Treblinka foi o campo de concentração hitleriano que mais vidas ceifou no mais curto espaço de tempo - quase um milhão de pessoas no período de um ano; o equivalente a um décimo da população portuguesa...
Em termos de horror e de uma crueldade racional, planificada, desapiedada, que trata os seres humanos ( no caso de Treblinka , os judeus, os polacos, os russos ) como mercadorias - valem pelos cabelos que lhes rapam, pelos dentes de ouro que lhes arrancam, pelas jóias, relógios, dinheiro, calçado, roupas que lhes roubam - está ao nível de Auschwitz .
O filme de Sérgio Tréfaut (nascido no Brasil, em 1965) mostra-nos um comboio em movimento perpétuo, pronto para absorver todos os judeus, polacos, russos comunistas e não-comunistas, que pudesse, por terras da Polónia, da Ucrânia, da Rússia (perguntei-me o tempo todo porquê, pois a paisagem mal se vê e qualquer entroncamento de linhas férreas em Portugal forneceria as mesmas imagens) , para os despojar de todos as mercâncias e, por fim, ou logo no início, da vida, nas asfixiantes câmaras gás ou com um tiro na nuca.
O ambiente asséptico do interior das carruagens, de vidros eternamente embaciados, onde os dedos procuram traçar linhas que lhes permitam adivinhar um pouco o percurso e o seu destino, contrasta com o horror seco das palavras proferidas em russo.
É de facto espantoso o meio que Tréfaut escolheu para nos transmitir o terror das hordas nazis : não as imagens, mas as palavras. Um longo poema em prosa, um poema tenebroso, num discurso entrecortado, onde os olhos procuram os nossos quase sempre coruscando-nos como olhos de animais acossados, que prevêem estar a ser conduzidos para o matadouro.
Nunca nos são mostradas imagens dos SS ou da soldadesca hitleriana , sempre designados por "assassinos" ou apenas "SS". Por exemplo, o soldado alemão que corta a orelha de um prisioneiro por pura diversão ou que viola uma mulher mais apetecível para a matar em seguida a tiro, ou das pessoas a serem asfixiadas com gás nas carruagens hermeticamente vedadas. Não, o horror absoluto é transmitido pela palavra. Creio que são os 61 minutos de cinema mais longos da minha vida ( minto, vi uma obra sobre o campo de extermínio do Tarrafal que figurava uma violência que obrigava os espectadores a repousar um bom quarto de hora antes de serenarem ).
As imagens dos prisioneiros, antecipadamente condenados ao extermínio, extermínio nunca expressamente admitido, só pressentido, são desfocadas, homens e mulheres, seres humanos sem identidade, irmanados ao nível térreo da miséria absoluta.
Aliás, é ao nível da poeira terrestre, gelada, que as hordas hitlerianas os querem reduzir quando, tendo percebido a sua derrota às mãos do Exército Soviético , querem apagar qualquer traço dos campos de concentração, das câmaras de gás, das valas comuns onde os cadáveres se empilhavam - mulheres, crianças, homens - para, posteriormente, negarem a sua existência.
Não por acaso os filhotes ideológicos da PIDE/DGS e do salazarismo quiseram apagar os vestígios da sua sede na rua António Maria Cardoso ( o que conseguiram, transformando-a num hotel de luxo em pleno Chiado ) e se preparavam para fazer o mesmo na prisão de Peniche.
No elenco de "Treblinka", destacam-se os actores Kírill Kashlikov e Isabel Ruth, mas outros portugueses contribuíram para a obra como Manuela Villaverde Cabral. Muita da música é do grande compositor Dmitri Shostakóvicht que permaneceu um militante comunista bolchevique até à sua morte e foi condecorado como herói do Estado Soviético ( merece a pena referi-lo, pois os "mírdias ocidentais" figuram-no com frequência como um "dissidente" ).
A película foi eleita como o melhor filme português do Festival Indie Lisboa de 2016 . Estávamos duas pessoas na sala a assistir à projecção, o que fornece uma indicação do nível de deseducação a que a população portuguesa foi conduzida pelos espectáculos de "entertainment" e pelo futebolês.
E, agora sim, vou de férias com a sensação de militância cumprida
Abraços encalorados e confiantes do
Leopardo
O ambiente asséptico do interior das carruagens, de vidros eternamente embaciados, onde os dedos procuram traçar linhas que lhes permitam adivinhar um pouco o percurso e o seu destino, contrasta com o horror seco das palavras proferidas em russo.
É de facto espantoso o meio que Tréfaut escolheu para nos transmitir o terror das hordas nazis : não as imagens, mas as palavras. Um longo poema em prosa, um poema tenebroso, num discurso entrecortado, onde os olhos procuram os nossos quase sempre coruscando-nos como olhos de animais acossados, que prevêem estar a ser conduzidos para o matadouro.
Nunca nos são mostradas imagens dos SS ou da soldadesca hitleriana , sempre designados por "assassinos" ou apenas "SS". Por exemplo, o soldado alemão que corta a orelha de um prisioneiro por pura diversão ou que viola uma mulher mais apetecível para a matar em seguida a tiro, ou das pessoas a serem asfixiadas com gás nas carruagens hermeticamente vedadas. Não, o horror absoluto é transmitido pela palavra. Creio que são os 61 minutos de cinema mais longos da minha vida ( minto, vi uma obra sobre o campo de extermínio do Tarrafal que figurava uma violência que obrigava os espectadores a repousar um bom quarto de hora antes de serenarem ).
As imagens dos prisioneiros, antecipadamente condenados ao extermínio, extermínio nunca expressamente admitido, só pressentido, são desfocadas, homens e mulheres, seres humanos sem identidade, irmanados ao nível térreo da miséria absoluta.
Aliás, é ao nível da poeira terrestre, gelada, que as hordas hitlerianas os querem reduzir quando, tendo percebido a sua derrota às mãos do Exército Soviético , querem apagar qualquer traço dos campos de concentração, das câmaras de gás, das valas comuns onde os cadáveres se empilhavam - mulheres, crianças, homens - para, posteriormente, negarem a sua existência.
Não por acaso os filhotes ideológicos da PIDE/DGS e do salazarismo quiseram apagar os vestígios da sua sede na rua António Maria Cardoso ( o que conseguiram, transformando-a num hotel de luxo em pleno Chiado ) e se preparavam para fazer o mesmo na prisão de Peniche.
No elenco de "Treblinka", destacam-se os actores Kírill Kashlikov e Isabel Ruth, mas outros portugueses contribuíram para a obra como Manuela Villaverde Cabral. Muita da música é do grande compositor Dmitri Shostakóvicht que permaneceu um militante comunista bolchevique até à sua morte e foi condecorado como herói do Estado Soviético ( merece a pena referi-lo, pois os "mírdias ocidentais" figuram-no com frequência como um "dissidente" ).
A película foi eleita como o melhor filme português do Festival Indie Lisboa de 2016 . Estávamos duas pessoas na sala a assistir à projecção, o que fornece uma indicação do nível de deseducação a que a população portuguesa foi conduzida pelos espectáculos de "entertainment" e pelo futebolês.
E, agora sim, vou de férias com a sensação de militância cumprida
Abraços encalorados e confiantes do
Leopardo
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