O coronel João Varela Gomes morreu com 93 anos de idade, na segunda-feira, 26 de Fevereiro de 2018. Ficou conhecido como "o primeiro capitão de Abril". Vasco Lourenço, presidente da "Associação 25 de Abril", declarou-o uma personalidade "muito importante na história do século XX em Portugal e um grande lutador contra a ditadura e o fascismo". O general V.Lourenço não se excedeu nos elogios.
Na realidade João Varela Gomes ,desde muito novo, sempre se distinguiu como um lutador anti-fascista consequente ( assim como a sua mulher, a católica Eugénia Varela Gomes ), um cidadão-militar apologista de uma Sociedade Comunista, em particular tendo liderado um golpe contra o quartel de Beja - com um número exíguo de forças : militares, poucos, e 35 civis - o contribuiu para mostrar a vulnerabilidade da ditadura salazarista.
A tentativa de tomada do quartel de Beja realizou-se na madrugada da Passagem de Ano de 1961 para 1962 e dela resultaram 2 mortos e vários feridos ( entre eles o próprio Varela Gomes, com 5 tiros no baixo-ventre ). Nos mortos contou-se o Subsecretário de Estado do Exército salazarento, Jaime Filipe da Fonseca, que acorrera apressadamente ao quartel com reforços e que, mui provavelmente, terá sido atingido inadvertidamente por disparos de militares afectos ao ditador ( morte que a pide/dgs atribuiu de imediato "aos comunas" ).
De facto, o assalto não constituiu uma surpresa para o regime fascista , cujo Estado-Maior das Forças Armadas tinha informações de que tal poderia acontecer num dos quartéis da zona do Alentejo.
A identificação entre "alentejanos" e "comunistas" chegava a tal ponto, mesmo no imaginário dos torcionários da pide/dgs , que numa das salas da sede principal da polícia política, na Rua António Maria Cardoso, ao Chiado/Lisboa, estava dependurado um baixo-relevo em madeira onde as regiões do Alentejo contrastavam pela cor avermelhada. Os agentes da aterradora polícia todos os dias passavam por ali para lerem a lista de nomes dos "comunas" à solta e que deviam ser presos...
O assalto ao quartel de Beja foi coordenado com a presença do general Humberto Delgado, "o general sem medo" e da sua secretária brasileira ( general bastante aventureiro, com um discernimento político muito oscilante, antigo apoiante de Salazar ) , que terá pernoitado ou em Badajoz ou em Vila Verde de Ficalho (...).
O ditador Salazar ficou tão borrado de medo que perdeu a voz durante uns dias, não podendo ler o seu discurso na Assembleia Nacional fascista de 3 de Janeiro de 1962 .
Não era caso para menos. Como escreveu um comentador destes acontecimentos, o ano de 1961 foi o "annus horribilis" da ditadura salazarenta : em Janeiro, o capitão Henrique Galvão, também ex-apoiante do ditador, tinha assaltado e apoderara-se durante uns dias do paquete "Santa Maria", crismado de navio "Santa Liberdade" ; a guerra anti-colonial em Angola iniciara-se em Março ; em Abril, dera-se o golpe, abortado, do general Botelho Moniz, um dos braços direitos de Salazar ; na primeira metade de Dezembro, a União Indiana, liderada por Nehrú, um socialista verdadeiro, retomara conta das distritos de Goa, Damão e Diu.
Já para não falar das famosas eleições de 1958, nas quais a ditadura conhecida por "Estado Novo" fora obrigada a reconhecer ao opositor, o corajoso general Humberto Delgado, 25 % dos votos entrados nas urnas. Eleições escandalosas, onde as "chapeladas" foram incontáveis e às escancaras, eleições das quais se disse, com verdade, que "até os mortos votaram".
As eleições de 58 converteram o general Delgado num mito e a ano português de 1961 revelaram o ditadorzeco Salazar praticamente isolado e humilhado a nível internacional.
Após "a clara madrugada" do 25 de Abril, o capitão João Varela Gomes dirigiu a 5ª Divisão do Estado Maior das Forças Armadas - serviço de informações de contra-espionagem, amada apaixonadamente por metade do País, e odiada com a mesma intensidade pela metade reaccionária - vendo-se compelido , depois do 25 de Novembro de 1975 , a evadir-se, em primeiro lugar, para a Cuba fidelista, e, em segundo lugar, para a Angola do MPLA, só regressando a Portugal em 1979, onde prosseguiu o seu combate pelo Socialismo concreto e não por aquele artefacto de socialismo que se esconde numa gaveta.
Tive o privilégio e a honra de ser liderado por Varela Gomes - eu que nunca fui fácil de ser liderado excepto pelo PCP, "Partido com Paredes de Vidro". João Varela Gomes também não se deixava liderar por quem quer que fosse a não ser pelas suas profundas convicções de um revolucionário estudioso. Foi pai de uma ínclita geração , de opções flutuantes, discutíveis, sobre a qual poderei escrever noutra ocasião, pois nesta crónica não creio que caiba mais que a minha modesta homenagem ao "1º capitão de Abril", que não corre o risco, com as actuais Forças no Poder Nacional, de darem o seu nome a um aeroporto, a uma ponte, a um cais. Talvez, por descargo de consciência, uma placazita, discreta, no Panteão...
Um sentido e eterno adeus ao "meu" Coronel
do Leopardo
Na realidade João Varela Gomes ,desde muito novo, sempre se distinguiu como um lutador anti-fascista consequente ( assim como a sua mulher, a católica Eugénia Varela Gomes ), um cidadão-militar apologista de uma Sociedade Comunista, em particular tendo liderado um golpe contra o quartel de Beja - com um número exíguo de forças : militares, poucos, e 35 civis - o contribuiu para mostrar a vulnerabilidade da ditadura salazarista.
A tentativa de tomada do quartel de Beja realizou-se na madrugada da Passagem de Ano de 1961 para 1962 e dela resultaram 2 mortos e vários feridos ( entre eles o próprio Varela Gomes, com 5 tiros no baixo-ventre ). Nos mortos contou-se o Subsecretário de Estado do Exército salazarento, Jaime Filipe da Fonseca, que acorrera apressadamente ao quartel com reforços e que, mui provavelmente, terá sido atingido inadvertidamente por disparos de militares afectos ao ditador ( morte que a pide/dgs atribuiu de imediato "aos comunas" ).
De facto, o assalto não constituiu uma surpresa para o regime fascista , cujo Estado-Maior das Forças Armadas tinha informações de que tal poderia acontecer num dos quartéis da zona do Alentejo.
A identificação entre "alentejanos" e "comunistas" chegava a tal ponto, mesmo no imaginário dos torcionários da pide/dgs , que numa das salas da sede principal da polícia política, na Rua António Maria Cardoso, ao Chiado/Lisboa, estava dependurado um baixo-relevo em madeira onde as regiões do Alentejo contrastavam pela cor avermelhada. Os agentes da aterradora polícia todos os dias passavam por ali para lerem a lista de nomes dos "comunas" à solta e que deviam ser presos...
O assalto ao quartel de Beja foi coordenado com a presença do general Humberto Delgado, "o general sem medo" e da sua secretária brasileira ( general bastante aventureiro, com um discernimento político muito oscilante, antigo apoiante de Salazar ) , que terá pernoitado ou em Badajoz ou em Vila Verde de Ficalho (...).
O ditador Salazar ficou tão borrado de medo que perdeu a voz durante uns dias, não podendo ler o seu discurso na Assembleia Nacional fascista de 3 de Janeiro de 1962 .
Não era caso para menos. Como escreveu um comentador destes acontecimentos, o ano de 1961 foi o "annus horribilis" da ditadura salazarenta : em Janeiro, o capitão Henrique Galvão, também ex-apoiante do ditador, tinha assaltado e apoderara-se durante uns dias do paquete "Santa Maria", crismado de navio "Santa Liberdade" ; a guerra anti-colonial em Angola iniciara-se em Março ; em Abril, dera-se o golpe, abortado, do general Botelho Moniz, um dos braços direitos de Salazar ; na primeira metade de Dezembro, a União Indiana, liderada por Nehrú, um socialista verdadeiro, retomara conta das distritos de Goa, Damão e Diu.
Já para não falar das famosas eleições de 1958, nas quais a ditadura conhecida por "Estado Novo" fora obrigada a reconhecer ao opositor, o corajoso general Humberto Delgado, 25 % dos votos entrados nas urnas. Eleições escandalosas, onde as "chapeladas" foram incontáveis e às escancaras, eleições das quais se disse, com verdade, que "até os mortos votaram".
As eleições de 58 converteram o general Delgado num mito e a ano português de 1961 revelaram o ditadorzeco Salazar praticamente isolado e humilhado a nível internacional.
Após "a clara madrugada" do 25 de Abril, o capitão João Varela Gomes dirigiu a 5ª Divisão do Estado Maior das Forças Armadas - serviço de informações de contra-espionagem, amada apaixonadamente por metade do País, e odiada com a mesma intensidade pela metade reaccionária - vendo-se compelido , depois do 25 de Novembro de 1975 , a evadir-se, em primeiro lugar, para a Cuba fidelista, e, em segundo lugar, para a Angola do MPLA, só regressando a Portugal em 1979, onde prosseguiu o seu combate pelo Socialismo concreto e não por aquele artefacto de socialismo que se esconde numa gaveta.
Tive o privilégio e a honra de ser liderado por Varela Gomes - eu que nunca fui fácil de ser liderado excepto pelo PCP, "Partido com Paredes de Vidro". João Varela Gomes também não se deixava liderar por quem quer que fosse a não ser pelas suas profundas convicções de um revolucionário estudioso. Foi pai de uma ínclita geração , de opções flutuantes, discutíveis, sobre a qual poderei escrever noutra ocasião, pois nesta crónica não creio que caiba mais que a minha modesta homenagem ao "1º capitão de Abril", que não corre o risco, com as actuais Forças no Poder Nacional, de darem o seu nome a um aeroporto, a uma ponte, a um cais. Talvez, por descargo de consciência, uma placazita, discreta, no Panteão...
Um sentido e eterno adeus ao "meu" Coronel
do Leopardo
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