Deu-me um súbito ataque de modéstia (deve ser verdadeira) e apeteceu-me escarrapachar no título "Este Povo para o qual e sobre o qual eu escrevo tão mal", porém o que importa não é o escrivão, mas a matéria-prima sobre a qual o escrivanhador discursa melhor ou pior.
Ontem à noute, na praça principal de Caminha, o Avô abraça e afaga continuamente a mulher e um neto (um adolescente talvez de 12 anos). O Avô abraça e afaga de contínuo todos os que serão eventualmente da família ou amigos. Um sorriso a alargar-se sempre numa alegria mais ampla que lhe toma todo o rosto tisnado deste ar iodado de Caminha/Moledo.
Os cabelos dele e da mulher são bastos, pigarços, crespos.
O tal neto intromete-se sempre, adorando assoprar no cangote das mulheres ou pendurar-se-lhes na coluna dorsal quase a quebrando. O neto é o único com uma pele leitosa, embora se reconheça pela asa do nariz ou pelos lábios finos que é produção familiar. Tem efígie de génio, com a testa espaçada, os óculos à Harry Potter, o queixo recuado.
Percebe-se no abraço do Avô que une não só a família e amigos, mas toda a vila promovida a cidade. O melhor do Minho está aqui. Ainda não chegaram os titis de Moledo. Apenas os autóctones, os emigrantes das Françias, os veraneantes de passagem a apreciarem o colorido da coisa. Valha-nos o Altíssimo, pode-se respirar.
Além disso, pedi ao prestável empregado da esplanada um "limoncello" e o gajo desconhecia, troçou, aviou-me uma amêndoa amarga cheia de pedras de gelo. Isto é, muito pior, mais doce. Eu, doce, só o champanhe, que é necessário que seja "bruto", loirinho, preferindo o nosso "murganheira", espumante natural com um "pico" a vinho verde, portanto menos "redondo" que os óptimos champanhes franceses. Que, isto de vinhos, é a única religião que em Portugal se leva a sério.
Ah, faleceu o meu Amigo Mário Moniz Pereira. Tive a sorte e a honra de ser visita de sua casa. Não foi apenas o patriarca do Atletismo Português, de onde saíram os maiores fundistas nacionais, foi igualmente o professor de muitos treinadores que beberam as águas do seu génio criador. Sou testemunha que, na intimidade, esse talento criador e multifacetado se estendia à música - ao fado e a algo tangente ao jazz - improvisando na hora, com a família, letras e melodias que nos descocavam à gargalhada. Só lhe topei um defeito: era do Sporting (eu sou do Glorioso, daquele que é uma Nação). Todavia, a perfeição é um atributo dos deuses.
A morte - será que morreu mesmo?... - do Moniz Pereira deixa um vácuo momentâneo que urge preencher. Suas Excelências Excelentísimas, o Primeiro Primeiro e o Primeiro Logo A Seguir deviam decretar luto nacional, bandeiras a meia-haste, - no funeral já se sabe que estiveram milhares e milhares de pessoas, neste período estival, a tributar-lhe o respeito que todos lhe devemos - preparar-lhe um lugar no Panteão Nacional.
Por hoje, por aqui me fico,
confiante nos Monizes Pereiras do Futuro
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