia de uma maior isenção ideológica?
Atrevendo-me ainda a questionar mais fundo terá tudo isto a ver com a problemática levantada em torno de Stáline? O anti-estalinismo do TMJB estava já patente na encenação que puseram em cena de "A Trajédia Optimista" de Vsevolod Vichnievski. É evidente que o TMJB possui todo o direito a sustentar as opiniões que entender sobre Stáline, ou sobre outros assuntos. Em todo o caso não lhe faria mal ler a obra "Um Outro Olhar Sobre Stáline" do investigador belga Ludo Martens, autor com vastos estudos sobre a ex-URSS e sobre África (Lumumba, Congo, etc).
L. Martens, na obra citada sobre Stáline, em síntese, defende a tese que a via imperialista de demolição do marxismo-leninismo foi concentrar o fogo ideológico e diabolizar o dirigente político e a pessoa de Stáline. Uma feita isso conseguido, o marxismo-leninismo ruiria por si. Neste quadro deve recordar-se que o Exército Vermelho erguia-se como o grande vencedor da Wermarcht hitleriana e Stáline como o grande obreiro dessa vitória, muito popular entre as classes trabalhadoras europeias. Se a aposta ideológica do imperialismo foi ou não aquela que L. Martens afirma, a verdade é que os acontecimentos têm andado ao seu encontro.
O bombardeamento e a destruição de Dresden, capital cultural da Alemanha anterior à II Guerra Mundial, pela aviação inglesa em 1945, o desembarque na Normandia, no Dia-D, de tropas britânicas e norte-americanas, com a subsequente cavalgada dessas tropas comandadas pelos generais Patton e Montgomery, eram perfeitamente insuficientes para explicar a derrota da terrível máquina de guerra nazi.
Não imagino que o TMJB partilhe a visão histórica simplista tentada impingir pelo Dia-D, desembarque na Normandia, etecetera e tal. Creio, contudo, que um passeio tranquilo pela obra de L. Martens poderá contribuir para "um outro olhara sobre Stáline" e nem a História nem o Grande Teatro se constroem com preconceitos.
Nestes tempos de cólera
Amplexos amistosos do
Leopardo
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