Reflexões do Leopardo

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segunda-feira, 30 de maio de 2016

Verdi versus Wagner & muita Merda Excelente

Escolhi opor Verdi a Wagner  não porque um seja um génio musical e o outro o não seja, não porque ambos não tenham provocado uma revolução no mundo da Ópera. Ambos foram génios musicais, ambos provocaram rupturas radicais na forma de entender "i drami per musica", mas porque, para mim, simples melómano que não separa os músicos das posturas sociais que que assumem, foram de facto seres humanos profundamente diferentes: Verdi centrado na contributo progressista que a sua obra musical poderia ter na sociedade e na influência moral da sua intervenção de cidadão; Wagner centrado acima de tudo nele próprio e na imagem que projectava e que gostaria perdurasse para a História.

Wilhelm Richard Wagner nasceu em Leipzig (cidade com grandes tradições na cultura germânica), a 22 de Maio.1813, morreu em Veneza, a 13 de Fevereiro1883 (com 70 anos) de um súbito ataque de coração. 
Filho de um polícia e de uma mãe cujo pai era padeiro, Wagner de facto não conheceu o pai biológico, pois ele faleceu quando o bébé tinha 6 meses. A mãe casou-se com um dramaturgo e actor ( que Wagner terá imaginado durante muitos anos ser o seu pai biológico ) e a família mudou-se para Dresden ( outra das cidades alemãs com uma herança cultural de relevo e, tal como Leipzig, arrasada pela aviação inglesa durante a 2ª guerra mundial). Duas irmãs de Wagner eram actrizes e uma delas também cantora de Ópera.

Desde cedo Wagner revela talentos acima do vulgar. Aos 13 anos traduz doze volumes da Odisseia a partir do grego antigo. Em 1827, com 14 anos, ouve música de Ludwig van Beethoven, pela qual se apaixona, em especial pela 7ª Sinfonia, e em 1929 (com 16 anos) ao ouvir a Ópera de Beethoven, ficou fascinado e obsecado pela "soprano drammatica" Wilhelmine Schröder-Devriant, escrevendo-lhe uma carta.

Como se sabe, Beethoven só compôs a Ópera "Fidelio" - à qual tencionava dar o nome de "Leonora", título do qual desistiu para não expor a pessoa que amava. Aliás, Beethoven não voltou a escrever Óperas por se achar sem talento para tal.
Provavelmente Beethoven tinha razão. Não será por acaso que o conhecemos pelas suas Sinfonias - deixou igualmente uma "Missa Funebris" notável. Porém, cá o simplérrimo Leopardo, que gosta bastante do "Fidelio" , lamenta que o Mestre não tenha feito mais nenhuma incursão no mundo da Ópera lírica ... podia ser que ganhasse balanço e coragem... Mas quem sou eu para me pôr a discutir ( e fora dos tempos, num diálogo além-túmulo ) com o Grande Mestre ??! Tal está o atrevimento!.. Ou será apenas mais um elogio disfarçado... 

Apadrinhado por Giacomo Meyerbeer - que dominava os meios musicais nos territórios alemães - Wagner consegue o lugar de regente de orquestra em Magdeburgo (em 1834; tem 21 anos; o cargo é bem remunerado e, em princípio, estável). Wagner dirige o "Don Giovanni" de Mozart e arrebata o público. O mesmo acontecendo com as 7ª e 9º Sinfonias de Beethoven (a 9ª Sinfonia era considerada uma obra superior, impossível de ser dirigida, posta à margem; é Wagner o responsável por a pôr de novo em destaque).

Wagner dirige com grande rigor e entusiasmo, transmitindo esse fogo artístico à orquestra e ao público. As características de grande regente de orquestra mantê-las-à pela vida fora e é uma das razões porque não confia as suas próprias obras a outros maestros.
O seu método de trabalho quando compunha não variava: fazia primeiro o libreto em prosa, depois passava-o a versos (não sentia em si alma poética de escritor) e, por fim,  deixava escorrer a partitura. Afirmam os especialistas que Wagner usava texturas musicais complexas, de harmonias ricas, com grandes recursos orquestrais, e  lançava mão com  frequência  de "leitemotiv's", isto é, empregava temas musicais motores, associados a caracteres individuais, lugares e ideias.
  
Escrevi atrás que o cargo de Wagner em princípio, era estável, não fora uma série de características que também sempre acompanharam o genial músico pela vida fora: o vício do jogo (onde perdia somas exorbitantes), o feitio esbanjador em festas que organizava, a paixão por roupas, perfumes, carruagens, palacetes onde se hospedava, tudo muito acima dos seus rendimentos. O que determinou que passasse a vida a saltar de uma cidade para outra, de um país para outro, de um cargo para outro a fim de fugir aos credores e não ser preso. Em Paris chegaram a caçar-lhe o passaporte num hotel para o poderem prender por dívidas quando tentasse atravessar a fronteira.

A sua vida amorosa - ou, deverei dizer, experiências eroticó-afectivas? - correspondeu à extravagante vida do músico (extraordinário seria se assim não tivesse sido).
Em 1836 casou com Christine Wilhelmine "Minna"Planer, actriz modesta, e a ligação revelou-se infeliz, espaçada por separações derivadas dos compromissos profissionais, ameaçada por intentos de divórcio ora de um lado ora do outro. Em todo o caso durou até 1860, altura em que "Minna" obtém a prova irrefutável da ligação entre Wagner e Mathilde Wesendonk, esposa de Otto Wesendonk, um rico empresário, que consentia na relação da mulher com o Maestro e financiava Wagner a fundo perdido. Porém, "Minna" tinha outra opinião. Armou uma escandaleira de berros e esfregou, no sentido literal do termo, a prova - uma carta - na cara dos Wesendonk. O divórcio dos Wagner tornou-se inevitável. Separaram-se definitivamente. Richard vai sozinho para Veneza e depois para Zurique. Além da traição eroticó-afectiva, "Minna" nunca perdoara ao marido a sua intromissão muito activa na vida política, que ocasionara a sua expulsão de Dresden, cidade de "Minna" e do seu sonho de uma vida financeira estável.

Efectivamente ("e sem moralizar"), após apanhar a febre tifóide em Riga (Polónia), ser preso em Paris, sempre perseguido pelos credores, Wagner, apadrinhado por Giacomo Meyerbeer, tinha conseguido (1841) ser nomeado Kappellmeister em Dresden, isto é, director artístico e regente do teatro da cidade. O cargo era bem pago e vitalício.

Ora, Wagner empossado no prestigioso e bem remunerado cargo de Kappellmeister, sob a influência dos ventos e tempestades, de sentidos desencontrados, desencadeados pela grande Revolução Francesa, sob a influência da sua amizade pessoal com o anarquista russo Mikhail Bakunin, vai-se progressivamente aproximando de ideais revolucionários, publicando, sob anonimato, poemas e artigos revolucionários, mas escritos que todos reconhecem como provindos da sua pena. Para evidenciar ainda mais este empenhamento político, quando Wagner regia a 9ª Sinfonia (1.Abril.1849), Bakunin levantou-se no meio da plateia, apertou a mão de Wagner e afirmou alto e bom som que se toda a música desaparecesse numa guerra mundial, a 9ª Sinfonia devia ser salva.

O envolvimento revolucionário subiu ao ponto de Wagner emergir como um dos líderes - juntamente com Bakunin e outras personalidades anarquistas - da revolta armada da cidade de Dresden. A Revolta foi esmagada a canhonaços pelas tropas prussianas  . Bakunine e os outros líderes anarquistas fugiram, abandonaram a população à violência, aos roubos, às sevícias da soldadesca prussiana , porém Wagner (honra lhe seja feita), pôs "Minna" a salvo noutra cidade, e retornou a Dresden, resistindo com a sua população até ao fim.
Os prussianos vencedores, condenaram os líderes da Revolta à morte (se  e quando fossem apanhados). O nome de Wagner estava incluído nos cabecilhas condenados à morte. Condenação que, posteriormente, Bismark comutou para prisão perpétua.

Nos entretantos, Wagner ia compondo "Der fliegend Holländer" - cujo nome passou a "Le Vaisseeau Fantôme" para retornar ao "Holandês Voador" germânico, conforme Wagner espreitava oportunidade de a obra ser tocada em França ou na Alemanha. Eu, ouvi-a garoto, nos idos de 1952, no ginásio do Liceu Camões, sob o nome d' "O Navio Fantasma" e sob a batuta do maestro que apodavamos de Pedro de Freitas Amarelo para que não fosse confundido com o prestigiado pedagogo musical e democrata Pedro de Freitas Branco.
Compunha Wagner a "Tannhäuser" (grande ópera em 3 actos, elaborada e reelaborada entre 42-45 e 61) -  que Napoleão III o convidava a montar em Paris - , dava à luz "Lohengrin" (45-48, ópera romântica em 3 actos)redigia partes do "Anel dos Nibelungos" ( "Der Ring der Nibelungen", tetralogia composta de "O Ouro do Reno", "A Valquíria", "Siegfried" e "Crepúsculo dos Deuses", de 48 a 74) , "Os Mestres Cantores de Nurembergue" (ópera em 3 actos, redigida entre 45 e 67), que ficará como um marco pela introdução da mitologia germânica em prejuízo da mitologia greco-romana e pelo assentar de arraiais na língua alemã , acabava "Tristão e Isolda" (ópera em 3 actos, composta entre 57 e 59). 

Em 1860 Wagner foi amnistiado e voltou à Alemanha. Travou conhecimento com Luís II, rei da Baviera , o qual obviamente se encantou com a música de Wagner e com o músico, construindo-lhe uma faustosa residência dentro das suas propriedades reais, na Floresta Negra, Villa Pellet, concedendo-lhe uma pensão suficiente para Wagner viver luxuosamente (porém, já sabemos que nunca haveria dinheiro bastante para satisfazer o egocentrismo e o narcisismo de Wagner).
Luís II era assumidamente homossexual e o grande realizadocinematográfico e encenador teatral do século XX, amante de Ópera, Luchino Visconti (autor de filmes-arquétipo como "La Terra Trema", "Senso", "O Leopardo", "Morte em Veneza") afirmou que as relações entre Luís II e Wagner não se limitaram a uma admiração platónica do rei pelo músico, tendo-se consumado numa relação sexual concreta, a qual não seria alheia ao posterior enlouquecimento do rei e ao seu afogamento numa lagoa da Villa Pellet.

Tenha acontecido o que tenha acontecido, a vida de Richard Wagner foi uma montanha russa a girar a velocidades de bólides fórmula 1, Le Mans.
 Em 1864, Hans von Büllow com a esposa Cosima (filha do grande compositor e pianista Franz Liszt) chegam à Villa Pellet e os serões conhecem uma animação nova com o convívio e as conversas animadas entre Wagner e os von Büllow. A filha de Liszt toca igualmente piano e é uma mulher com uma cultura musical, artística, intelectual superior, possui ideias avançadas. Sensivelmente um ano depois Cosima está grávida de Wagner. Os von Büllow acabam por se divorciar e Cosima casa com Wagner em 1870. Tiveram três filhos: Isolde, Eva e Siegfried (nomes que vêm a aparecer nas personagens das óperas do Mestre). Cosima ia tendo conhecimento e tolerava as inúmeras relações extra-conjugais do marido. Já agora vale a pena deixar dito que Liszt nunca aprovou o casamento da filha, embora fosse assistindo aos espectáculos do genro.

Em 1866, Bismark - qe será cognominado de "Chanceler de Ferro - unificará a Alemanha sob a sua égide e vai permitir, habilmente, que Luís II continue rei da Baviera.
Nessa altura, Luís II propôs a Wagner abandonar o reino e ir viver com ele. Wagner dissuade-o, fala-lhe nas responsabilidades de um rei para com o seu povo, sublinha-lhe que se o fizesse não poderia continuar a sustentá-lo a ele, Wagner, com a generosa tença anual, e consegue que Luís II lhe ofereça a pequena cidade de Bayreuth no centro da Baviera e no centro da Alemanha ,  para a realização de um Festival , que deveio o famoso Festival de Bayreuth para onde convergem anualmente wagnerianos de todo o mundo (a cidade há décadas que vive desse turismo melómano).

Entre 1865 e 1882, Wagner compõe a ópera "Parsifal", definida como um "festival cénico sagrado", na qual muitos wagnerianos vêem a cúpula do seu magistério.
Em 1868, trava amizade com o filósofo (e filólogo, crítico cultural, poeta, compositor) Friedrich Nietzsche, amizade que finda por decepcionar ambos.

A 13 de Agosto.1876, Wagner dá inicio finalmente ao primeiro Festival de Bayreuth. Afluíram personalidades de todo o mundo: o imperador da Alemanha, o imperador do Brasil (D.Pedro II), Nietzsche, Franz Liszt, Anton Brukner, Piotr Ilitch Tchaikovsky.

A partir de 1882, Wagner começou a ter problemas cardíacos e a viajar para Itália
sempre que podia. Detestava o clima quase sempre chuvoso de Bayreuth e preferia as belas cidades ensolaradas italianas e as suas magníficas "piazze".  A 13 de Fevereiro.1883, em Veneza , Wagner morreu subitamente de um ataque cardíaco.
O funeral foi em Bayreuth e, de acordo com as instruções expressas do compositor, a pedra tumular é rasa, não contem qualquer inscrição, pois o Mestre deixara dito que não era preciso, todos os visitantes saberiam quem era exactamente que repousava por baixo (sic!)... 

O Festival de Bayreuth , por vezes, é associado indevidamente ao Nazismo . Após a morte de Wagner, o Festival passou a ser dirigido pela viúva Cosima e quando ela delegou o cargo, em 1906, pelo filho Siegfried . Foi a viúva do filho, militante nazi , que entregou o Festival às garras dos hitlerianos de tal forma que só após o fim da 2ª guerra mundial e o julgamento de Nuremberga  o Festival foi limpo dessa tremenda mancha.

Wagner terá composto ao todo 113 obras (a última em 1880, o "lied" "Ihr kinder, geschwinde, geschwinde") - óperas líricas, "lieds", música de câmera, sinfonias, músicas religiosas ou fúnebres, escrito libretos e ensaios teóricos sobre ópera lírica - estando eu, vulgar leopardo, de acordo com a sua concepção de que a "i drami per musica" são um espectáculo global, em que todos os artistas nela intervenientes se devem subordinar à concepção do compositor (e não improvisarem a seu talante, enquanto lhes batessem palmas, como era usual os "divos" e as "divas" fazerem patrásmente) a questão naturalmente que se coloca é porque carga de água prefiro eu, atrevido leopardo, Verdi a Wagner. Verdi não terá produzido em tal quantidade, não redigiu libretos, não definiu teoria com tal precisão e concisão. Mas antes de Wagner, Verdi subordinou a Ópera aos mesmos princípios, com o mesmo rigor, com uma precisão de notas práticas explicativas de oceano, sem lhe retirar a alegria, a leveza  e a subtileza saltitante, a convivialidade. Verdi que produziu "o coro dos escravos" da Ópera "Nabucco" que chegou a ser cantado como o hino italiano contra o opressor austríaco.

A minha resposta, com toda a carga de subjectividade que assumo, dei-a parcialmente no início. Mais acrescento: sinto sempre em Wagner um sinfonista que se enganou e compôs Óperas; as suas árias são longos monólogos sinfónicos em que se perde a controvérsia própria dos diálogos operísticos; depois sempre em dodecassílabos (como se estivesse sempre na peugada de Leopardi,  Petrarca,  o Dante da "Divina Comédia" ou o Camões dos "Lusíadas"); nunca saímos dos cenários pesados, de escadarias intermináveis de palácios reais; ósdepois aquela maldita mitologia germânica com as espadas e os machados sempre a baterem nos escudos !; "and last but not the least", as tonitruâncias e as asperesas daquele linguajar bárbaro que é o "tedesco".
Existem belíssimas páginas de música nas Óperas de Wagner ? Existem sim senhora... pena que não tenham sido canalizadas, para sinfonias, música litúrgica, "lieds".

Mas é a diferença entre ser enterrado sob uma lage  sem qualquer inscrição no campo sagrado de Baireuth , e ser enterrado num pequeno cemitério perto de Sant'Agata, onde tinha a casa em que viveu até morrer.

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Lastimo, porém hoje já não estou em condições de meter as mãos na Merda

Amplexos confiantes e "pulite" do

Leopardo     

                        






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