Decidi voltar de novo ao "Frei Luís de Sousa" pela abordagem da palavra-chave "Ninguém", palavra-chave que, contudo, não é pronunciada mais que três ou quatro vezes durante a peça.
Que esta palavra necessitava de uma reavaliação e, sobretudo, de uma reabilitação do seu passado cénico ficou óbvio numa sondagem que realizei "in loco" entre os actores, no fim da estreia, e que foi conclusiva, convergindo com uma encenação levada a cabo em 1978 por Ricardo Pais que intitulou a obra de "Ninguém - Frei Luís de Sousa".
E qual a reabilitação que a palavra-chave necessitava? No "Frei Luís de Sousa" que vi representado pela primeira volta talvez na década salazarenta de cinquenta, porventura no Liceu Camões, a palavra-chave "Ninguém" era deixada cair como uma sepultura na cova: soturnamente. Intuía-se que a entoação era exagerada, desajustada, caricata mesmo. Quando, de facto, ela corresponde a um momento dolorosamente alcançado de redenção e libertação não apenas para um personagem individual - D. João de Portugal, personagem emblemático da nobreza feudal portuguesa derrotada em Alcácer Quibir - mas, igualmente para uma nobreza convertida ao ideário burguês liberal (revolucionário, na época) e constitucionalista. Interpretação da palavra-chave que é assumida - bem, em meu modesto entender - pela dupla Mário de Carvalho/encenador, Alberto Quaresma/actor.
Há leitores que põem em causa a isenção da minha sondagem? Enxergo o ar céptico daquela senhora, ali... Minha senhora, a minha sondagem vale tanto, até mais, que as da Universidade Católica. É verdade que ambas partem ás avessas, das conclusões desejadas para as premissas que as deveriam justificar, mas, pelo menos, a minha foi realizada vis-a-vis dos inquiridos e não pelo telefone como as da Católica.
Ainda uma ou duas coisas antes de encerrar por uns tempos o Garrett. Um das faces mais relevantes, mais conseguidas, mais actuais da peça em cena no TMJB, em Almada é a sua condenação do sectarismo dos ultra-religiosos de todas as religiões - não apenas do catolicismo, nele compreendido o Pio XI (comprometido com Benito Mussolini e o fascismo), o João Paulo II/cardeal Wojtyla (conluiado com o Leche Walesa e o Solidarnosc)), o papa Ratzinger e o actual papa Francisco (protagonistas das faces mais obscurantistas da doutrina católica, protectores dos sacerdotes pedófilos, dos negócios sujos do Banco do Vaticano/IOR), em trânsito contínuo pelos cinco continentes no papa-móvel à prova de bala.
O único campo em que a religiosidade pode ter justificação para os crentes é na esfera do espírito, pois a partir da altura em que se misturam espiritualidade e temporalidade, e em que se subordina mesmo a temporalidade à espiritualidade, abre-se a via das ditaduras religiosas e da sua acção castradora, mutiladora, sobre a sexualidade e as vidas dos seres humanos. Aliás, contra Agostinho, filósofo da Igreja, bispo de Hipona, que no século V d.C. pensou mais longe e definiu "o meu Amor/Amizade é o meu peso" - "amor meus pondus meum" - querendo o filósofo Agostinho significar que a força gravítica do Amor/Amizade é o motor da minha actividade.
Entrando, nos particulares do que Rogério de Carvalho/encenador apoda de Inconsciente, eu permito-me discordar. Na esteira de Freud e da psiquiatria e psicanálise em geral, são definidas 3 áreas da Consciência: a área da Consciência propriamente dita, aquela em que o foco de luz e o auto-conhecimento penetra com facilidade; a área do Subconsciente, uma área mal iluminada, cinzenta, de penumbra, que pode transitar para a área consciente propriamente dita sem apoios profissionais; uma área do Inconsciente, sem luz, negra, onde a consciência pessoal não entra sem intervenção profissional do psiquiatra/psicanalista e com a qual, quando é confrontado, em princípio, rejeita, recalca, pois é por isso mesmo que a não vê.
Ora, o que Rogério de Carvalho denomina de Inconsciente é de facto o que os psiquiatras/psicanalíticas entendem por Subconsciente. E não se trata apenas de uma questão semântica, mas de uma questão praticó-concretamente como diria ironicamente Lobo Antunes. Contudo, de momento não afecta o entendimento global da obra em cena e da sua "affascinante" modernidade.
Em 2016, a resposta ao "Frei Luís de Sousa/Almeida Garrett/Rogério de Carvalho ainda não está dada. Permanece em aberto. Ultrapassa o âmbito do palco. Só o Povo português a pode dar.
O que querem os trabalhadores portugueses, os que produzem riqueza real, mais-valia: marcar passo defronte do seu futuro adiado, carpindo-se pelo Don Sebastião - ou Godot - que nunca virá, ou tomarem nas suas mãos o seu próprio destino, a sua própria libertação? Este é o impasse.
Numa ligação paralela com este impasse, com esta resposta por dar, não posso deixar de fazer referência à inadmissível introdução no Conselho de Estado português de Mário Draghi pelo Presidente da República em exercício. O PR tem direito a um certo número de Conselheiros de Estado nomeados por sua livre escolha. Esse número encontra-se preenchido. Nada autoriza constitucionalmente o PR em exercício a aumentar o número de conselheiros. Ainda que se argumente que este aumento é transitório, temporário, aceitar o argumento significa aceitar que o Sua Excelência o Presidente pode fazer aumentar todos os meses, todas as semanas a constituição do Conselho de Estado. Chamemos os bois pelos nomes, trata-se de um golpe contra a Constituição Portuguesa da parte parte de quem jurou defendê-la!!!
Depois quem é o senhor Mario Draghi? É um político italiano, desacreditado no seu país - recolheu 1, 01 % nas últimas eleições -, conhecido pelas suas posições coincidirem com as posições mais invasivas da soberania dos países e restritivas do MFI , político italiano que apesar da sua fraquíssima representatividade eleitoral, continua a desempenhar um papel de charneira devido ao extremo fraccionamento do parlamento italiano, fazendo pendular a força para os lados que melhor servem a sua visão reaccionária.
E o que veio o sr. Mario Draghi defender a Portugal? A subserviência à dívida externa sufocante da economia portuguesa e a alteração da Constituição Portuguesa em vigor para um modelo conforme aos desejos da chanceler Merkel, do Banco Central Europeu, do FMI e de Washington.
Não espanta que o sr. Draghi tente impor os figurinos nos quais se sente confortável. É, porém inaceitável que Sua Excelência Excelentíssima, o Senhor Presidente da República introduza de seu alvedrio mais uma criatura no Conselho de Estado e este tipo de criatura. Sua Excelência está a agir como um presidente do PSD e não como um presidente de todos os portugueses... como jurou fazê-lo e como reiteradamente afirma que faz.
Para não terminar esta edição do blogue com garras desembainhadas de Leopardo, acrescento que a minha lista de Amigos é muito maior que aquela que enunciei.
Poderia, por exemplo, recordar aquela camarada que, enquanto atendia a rede geral telefónica do Centro de Trabalho do Vitória, ia tricotando uma figurinhas populares com fios de lã para angariar fundos para o Partido.
Ou os meus vizinhos goeses de Goa, retornados de Moçambique, certamente alinhados nas posições do PSD de Loures, que uma por outra me dão umas tigelinhas de caril e a quem eu dou regularmente uns camarões de palmo e uma garrafa de espumante. Mas, o que querem?, a amizade uma vez entregue não se pede de volta.
Ainda as minhas vénias a Oscar Wild, genial escritor da língua inglesa - dramaturgo, poeta, ficcionista, ensaísta - do qual parafrasiei o título de uma das comédias, "A importância de se chamar Ernesto" - ou em italiano "L'importanza di essere Onesto" - comédia na qual arrasa a suposta superioridade proveniente da nobreza de nascimento. Esclarece alguma coisa saber-se que Edward (em inglês) ou Edwarst (em polaco) são nomes associados a "seriedade", "gravidade".
Os caminhos da Revolução são difíceis de definir.
Amplexos amigáveis
nestes tempos de cólera
O Leopardo
Totalmente de acordo com a tua justa condenação da inclusão pelo PR do Draghi na reunião do conselho (com minúscula, mesmo) de Estado. E ninguém se levantou e bateu com a porta a esta atitude miserável do PR, violadora da nossa soberania e da nossa dignidade como Povo?!
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